Por que investir em fontes nucleares se o maior dos reatores oferece, naturalmente, energia abundante e gratuita, questiona Ramu Ramdas, representante da Índia na Coalizão para o Desarmamento Nuclear e a Paz
Por José Alberto Gonçalves
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Como o senhor vê a nova abordagem de ambientalistas como James Lovelock, antigo membro do Greenpeace, quanto à energia nuclear? A indústria adota os argumentos dele e de outros para justificar o uso da energia nuclear para deter o aquecimento global. Dizem que os novos reatores são mais seguros, mais confiáveis, e podem ser construídos em curto período de tempo.
O argumento de que esta seria uma forma limpa de energia, que não emite gás carbônico, é na verdade uma excelente embalagem para um produto. O mais importante é que, além da energia nuclear, dispomos de muitas outras fontes alternativas de energia.
O melhor reator nuclear do mundo, que é gratuito, é o Sol. Nele ocorre uma fissão constante e contínua. A fissão é uma divisão do átomo que proporciona essa enorme quantidade de calor e luz que recebemos aqui, mesmo com o Sol a milhões de quilômetros de distância. Permita-me ilustrar com o exemplo da Índia: apesar do recente acordo nuclear indo-americano para a transferência de combustíveis e tecnologia, o programa só conseguirá contribuir com pouco menos de 5% das necessidades energéticas totais da Índia em 2020. Isso significa que 95% das necessidades ainda serão supridas por meios convencionais, como fontes não renováveis – carvão, gasolina – e fontes renováveis, como o vento e o sol. É triste o fato de que as pessoas não reconhecem que esse acréscimo na oferta de energia nuclear nas próximas duas décadas terá um custo altíssimo. Em primeiro lugar, ninguém fez uma análise comparando a relação custo/benefício da energia nuclear com a de outras fontes energéticas. Em segundo, nunca são contabilizados os efeitos ambientais e as conseqüências negativas da energia nuclear, desde o início do processo, a mineração do material, sua preparação como combustível e a inserção no reator, bem como todos os vazamentos futuros. Em terceiro, ninguém sabe até hoje qual a melhor maneira de se livrar do lixo atômico.
Dependendo do tipo de combustível utilizado, o lixo atômico tem milhares de anos de toxicidade. O melhor método já desenvolvido consiste em guardá-lo em contêineres de chumbo extremamente pesados e espessos, que são depois enterrados a 300 metros de profundidade, às vezes a 1 mil metros. Mas ninguém sabe dizer o que acontecerá com esse material daqui a 150, 200 anos. E, francamente, algumas das respostas oferecidas são horríveis. DiZem: “Não estamos preocupados com isso, deixe que as gerações futuras lidem com o problema. Até essa hora chegar, a tecnologia já terá avançado…”
Eles simplesmente enterram tudo?
Hoje em dia se fala em enterrar o lixo atômico a até 2 mil metros de profundidade.
E quanto ao leito marinho, enterra-se o lixo lá também?
Por enquanto, não. No leito marinho é ainda mais perigoso. O problema é que hoje a humanidade já esgotou praticamente todos os recursos que poderiam ser saqueados pelo homem para o seu uso pessoal. Sejam quais forem os desígnios da natureza, o homem foi o primeiro animal a contrariá-los, a quebrar a natureza.
Esquecemos como se trabalha junto com ela. O risco aumentará ao entrarmos no campo da energia nuclear, por causa de algo que tem primariamente uma clara motivação comercial, o dinheiro que pode ser ganho na indústria nuclear. Este será o século dos mares, porque a humanidade se vê mais e mais forçada a buscar no mar recursos vivos e não vivos. Por isso não podemos nos dar ao luxo de ter o leito marinho poluído pela radiação, porque ninguém sabe como impedir a ocorrência de vazamentos do material armazenado de maneira subterrânea ao longo dos muitos milhares de anos de emissão radioativa.
Voltando à primeira pergunta. Como o senhor avalia o uso que alguns ambientalistas fazem do próprio prestígio para advogar em função da energia nuclear como alternativa benéfica ao futuro do planeta? Mesmo antigos membros do Greenpeace…
Eu mesmo sou membro do Greenpeace, isso não significa que haja uma única visão dentro do grupo. O importante é que todo ambientalista pode ter opiniões, inclusive pessoais, mas que podem não se justificar por uma série de razões que expliquei. Portanto, qualquer pessoa que afirme que será um grande avanço contra a mudança climática, perdoe-me por dizê-lo, trabalha em uma área em que as grandes companhias compram os resultados de que necessitam. Não quero dizer mais do que isso.
No caso da Índia, temos agora um programa através do qual se pretende acrescentar 30 mil megawatts de energia gerada à nossa capacidade nuclear, e que vai custar inicialmente cerca de US$ 300 bilhões. Quem receberá todo esse dinheiro?
O senhor acha que as fontes renováveis, como a solar e a eólica, serão capazes de prover a energia necessária, caso os reatores sejam desativados, como na Alemanha?
É necessário pensar cada recurso como se fosse um orçamento. Se eu só tenho R$ 100, tenho de sobreviver com R$ 100. Como gastá-los de maneira mais eficiente? Esse é o ponto. Se tudo o que eu tenho é essa quantidade de energia, é com ela que preciso sobreviver, e torna-se necessário utilizá-la da maneira mais eficiente possível.
Isso vem acompanhado de outras medidas, como a economia no consumo, o uso de eletrodomésticos menos dependentes de grande quantidade de energia, a troca dos dispositivos tecnológicos por modelos mais econômicos. Imaginemos os 100% da energia mundial produzida hoje; diminuo esse total em 5 pontos percentuais e digo-lhe: “Este é o novo total, sobreviva com isso”.
O que fazer? Há um ditado que diz: “É necessário cortar o casaco de acordo com o tecido”.
O senhor fala em aumentar o aproveitamento e a eficiência do consumo da energia, mas para isso é necessária uma transição de duas ou três décadas. Enquanto ela não se completa, o que poderia ser feito para combater o aquecimento global?
Se o mundo tivesse investido na melhora das tecnologias de captação e absorção da energia solar — como usá-la melhor e beneficiar-se dela — um décimo do dinheiro empregado em pesquisa e desenvolvimento em geral, hoje estaríamos rindo desse problema, principalmente em países como a Índia, o Brasil e a China.
Somos países de sorte, recebemos energia do Sol em abundância. Por que países como os nossos deveriam buscar energia nas fontes nucleares, atômicas?
A energia solar é quase dez vezes mais cara do que a eólica.
Não é uma situação excludente. É necessário obter toda a energia possível a partir dos meios de que se dispõe, e investir em pesquisa e desenvolvimento nas áreas em que há futuro. Pense na energia das marés. Ela quase não é aproveitada.
Muitos países têm grande variação de nível nas suas marés. A mudança na maré ocorre a cada seis horas. Pense nas dimensões costeiras de todo o mundo. Muitos países têm milhares de milhas náuticas de extensão. O que estamos fazendo com a energia dos oceanos? Nada. Sei que é complicado, todos respondem que é cara para se produzir, mas o fato é que, sem investimento, nunca será possível superar o problema. Quanto dinheiro já foi gasto com a energia nuclear nos seus primeiros anos? Todos diziam que se tratava de um problema energético, mas sabemos que por trás havia um programa de armamento nuclear vinculado. O princípio é o mesmo. O que é um reator nuclear? É uma explosão controlada em miniatura dentro do reator, cujo calor é transferido para a água, que se transforma em vapor e faz a turbina funcionar. Trata-se da conversão da água em vapor. Foi o gasto inicial que permitiu à indústria atômica tornar-se tão grande, e agora já se desenvolveram tecnologias, principalmente para a produção de armas.
É o caso da Índia?
Todo país capaz de gerar energia nuclear pode produzir uma bomba, desde que tenha acesso à tecnologia necessária e a um dispositivo atômico.
O programa nuclear da Índia enfrentou algum problema sério de segurança?
Nunca tivemos problemas de vazamento de segredos ou tecnologia porque houve grande disciplina na condução desses assuntos. Tivemos alguns problemas menores em um bom número de reatores, e é por isso que no campo nuclear se diz hoje que os acidentes de fato acontecem. Esta é a principal bandeira que eu e outras pessoas ligadas a essa questão levantamos hoje.
Isso deveria ser mais transparente. É tudo feito às escondidas. O negócio nuclear é altamente secreto em todo o mundo, e é por isso que há uma oposição tão grande a ele.
O senhor certamente está observando a forte campanha de marketing feita pela indústria em todo o mundo para divulgar que os novos reatores são mais seguros e confiáveis.
Para mim, esse argumento os expõe, é o que eu chamo de auto-acusação.
Se estou tentando provar que algo é melhor e mais seguro, significa que sempre houve problemas. Eles continuam existindo, apenas foi possível reduzi-los. A indústria toda se entrega ao dizer que agora é mais segura do que antes. Mas não se pode garantir que os acidentes não ocorrerão. O máximo que se pode afirmar é que o fator de risco diminuiu.
O senhor não acha que as ONGs estão perdendo a batalha quanto ao convencimento da opinião pública nos países ocidentais e nas nações em desenvolvimento? Por exemplo, no Brasil há um sentimento mais positivo em defesa da energia nuclear do que há cinco anos.
Sim, infelizmente isso é um fenômeno mundial. E foi detonado por um sentimento de apatia, de impotência da sociedade civil, que há tantos anos luta pelo desarmamento atômico e contra a energia nuclear. O desafio hoje é ainda maior do que antes.
Por quê?
Por causa dessa imensa pressão exercida pela indústria em prol da energia nuclear como grande solução para a mudança climática. Por outro lado, se o desafio fica maior, também nos fortalecemos e tomamos atitudes, falamos com as pessoas para desmascarar a fraude nesses argumentos. Isso aumenta a nossa necessidade de se reorganizar e acordar. É um chamado para todos nós da sociedade civil. Vamos reunir forças, trocar informações, ser criativos, inovadores. Não devemos nos sentir derrotados. Eu sou um grande otimista. Minha principal tese na vida tem sido a de que o mundo todo está deliberadamente rejeitando a energia solar. O Sol é o maior de todos os reatores nucleares, e não há necessidade de se pagar tanto dinheiro por reatores artificiais quando dispomos de um tão poderoso. Depende de nós, da comunidade científica dos muitos países, a pesquisa de novos meios de aproveitá-la, sem restrição aos custos. Deve-se prosseguir nas pesquisas até determinar quatro ou cinco aspectos da nossa vida cotidiana em que a energia solar poderia ser empregada em substituição ao carvão, à gasolina, à energia nuclear. Nesse contexto, gostaria de apresentar um nome que vale a pena pesquisar. É o doutor Arjun Makhijani, um físico nuclear de renome que dirige o Intitute for Energy and Environmental Research, em Washington, D. C., mantido pela sociedade civil. Ele elaborou um relatório, já publicado, no qual afirma que os Estados Unidos podem se livrar da energia nuclear, do carvão, e da gasolina nos próximos 25 anos. Se os Estados Unidos, os maiores consumidores de energia no mundo, podem fazê-lo, outros países também podem. Isto é uma alternativa e não apenas uma sugestão.
Que conselho o senhor daria aos ambientalistas quanto à nova campanha contra a energia nuclear? O que poderiam fazer de diferente em relação ao que foi feito nos anos 70 e 80?
Primeiro, é necessário organizar os recursos de países como a Índia, o Brasil e a China em uma sinergia para levantar a bandeira de que a energia é uma necessidade e precisamos encontrar fontes que funcionem com a natureza, e não contra ela. Segundo ponto: na maioria dos países, cerca de 20% a 30% da energia consumida é praticamente desperdiçada devido a fatores simples como a ausência de dispositivos de desligamento automático. É como se diz: um real economizado é um real ganho. Da mesma maneira, um watt economizado é um watt que se gera. O terceiro: precisamos desenvolver novas formas de convencer o povo em vez de convencer só o governo. Nosso último apelo deve ser às lideranças. Acho que os maiores culpados costumam ser os líderes. Os que se sentem confortáveis. A classe média e alta. As pessoas que não se preocupam, têm um bom lugar para viver, muitos têm até quatro carros, um para cada membro da família, helicópteros, esse tipo de coisa.
Como lidar com essas elites no setor político, econômico, e oficial, da burocracia governamental? Precisamos interagir com essas pessoas de maneira muito especial, torná-las mais compreensivas em relação às questões ambientais. E, para tanto, há alguns jovens brilhantes. Esse desafio pertence à nova geração, que está hoje nos seus 20 anos. Muitos estão naquela idade em que há um fogo em sua barriga, uma vontade de fazer alguma coisa. Imagine um rapaz de 18, 20 anos abordando um político, dizendo-lhe: “Respeito seu trabalho, admiro sua trajetória, mas qual a opinião do senhor quanto a isto?” É o jornalismo popular, são os cidadãos que precisam levantar essas perguntas. Para tanto basta treinar algumas pessoas, é fácil. A melhor resposta vem das crianças em idade escolar, que estão diretamente implicadas no futuro que estamos discutindo.
Se pudermos fazê-los compreender que o futuro deles está em jogo, eles poderão exercer o direito de questionar os mais velhos quanto à sua política. Portanto, uma combinação dessas diferentes estratégias precisa ser desenvolvida, é necessário melhorar a rede de troca de informações e dados, e manter a esperança, jamais abandoná-la, com foco no objetivo.
Por que investir em fontes nucleares se o maior dos reatores oferece, naturalmente, energia abundante e gratuita, questiona Ramu Ramdas, representante da Índia na Coalizão para o Desarmamento Nuclear e a Paz
Por José Alberto Gonçalves
Como o senhor vê a nova abordagem de ambientalistas como James Lovelock, antigo membro do Greenpeace, quanto à energia nuclear? A indústria adota os argumentos dele e de outros para justificar o uso da energia nuclear para deter o aquecimento global. Dizem que os novos reatores são mais seguros, mais confiáveis, e podem ser construídos em curto período de tempo.
O argumento de que esta seria uma forma limpa de energia, que não emite gás carbônico, é na verdade uma excelente embalagem para um produto. O mais importante é que, além da energia nuclear, dispomos de muitas outras fontes alternativas de energia.
O melhor reator nuclear do mundo, que é gratuito, é o Sol. Nele ocorre uma fissão constante e contínua. A fissão é uma divisão do átomo que proporciona essa enorme quantidade de calor e luz que recebemos aqui, mesmo com o Sol a milhões de quilômetros de distância. Permita-me ilustrar com o exemplo da Índia: apesar do recente acordo nuclear indo-americano para a transferência de combustíveis e tecnologia, o programa só conseguirá contribuir com pouco menos de 5% das necessidades energéticas totais da Índia em 2020. Isso significa que 95% das necessidades ainda serão supridas por meios convencionais, como fontes não renováveis – carvão, gasolina – e fontes renováveis, como o vento e o sol. É triste o fato de que as pessoas não reconhecem que esse acréscimo na oferta de energia nuclear nas próximas duas décadas terá um custo altíssimo. Em primeiro lugar, ninguém fez uma análise comparando a relação custo/benefício da energia nuclear com a de outras fontes energéticas. Em segundo, nunca são contabilizados os efeitos ambientais e as conseqüências negativas da energia nuclear, desde o início do processo, a mineração do material, sua preparação como combustível e a inserção no reator, bem como todos os vazamentos futuros. Em terceiro, ninguém sabe até hoje qual a melhor maneira de se livrar do lixo atômico.
Dependendo do tipo de combustível utilizado, o lixo atômico tem milhares de anos de toxicidade. O melhor método já desenvolvido consiste em guardá-lo em contêineres de chumbo extremamente pesados e espessos, que são depois enterrados a 300 metros de profundidade, às vezes a 1 mil metros. Mas ninguém sabe dizer o que acontecerá com esse material daqui a 150, 200 anos. E, francamente, algumas das respostas oferecidas são horríveis. DiZem: “Não estamos preocupados com isso, deixe que as gerações futuras lidem com o problema. Até essa hora chegar, a tecnologia já terá avançado…”
Eles simplesmente enterram tudo?
Hoje em dia se fala em enterrar o lixo atômico a até 2 mil metros de profundidade.
E quanto ao leito marinho, enterra-se o lixo lá também?
Por enquanto, não. No leito marinho é ainda mais perigoso. O problema é que hoje a humanidade já esgotou praticamente todos os recursos que poderiam ser saqueados pelo homem para o seu uso pessoal. Sejam quais forem os desígnios da natureza, o homem foi o primeiro animal a contrariá-los, a quebrar a natureza.
Esquecemos como se trabalha junto com ela. O risco aumentará ao entrarmos no campo da energia nuclear, por causa de algo que tem primariamente uma clara motivação comercial, o dinheiro que pode ser ganho na indústria nuclear. Este será o século dos mares, porque a humanidade se vê mais e mais forçada a buscar no mar recursos vivos e não vivos. Por isso não podemos nos dar ao luxo de ter o leito marinho poluído pela radiação, porque ninguém sabe como impedir a ocorrência de vazamentos do material armazenado de maneira subterrânea ao longo dos muitos milhares de anos de emissão radioativa.
Voltando à primeira pergunta. Como o senhor avalia o uso que alguns ambientalistas fazem do próprio prestígio para advogar em função da energia nuclear como alternativa benéfica ao futuro do planeta? Mesmo antigos membros do Greenpeace…
Eu mesmo sou membro do Greenpeace, isso não significa que haja uma única visão dentro do grupo. O importante é que todo ambientalista pode ter opiniões, inclusive pessoais, mas que podem não se justificar por uma série de razões que expliquei. Portanto, qualquer pessoa que afirme que será um grande avanço contra a mudança climática, perdoe-me por dizê-lo, trabalha em uma área em que as grandes companhias compram os resultados de que necessitam. Não quero dizer mais do que isso.
No caso da Índia, temos agora um programa através do qual se pretende acrescentar 30 mil megawatts de energia gerada à nossa capacidade nuclear, e que vai custar inicialmente cerca de US$ 300 bilhões. Quem receberá todo esse dinheiro?
O senhor acha que as fontes renováveis, como a solar e a eólica, serão capazes de prover a energia necessária, caso os reatores sejam desativados, como na Alemanha?
É necessário pensar cada recurso como se fosse um orçamento. Se eu só tenho R$ 100, tenho de sobreviver com R$ 100. Como gastá-los de maneira mais eficiente? Esse é o ponto. Se tudo o que eu tenho é essa quantidade de energia, é com ela que preciso sobreviver, e torna-se necessário utilizá-la da maneira mais eficiente possível.
Isso vem acompanhado de outras medidas, como a economia no consumo, o uso de eletrodomésticos menos dependentes de grande quantidade de energia, a troca dos dispositivos tecnológicos por modelos mais econômicos. Imaginemos os 100% da energia mundial produzida hoje; diminuo esse total em 5 pontos percentuais e digo-lhe: “Este é o novo total, sobreviva com isso”.
O que fazer? Há um ditado que diz: “É necessário cortar o casaco de acordo com o tecido”.
O senhor fala em aumentar o aproveitamento e a eficiência do consumo da energia, mas para isso é necessária uma transição de duas ou três décadas. Enquanto ela não se completa, o que poderia ser feito para combater o aquecimento global?
Se o mundo tivesse investido na melhora das tecnologias de captação e absorção da energia solar — como usá-la melhor e beneficiar-se dela — um décimo do dinheiro empregado em pesquisa e desenvolvimento em geral, hoje estaríamos rindo desse problema, principalmente em países como a Índia, o Brasil e a China.
Somos países de sorte, recebemos energia do Sol em abundância. Por que países como os nossos deveriam buscar energia nas fontes nucleares, atômicas?
A energia solar é quase dez vezes mais cara do que a eólica.
Não é uma situação excludente. É necessário obter toda a energia possível a partir dos meios de que se dispõe, e investir em pesquisa e desenvolvimento nas áreas em que há futuro. Pense na energia das marés. Ela quase não é aproveitada.
Muitos países têm grande variação de nível nas suas marés. A mudança na maré ocorre a cada seis horas. Pense nas dimensões costeiras de todo o mundo. Muitos países têm milhares de milhas náuticas de extensão. O que estamos fazendo com a energia dos oceanos? Nada. Sei que é complicado, todos respondem que é cara para se produzir, mas o fato é que, sem investimento, nunca será possível superar o problema. Quanto dinheiro já foi gasto com a energia nuclear nos seus primeiros anos? Todos diziam que se tratava de um problema energético, mas sabemos que por trás havia um programa de armamento nuclear vinculado. O princípio é o mesmo. O que é um reator nuclear? É uma explosão controlada em miniatura dentro do reator, cujo calor é transferido para a água, que se transforma em vapor e faz a turbina funcionar. Trata-se da conversão da água em vapor. Foi o gasto inicial que permitiu à indústria atômica tornar-se tão grande, e agora já se desenvolveram tecnologias, principalmente para a produção de armas.
É o caso da Índia?
Todo país capaz de gerar energia nuclear pode produzir uma bomba, desde que tenha acesso à tecnologia necessária e a um dispositivo atômico.
O programa nuclear da Índia enfrentou algum problema sério de segurança?
Nunca tivemos problemas de vazamento de segredos ou tecnologia porque houve grande disciplina na condução desses assuntos. Tivemos alguns problemas menores em um bom número de reatores, e é por isso que no campo nuclear se diz hoje que os acidentes de fato acontecem. Esta é a principal bandeira que eu e outras pessoas ligadas a essa questão levantamos hoje.
Isso deveria ser mais transparente. É tudo feito às escondidas. O negócio nuclear é altamente secreto em todo o mundo, e é por isso que há uma oposição tão grande a ele.
O senhor certamente está observando a forte campanha de marketing feita pela indústria em todo o mundo para divulgar que os novos reatores são mais seguros e confiáveis.
Para mim, esse argumento os expõe, é o que eu chamo de auto-acusação.
Se estou tentando provar que algo é melhor e mais seguro, significa que sempre houve problemas. Eles continuam existindo, apenas foi possível reduzi-los. A indústria toda se entrega ao dizer que agora é mais segura do que antes. Mas não se pode garantir que os acidentes não ocorrerão. O máximo que se pode afirmar é que o fator de risco diminuiu.
O senhor não acha que as ONGs estão perdendo a batalha quanto ao convencimento da opinião pública nos países ocidentais e nas nações em desenvolvimento? Por exemplo, no Brasil há um sentimento mais positivo em defesa da energia nuclear do que há cinco anos.
Sim, infelizmente isso é um fenômeno mundial. E foi detonado por um sentimento de apatia, de impotência da sociedade civil, que há tantos anos luta pelo desarmamento atômico e contra a energia nuclear. O desafio hoje é ainda maior do que antes.
Por quê?
Por causa dessa imensa pressão exercida pela indústria em prol da energia nuclear como grande solução para a mudança climática. Por outro lado, se o desafio fica maior, também nos fortalecemos e tomamos atitudes, falamos com as pessoas para desmascarar a fraude nesses argumentos. Isso aumenta a nossa necessidade de se reorganizar e acordar. É um chamado para todos nós da sociedade civil. Vamos reunir forças, trocar informações, ser criativos, inovadores. Não devemos nos sentir derrotados. Eu sou um grande otimista. Minha principal tese na vida tem sido a de que o mundo todo está deliberadamente rejeitando a energia solar. O Sol é o maior de todos os reatores nucleares, e não há necessidade de se pagar tanto dinheiro por reatores artificiais quando dispomos de um tão poderoso. Depende de nós, da comunidade científica dos muitos países, a pesquisa de novos meios de aproveitá-la, sem restrição aos custos. Deve-se prosseguir nas pesquisas até determinar quatro ou cinco aspectos da nossa vida cotidiana em que a energia solar poderia ser empregada em substituição ao carvão, à gasolina, à energia nuclear. Nesse contexto, gostaria de apresentar um nome que vale a pena pesquisar. É o doutor Arjun Makhijani, um físico nuclear de renome que dirige o Intitute for Energy and Environmental Research, em Washington, D. C., mantido pela sociedade civil. Ele elaborou um relatório, já publicado, no qual afirma que os Estados Unidos podem se livrar da energia nuclear, do carvão, e da gasolina nos próximos 25 anos. Se os Estados Unidos, os maiores consumidores de energia no mundo, podem fazê-lo, outros países também podem. Isto é uma alternativa e não apenas uma sugestão.
Que conselho o senhor daria aos ambientalistas quanto à nova campanha contra a energia nuclear? O que poderiam fazer de diferente em relação ao que foi feito nos anos 70 e 80?
Primeiro, é necessário organizar os recursos de países como a Índia, o Brasil e a China em uma sinergia para levantar a bandeira de que a energia é uma necessidade e precisamos encontrar fontes que funcionem com a natureza, e não contra ela. Segundo ponto: na maioria dos países, cerca de 20% a 30% da energia consumida é praticamente desperdiçada devido a fatores simples como a ausência de dispositivos de desligamento automático. É como se diz: um real economizado é um real ganho. Da mesma maneira, um watt economizado é um watt que se gera. O terceiro: precisamos desenvolver novas formas de convencer o povo em vez de convencer só o governo. Nosso último apelo deve ser às lideranças. Acho que os maiores culpados costumam ser os líderes. Os que se sentem confortáveis. A classe média e alta. As pessoas que não se preocupam, têm um bom lugar para viver, muitos têm até quatro carros, um para cada membro da família, helicópteros, esse tipo de coisa.
Como lidar com essas elites no setor político, econômico, e oficial, da burocracia governamental? Precisamos interagir com essas pessoas de maneira muito especial, torná-las mais compreensivas em relação às questões ambientais. E, para tanto, há alguns jovens brilhantes. Esse desafio pertence à nova geração, que está hoje nos seus 20 anos. Muitos estão naquela idade em que há um fogo em sua barriga, uma vontade de fazer alguma coisa. Imagine um rapaz de 18, 20 anos abordando um político, dizendo-lhe: “Respeito seu trabalho, admiro sua trajetória, mas qual a opinião do senhor quanto a isto?” É o jornalismo popular, são os cidadãos que precisam levantar essas perguntas. Para tanto basta treinar algumas pessoas, é fácil. A melhor resposta vem das crianças em idade escolar, que estão diretamente implicadas no futuro que estamos discutindo.
Se pudermos fazê-los compreender que o futuro deles está em jogo, eles poderão exercer o direito de questionar os mais velhos quanto à sua política. Portanto, uma combinação dessas diferentes estratégias precisa ser desenvolvida, é necessário melhorar a rede de troca de informações e dados, e manter a esperança, jamais abandoná-la, com foco no objetivo.
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