A UTI que cabe em uma mala
Estrutura robusta de UTI é incompatível com a realidade de municípios do interior do Amazonas
Projeto de bioinformática cria sistema compacto com interface entre equipamentos hospitalares para viabilizar uso no interior do Amazonas
Um modelo de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) móvel, portátil e de baixo custo, que reúne vários aparelhos em apenas um, automatiza procedimentos médicos e permite decisões mais rápidas e eficientes, por meio de inteligência artificial. Esse é o resultado prático do casamento entre inovação digital e saúde pública para o desenvolvimento de uma nova fronteira tecnológica no Polo Industrial de Manaus: a bioinformática.
“Diante da pandemia de Covid-19, ideias que estavam estacionadas nos laboratórios foram aceleradas e questões críticas na saúde, como a disponibilidade de UTI, ganharam prioridade”, afirma Waltair Vieira Machado, pró-reitor de inovação tecnológica da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), parceira do Instituto de Tecnologia e Educação Galileo da Amazônia (Itegam) no projeto que desenvolve um novo sistema, compacto e inteligente, para atendimento médico de emergência.
O objetivo é equipar municípios que não têm condições orçamentárias de instalar estruturas de UTI com os equipamentos atualmente disponíveis no mercado. Em regiões do interior da Amazônia, por exemplo, a carência na atenção a pacientes graves obriga a dependência e o risco de longas viagens de barco – ou transporte aéreo de emergência até a capital. Segundo Machado, regiões mais isoladas apresentam uma situação de demanda difusa que inviabiliza o uso dos aparelhos convencionais, em função da baixa concentração de atendimento e da falta de profissionais e serviços de manutenção.
Como solução portátil, robôs automatizam o processo e reduzem distâncias de comunicação, permitindo integrar dentro de um único módulo os equipamentos mínimos associados a um leito de UTI: monitor cardíaco e de pressão arterial, oxímetro de pulso, eletrocardiógrafo e ventilador mecânico, entre outros, que deixam de ser utilizados de forma separada e passam a dialogar entre si para dar suporte às intervenções médicas. Além de aumentar eficiência, a unificação dos aparelhos reduz custos por uma combinação de fatores, como a possibilidade de uma melhor logística de fornecedores.
Da floresta para o sistema de saúde
A praticidade permite fácil locomoção e uso em qualquer posto de saúde. “Isso tudo se reflete no aumento da cobertura por UTI nessas regiões, ampliando a capacidade dos governos frente a situações emergenciais”, destaca Machado. Ele lembra que o atual projeto é desdobramento de tecnologias, desenvolvidas pela Ufam e parceiros, para levar o conceito de “internet das coisas” à produção extrativista na floresta, criando melhores condições ao beneficiamento e maior valor agregado dos ativos naturais. O projeto, agora adaptado à saúde pública, diz o pesquisador, “está em linha com as premissas da Indústria 4.0 e o novo paradigma na relação homem-máquina”.
A nova tecnologia de UTI é uma das inovações cadastradas pelo Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), coordenado pelo Idesam, para captação de investimentos junto a empresas da Zona Franca de Manaus (ZFM) obrigadas por lei a repassar 5% do faturamento bruto a projetos de pesquisa. Os aportes em inovações relacionadas à saúde e à biodiversidade amazônica abrem um novo eixo econômico para o desenvolvimento sustentável da região, com possibilidade de impacto positivo na qualidade de vida e redução do desmatamento.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a disponibilidade de 2,4 leitos de UTI para cada grupo de 10 mil habitantes. O Brasil tem índice médio de 2,1, que cai para a metade quando se considera apenas a rede pública de saúde. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), no início da pandemia, menos de 10% dos municípios brasileiros tinham UTI em diferentes níveis de capacidade, o que deixou desassistida a maior parte da população do País.
Na Covid-19, o déficit de leitos de UTI diante da alta demanda em situação de crise obrigou profissionais de saúde, em caso extremo, a estabelecer critérios para decidir quem receberá atendimento intensivo para ter chance de sobreviver. “Muitos municípios brasileiros, como os do interior amazonense, nem sequer tiveram essa opção de escolha devido à absoluta ausência de unidades de UTI”, ressalta Machado.
Custo 60% menor
De acordo com a Secretaria de Saúde do Amazonas, na pandemia foi necessário aumentar em 127% a oferta de leitos de UTI, de 107 para 243, em Manaus, que concentrou o atendimento de doentes graves contaminados no interior. A carência, explica o pesquisador, deve-se em grande parte ao elevado custo de implantação, “pois normalmente é necessária a aquisição de um conjunto de equipamentos de alto valor, que são vendidos separadamente e exigem uma infraestrutura inexistente na maioria dos municípios”.
Os pesquisadores estimam que o modelo portátil com inteligência artificial tenha custo ao redor de R$ 80 mil a unidade, contra R$ 200 mil dos sistemas importados, sem esse diferencial de inovação. “O plano é primeiro expandir no Amazonas e depois no resto do País”, revela Jandecy Leite, diretor-presidente do Itegam – instituição voltada a projetos tecnológicos na educação e indústrias de Manaus. A meta é fornecer 150 leitos de UTI até o fim de 2020 para o governo estadual, com prioridade para uso no interior, entre os quais 30 unidades deverão ser instaladas no Hospital Universitário Getúlio Vargas, da Ufam.
“Além da UTI propriamente dita, contribuiremos com tecnologias para disseminar o uso de inteligência artificial para a tomada de decisão nas unidades públicas de saúde”, acrescenta Leite, também membro do Comitê das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia (CAPDA), colegiado responsável pela gestão dos recursos aplicados em tecnologia na Zona Franca de Manaus como contrapartida pelos incentivos fiscais, envolvendo projetos em toda a Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima).