Por Bruno Toledo
Em 2011, pesquisadores da Box1824 realizaram uma das maiores pesquisas recentes sobre as perspectivas sociopolíticas da juventude brasileira. No estudo Sonho Brasileiro, eles traçaram o perfil do jovem brasileiro (conectado, global, digital), inserido no novo contexto político e econômico do País, e identificaram um jovem mais ativo, participante e ligado às questões do coletivo.
Dois anos depois, veio o choque das grandes manifestações civis de junho de 2013, marcadas pela presença maciça de jovens das mais variadas classes sociais, pela diversidade de pautas e grupos e por uma nova dinâmica de organização social a partir de células, horizontalizadas, sem ordenamentos que caracterizassem algum indivíduo se sobrepondo a outro politicamente.
Mesmo com o fim dos grandes protestos, as mobilizações deixaram um legado a ser pensado e digerido. Foi essa necessidade de compreender aquele momento histórico que levou a equipe da Box1824 a retomar a pesquisa de 2011 e analisar até que ponto aquele jovem que eles tinham identificado em 2011 estava por trás daquilo que a juventude brasileira promoveu em 2013. Ou seja, o quanto esse jovem estava se mobilizando politicamente e buscando caminhos para transformar a prática política do Brasil.
Realizada no 1º semestre de 2014, a pesquisa Sonho Brasileiro da Política abordou 1.400 jovens de 18 a 32 anos em sete capitais brasileiras (Belém, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo), das classes A, B e C. Mais de 1.120 jovens participaram da pesquisa quantitativa, e outros 300 foram entrevistados pela equipe para a pesquisa qualitativa. Os resultados foram apresentados durante evento no Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 24 de setembro passado.
Uma primeira preocupação da pesquisa foi levantar o perfil desse jovem que se mobilizou nas ruas em 2013. Nascido entre os meses derradeiros do regime militar e a primeira eleição após o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, esse jovem cresceu em um ambiente ainda marcado pelas mobilizações dos “caras-pintadas”, mas num momento em que as pautas sociais começaram a ser abordadas diretamente pelas organizações não-governamentais, que explodiram em número nos anos 1990.
Politicamente, esse jovem começou a se interessar pela política a partir da crise financeira global de 2008, assistindo às mobilizações sociais na Europa (os “indignados” da Islândia, Grécia, Espanha, Portugal e Itália) e nos Estados Unidos (movimento Occupy) e à Primavera Árabe de 2011. No Brasil, o movimento “Fora Sarney”, de 2009, e a mobilização popular em torno da Lei da Ficha Limpa, em 2010, são os primeiros momentos em que esse jovem começa a se envolver com política.
O perfil desse jovem é bastante similar ao “jovem-ponte” identificado pela pesquisa Sonho Brasileiro em 2011: atuantes em causas coletivas, na busca de transformações em suas realidades locais, regionais e nacional. O “jovem-ponte”, da mesma forma que o jovem identificado na nova pesquisa, transita por diversos grupos, recolhendo ideias e pensamentos para evoluir em seu próprio pensamento e ações a partir da ampliação de sua visão sobre o coletivo e o impacto de suas ações, além de conectar grupos e indivíduos que normalmente não se conectariam.
Para os pesquisadores do Sonho Brasileiro da Política, esses “jovens-ponte” foram fundamentais para que as mobilizações sociais de junho de 2013 acontecessem, e ajudaram a quebrar a crença conservadora de que a juventude estava desmobilizada e apolítica. As manifestações colocaram a política na pauta jovem, criando pontos de encontro e aproximando pessoas com interesses comuns, o que levou à criação de novas mobilizações.
A pesquisa identificou quatro atitudes dos jovens com relação à política e organizou quatro níveis de engajamento a partir de três critérios – interesse, mobilização e ação.
– A maioria dos entrevistados (39%) vive à parte da política, dedicada a suas batalhas pessoais;
– 17% são abertos à política (têm interesse), mas são passivos, sem se envolver politicamente;
– 28% são interessados por política, têm informação e posicionamento crítico (mobiliza), mas não atua;
– E 16% desses jovens são altamente engajados e atuam cotidiana e concretamente.
Dentro desses 16% mais ativos e engajados, metade atua de forma mais próxima das vias institucionais, e a outra metade busca criar novas formas de atuação política. Essa última metade, cerca de 8% dos jovens entrevistados pela pesquisa, formam o chamado “hacker da política”, dialogando diretamente com os “jovens-ponte” da pesquisa de 2011: são jovens que procuram entender os processos da polis (bairro, cidades, estado, país), tentam decodificar o funcionamento do sistema político, aprendendo a usar os instrumentos públicos e ferramentas, de forma a criar novos formatos a partir da compreensão desses códigos. Esse é o sentido da atuação do “hacker da política”: entender os códigos do sistema e construir novas lógicas para transformá-lo.
Alguns exemplos destacados de “hackers da política” são o Lab Hacker da Câmara dos Deputados (nascido a partir de uma demanda de jovens e que trabalha algumas frentes de democracia digital, na busca de aproximar a prática parlamentar e a população), em Brasília, e o movimento “A Batata Precisa de Você”, em São Paulo (grupo que promove intervenções urbanas independentes na região do Largo da Batata).
O “hacker da política” busca uma ação protagonista, assumindo a responsabilidade, atuando com autonomia, de forma constante e concreta. Ele também atua a partir de causas (como cultura de paz, inclusão/igualdade social, meio ambiente, periferia, internet livre etc.), que são múltiplas e transitórias, que alimentam a ação política direta. Essas causas possuem expressões no mundo virtual (online) e no real (offline), e essa complementaridade é muito importante para o engajamento deles e para a geração de resultados tangíveis na realidade.
Se esses jovens não estão distantes da política, estão longe dos partidos políticos tradicionais. Para eles, os partidos políticos não atuam pelas causas, por isso não buscam se conectar com eles. Assim, já que os jovens não contam com os partidos, criam um novo organismo político, que materializa a causa, mobiliza mais pessoas e que gera mudança tangível na realidade: um novo tipo de organização social em rede, que é fluida, descentralizada, horizontal e articulada – denominada pela pesquisa como “células democráticas”.
Essas células permitem ao jovem um engajamento genuíno com causas, de forma flexível, dinâmica, descentralizada e não hierarquizada. Elas atuam ao largo dos partidos, mas dialogam constantemente com a política institucional. Existem desde células envolvidas na ocupação de espaços públicos (como o Ocupa Cais Mauá, em Porto Alegre, que luta para manter uma região histórica como espaço público, promovendo encontros e debates abertos) até ativismo profissional (por exemplo, os Advogados Ativistas, que se destacaram na defesa legal de manifestantes presos nos protestos do ano passado), passando por empreendedorismo político (como o Projeto Brasil, em São Paulo, que propõe a política como negócio social no sentido de criar ferramentas de participação e de melhoria da gestão pública) e desenvolvimento de ferramentas digitais (por exemplo, a plataforma Colab.re, que aproveita a internet como instrumento de educação, cidadania e mobilização social).
Para os pesquisadores, é essa capacidade de se aproximar com a esfera institucional que dá às células democráticas o poder de transformar a política como sistema. Por essa razão, de acordo com os pesquisadores, o “sonho brasileiro da política” está nessas células democráticas. É para elas que precisamos olhar na busca pela inovação na prática política e pelo engajamento da juventude na política brasileira.[:en]Em 2011, pesquisadores da Box1824 realizaram uma das maiores pesquisas recentes sobre as perspectivas sociopolíticas da juventude brasileira. No estudo Sonho Brasileiro, eles traçaram o perfil do jovem brasileiro (conectado, global, digital), inserido no novo contexto político e econômico do País, e identificaram um jovem mais ativo, participante e ligado às questões do coletivo.
Dois anos depois, veio o choque das grandes manifestações civis de junho de 2013, marcadas pela presença maciça de jovens das mais variadas classes sociais, pela diversidade de pautas e grupos e por uma nova dinâmica de organização social a partir de células, horizontalizadas, sem ordenamentos que caracterizassem algum indivíduo se sobrepondo a outro politicamente.
Mesmo com o fim dos grandes protestos, as mobilizações deixaram um legado a ser pensado e digerido. Foi essa necessidade de compreender aquele momento histórico que levou a equipe da Box1824 a retomar a pesquisa de 2011 e analisar até que ponto aquele jovem que eles tinham identificado em 2011 estava por trás daquilo que a juventude brasileira promoveu em 2013. Ou seja, o quanto esse jovem estava se mobilizando politicamente e buscando caminhos para transformar a prática política do Brasil.
Realizada no 1º semestre de 2014, a pesquisa Sonho Brasileiro da Política abordou 1.400 jovens de 18 a 32 anos em sete capitais brasileiras (Belém, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo), das classes A, B e C. Mais de 1.120 jovens participaram da pesquisa quantitativa, e outros 300 foram entrevistados pela equipe para a pesquisa qualitativa. Os resultados foram apresentados durante evento no Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 24 de setembro passado.
Uma primeira preocupação da pesquisa foi levantar o perfil desse jovem que se mobilizou nas ruas em 2013. Nascido entre os meses derradeiros do regime militar e a primeira eleição após o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, esse jovem cresceu em um ambiente ainda marcado pelas mobilizações dos “caras-pintadas”, mas num momento em que as pautas sociais começaram a ser abordadas diretamente pelas organizações não-governamentais, que explodiram em número nos anos 1990.
Politicamente, esse jovem começou a se interessar pela política a partir da crise financeira global de 2008, assistindo às mobilizações sociais na Europa (os “indignados” da Islândia, Grécia, Espanha, Portugal e Itália) e nos Estados Unidos (movimento Occupy) e à Primavera Árabe de 2011. No Brasil, o movimento “Fora Sarney”, de 2009, e a mobilização popular em torno da Lei da Ficha Limpa, em 2010, são os primeiros momentos em que esse jovem começa a se envolver com política.
O perfil desse jovem é bastante similar ao “jovem-ponte” identificado pela pesquisa Sonho Brasileiro em 2011: atuantes em causas coletivas, na busca de transformações em suas realidades locais, regionais e nacional. O “jovem-ponte”, da mesma forma que o jovem identificado na nova pesquisa, transita por diversos grupos, recolhendo ideias e pensamentos para evoluir em seu próprio pensamento e ações a partir da ampliação de sua visão sobre o coletivo e o impacto de suas ações, além de conectar grupos e indivíduos que normalmente não se conectariam.
Para os pesquisadores do Sonho Brasileiro da Política, esses “jovens-ponte” foram fundamentais para que as mobilizações sociais de junho de 2013 acontecessem, e ajudaram a quebrar a crença conservadora de que a juventude estava desmobilizada e apolítica. As manifestações colocaram a política na pauta jovem, criando pontos de encontro e aproximando pessoas com interesses comuns, o que levou à criação de novas mobilizações.
A pesquisa identificou quatro atitudes dos jovens com relação à política e organizou quatro níveis de engajamento a partir de três critérios – interesse, mobilização e ação.
– A maioria dos entrevistados (39%) vive à parte da política, dedicada a suas batalhas pessoais;
– 17% são abertos à política (têm interesse), mas são passivos, sem se envolver politicamente;
– 28% são interessados por política, têm informação e posicionamento crítico (mobiliza), mas não atua;
– E 16% desses jovens são altamente engajados e atuam cotidiana e concretamente.
Dentro desses 16% mais ativos e engajados, metade atua de forma mais próxima das vias institucionais, e a outra metade busca criar novas formas de atuação política. Essa última metade, cerca de 8% dos jovens entrevistados pela pesquisa, formam o chamado “hacker da política”, dialogando diretamente com os “jovens-ponte” da pesquisa de 2011: são jovens que procuram entender os processos da polis (bairro, cidades, estado, país), tentam decodificar o funcionamento do sistema político, aprendendo a usar os instrumentos públicos e ferramentas, de forma a criar novos formatos a partir da compreensão desses códigos. Esse é o sentido da atuação do “hacker da política”: entender os códigos do sistema e construir novas lógicas para transformá-lo.
Alguns exemplos destacados de “hackers da política” são o Lab Hacker da Câmara dos Deputados (nascido a partir de uma demanda de jovens e que trabalha algumas frentes de democracia digital, na busca de aproximar a prática parlamentar e a população), em Brasília, e o movimento “A Batata Precisa de Você”, em São Paulo (grupo que promove intervenções urbanas independentes na região do Largo da Batata).
O “hacker da política” busca uma ação protagonista, assumindo a responsabilidade, atuando com autonomia, de forma constante e concreta. Ele também atua a partir de causas (como cultura de paz, inclusão/igualdade social, meio ambiente, periferia, internet livre etc.), que são múltiplas e transitórias, que alimentam a ação política direta. Essas causas possuem expressões no mundo virtual (online) e no real (offline), e essa complementaridade é muito importante para o engajamento deles e para a geração de resultados tangíveis na realidade.
Se esses jovens não estão distantes da política, estão longe dos partidos políticos tradicionais. Para eles, os partidos políticos não atuam pelas causas, por isso não buscam se conectar com eles. Assim, já que os jovens não contam com os partidos, criam um novo organismo político, que materializa a causa, mobiliza mais pessoas e que gera mudança tangível na realidade: um novo tipo de organização social em rede, que é fluida, descentralizada, horizontal e articulada – denominada pela pesquisa como “células democráticas”.
Essas células permitem ao jovem um engajamento genuíno com causas, de forma flexível, dinâmica, descentralizada e não hierarquizada. Elas atuam ao largo dos partidos, mas dialogam constantemente com a política institucional. Existem desde células envolvidas na ocupação de espaços públicos (como o Ocupa Cais Mauá, em Porto Alegre, que luta para manter uma região histórica como espaço público, promovendo encontros e debates abertos) até ativismo profissional (por exemplo, os Advogados Ativistas, que se destacaram na defesa legal de manifestantes presos nos protestos do ano passado), passando por empreendedorismo político (como o Projeto Brasil, em São Paulo, que propõe a política como negócio social no sentido de criar ferramentas de participação e de melhoria da gestão pública) e desenvolvimento de ferramentas digitais (por exemplo, a plataforma Colab.re, que aproveita a internet como instrumento de educação, cidadania e mobilização social).
Para os pesquisadores, é essa capacidade de se aproximar com a esfera institucional que dá às células democráticas o poder de transformar a política como sistema. Por essa razão, de acordo com os pesquisadores, o “sonho brasileiro da política” está nessas células democráticas. É para elas que precisamos olhar na busca pela inovação na prática política e pelo engajamento da juventude na política brasileira.