Tema do Dia Mundial do Meio Ambiente em 2019, a poluição do ar continua matando a despeito dos controles mais rigorosos. Isso porque cada vez mais pessoas vivem em aglomerados urbanos e se deslocam no dia a dia em veículos movidos a combustão
A China, exemplo emblemático do problema da má qualidade do ar, sedia neste 5 de junho as celebrações do Dia Mundial do Meio Ambiente. Neste ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu dedicar o dia à poluição do ar. Fato inédito na História. Desde a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972, a cada ano uma cidade sedia o Dia Mundial e um tema é eleito como foco. Já figuraram como temas a água, a camada de ozônio, os agrotóxicos, as mudanças climáticas, as cidades, as florestas, o consumismo, a vida selvagem e a poluição por plástico, entre outros.
Em termos históricos, a poluição do ar surgiu a reboque da Revolução Industrial iniciada no Ocidente, quando passou a acontecer em larga escala a queima de combustíveis, necessária para suprir energia às atividades produtivas, mas cujo efeito colateral é o lançamento de gases e partículas tóxicas na atmosfera. Gravíssimos episódios de poluição do ar já foram registrados em diversas partes do mundo, como o famoso Great Smog de Londres (1952) e, no Brasil, o caso de Cubatão na década de 1980, quando a cidade chegou a receber a alcunha de “Vale da Morte” e ser apontada pela ONU como a cidade mais poluída do planeta.
A escolha da ONU para esse dia se justifica a partir do florescente número de estudos que correlacionam a poluição do ar a doenças respiratórias, cardiovasculares, neurológicas e câncer, com associações contundentes sobre o número de mortes prematuras.
A despeito da implantação de controles gradativamente mais rigorosos sobre as emissões de poluentes atmosféricos por fontes industriais e, de maneira geral, do próprio afastamento das fábricas em relação aos espaços mais densamente povoados das cidades, o problema ambiental persiste e passa a afetar uma crescente população. Tanto que é tratado no campo médico da epidemiologia. O motivo principal: cada vez mais pessoas vivem em aglomerados urbanos e se deslocam no dia a dia em veículos movidos a combustão. Mas, afinal, o que deve ser feito para enfrentar a poluição do ar?
Primeiro passo – traçar objetivo claro
Primeiramente, devemos ter claro um objetivo. No Brasil, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) estabeleceu, em 1990, pela primeira vez, os padrões de qualidade do ar, níveis máximos de concentração de poluentes para garantir uma boa qualidade do ar [1]. Em 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou quais seriam, a partir de evidências da medicina científica, os níveis de poluição que não comprometeriam a saúde humana [2]. Tais recomendações da OMS indicaram níveis de poluição bastante abaixo dos padrões então praticados no Brasil e em outros países, gerando pressão para que as nações revisassem seus padrões.
No ano passado, 2018, o Conama finalmente reconheceu as recomendações da OMS como os novos objetivos a serem perseguidos para a qualidade do ar no Brasil [3]. No entanto, os níveis de referência da OMS apenas passarão a vigorar de forma coercitiva a depender de novas discussões a serem realizadas a partir de 2023. Essa falta de um prazo firmemente definido para a adoção dos novos padrões de qualidade do ar reflete a frágil base sobre a qual se estrutura a gestão da qualidade do ar no País.
Segundo passo – monitorar e medir
Grande parte da população nem sequer tem meios para saber a qualidade do ar que respira. Segundo a legislação em vigor, os governos estaduais e distrital são responsáveis pelo monitoramento da qualidade do ar, contudo, menos da metade das unidades da federação realizam o monitoramento [4]. Além disso, as coberturas das redes de monitoramento da qualidade do ar se mostram bastante insuficientes em grande parte das unidades em que há monitoramento. Pesam, aí, os custos da necessária expansão da rede de monitoramento da qualidade do ar como aquisição de equipamentos, operação e manutenção de equipes tecnicamente qualificadas.
Sabendo-se do nível de poluição do ar de uma determinada região, o segundo passo é descobrir as responsabilidades ou contribuições específicas das fontes de poluição. Para isso, os inventários de emissões atmosféricas devem nos dizer quem, o que, quando e onde emitem poluentes. A falta de inventários é ainda maior do que a falta de monitoramento. E sem eles é impossível planejar medidas de redução de emissões com embasamento técnico-científico, realizar análises de custo-benefício e análises de alternativa.
Em geral, nos centros urbanos onde há monitoramento e inventários, como é o caso de São Paulo, as evidências mostram que a má qualidade do ar está associada majoritariamente às emissões veiculares, com o predomínio dos automóveis, ônibus e caminhões [5].
Terceiro passo – identificar formas eficazes de redução
Nesse contexto, duas formas possíveis e complementares de se reduzir as emissões são: reduzir as emissões veiculares por meio de novas tecnologias e do uso de fontes energéticas menos poluentes; e transportar as pessoas e mercadorias de modo mais eficiente, usando menos veículos automotores.
A primeira forma vem sendo implementada desde o final dos anos 1980, sob o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que vem estabelecendo limites de emissão gradualmente mais restritivos para veículos novos ao longo do tempo. A redução dos níveis de poluição durante os anos 1990 pode ser atribuída em grande parte ao Proconve. No caso do poluente monóxido de carbono, por exemplo, é devido ao Proconve que seus níveis de concentração agora ficam abaixo dos níveis máximos recomendados pela OMS.
Nos anos 2000, porém, a redução das concentrações de poluentes no ar nesses centros urbanos pareceu encontrar uma barreira. Dois poluentes persistem sistematicamente ultrapassando os níveis recomendados pela OMS e os próprios padrões nacionais vigentes: as partículas inaláveis e o ozônio troposférico. Tratam-se de dois poluentes de controle desafiador, uma vez que a permanência deles na atmosfera é resultado de processos físico-químicos complexos que ocorrem na atmosfera, dependendo do conjunto de emissões e das condições meteorológicas.
Diante disso e da tendência sustentada de crescimento da circulação de pessoas nas cidades, a segunda forma de reduzir as emissões ganha proeminência. Além disso, o transporte de pessoas e de mercadorias de forma mais eficiente, usando menos veículos automotores, alia-se às atuais diretrizes de planejamento urbano e mobilidade, visando reduzir as desigualdades de acesso às oportunidades da cidade e as perdas causadas pelos congestionamentos.
Quarto passo – coordenar políticas públicas efetivas
As agências estaduais de meio ambiente dispõem de poucos instrumentos para agir nesse sentido, uma vez que as pastas de mobilidade e planejamento urbano cabem à área de influência das gestões municipais.
O Programa Nacional de Controle de Qualidade do Ar (Pronar), instituído pelo Conama em 1989 [6], previu os instrumentos necessários para a gestão da qualidade do ar, incluindo aí os padrões de qualidade do ar, o monitoramento, os inventários, os limites de emissão – que citamos anteriormente ao longo deste texto –, entre outros. Na prática, não se vê sua implementação de maneira plena, consistente e efetiva. Os motivos perpassam a ausência de recursos financeiros e orçamentários, o despreparo técnico dos órgãos responsáveis e a falta de coordenação entre as esferas federal, estadual e municipal.
Teremos o que comemorar quando desenvolvermos mecanismos de políticas públicas eficazes a permitir que as instituições brasileiras superem essas dificuldades em prol de uma adequada gestão da qualidade do ar.
* Formado em Engenharia Química, estuda Geografia e trabalha no Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), organização que se dedica para qualificar os processos decisórios para que os sistemas de transporte e de energia assegurem o uso sustentável de recursos naturais com desenvolvimento social econômico.
[1] Resolução do Conama nº 005 de 1990.
[2] World Health Organization Air Quality Guidelines, 2005.
[3] Resolução do Conama nº 491 de 2018.
[4] Segundo dados identificados pela Plataforma de Qualidade do Ar do Instituto de Energia e Meio Ambiente: www.qualidadedoar.org.br.
[5] Exemplo: Relatório de Emissões Veiculares da Companhia Ambiental Paulista (Cetesb).
[6] Resolução do Conama nº 003 de 1989.