Fruto da parceria entre o Centro de Estudos em Administração Púbica e Governo (CEAPG) da Fundação Getulio Vargas (FGV) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a recém-lançada cartilha Fortalecendo a gestão municipal – mecanismos financeiros e visibilização de boas práticas – tem a intenção de desatar o nó em relação ao acesso dos municípios aos fundos públicos federais para projetos ambientais. “O objetivo é tornar esse caminho mais claro e didático”, diz Fernando Burgos, professor de administração pública da FGV e coordenador do CEAPG.
E os entraves não são poucos. Eles passam pela ausência de equipe técnica para submeter e executar os projetos, baixa qualidade das propostas apresentadas, dificuldades financeiras dos municípios cumprirem com a contrapartida (uma parte do valor do projeto) exigida por alguns fundos ou a própria inadimplência das contas municipais, que os excluem do acesso a esses recursos, entre outros fatores. “É como um canudo entupido. De um lado, há os fundos com recursos, de outro os municípios com as necessidades das verbas, mas o fluxo funciona mal”, compara Burgos.
As dificuldades apresentadas pelo professor foram apontadas por meio de um estudo coordenado por Kate Abreu, pesquisadora do centro, baseado em duas frentes: em uma pesquisa direcionada a 22 municípios entre Mato Grosso e Pará, em razão do trabalho do Ipam nesses estados – o instituto é parceiro de todas as fases do estudo – e na atuação de fundos públicos federais de financiamento não reembolsável para a gestão ambiental municipal. Os avaliados foram o Fundo Amazônia, Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal ( FNDF) , Fundo nacional de Meio Ambiente (FNMA), Fundo Clima, e Funasa, entre 2011 e 2013.
Nesse período, o Fundo Amazônia alocou recursos no valor de R$ 16 milhões em nove projetos, ainda em execução, em Mato Grosso e no Pará; o FNDF não beneficiou nenhuma gestão municipal no período; o FNMA disponibilizou R$ 4 milhões em dez projetos (sete deles no Sul e Sudeste e três no Centro-Oeste e Nordeste); o Fundo Clima ofertou R$ 1,3 milhão no período para dois projetos no Nordeste (Pernambuco e Ceará) e foi constatado que atuação da Funasa é voltada para programas de saneamento básico. “A meta foi avaliar os poucos recursos ligados às políticas ambientais e o grau de desconhecimento ou dificuldade dos gestores em relação a esses fundos”, explica a pesquisadora Kate Abreu.
A pesquisadora Ana Carolina Crisostomo, do Ipam, acrescenta também mais dois pontos reforçados pelo estudo: o da ausência de formas de apoio à gestão ambiental no país e de uma interlocução com os fundos e outras fontes de recursos para que a gestão ligada ao meio ambiente se efetive de fato. Por sinal, o instituto trabalha com uma agenda específica ligada à gestão ambiental municipal e os desafios para esse tipo de financiamento.
Mesmo com os percalços, Ana Carolina faz questão de reforçar a existência de exemplos com êxito na captação desses recursos. “Precisamos dar visibilidade a esses programas para que eles inspirem outros tantos”, diz. Um deles é o Olhos D´Água da Amazônia, implantado em Alta Floresta (MT) por meio do financiamento de R$ 9 milhões do Fundo Amazônia em um projeto iniciado em 2011 e com término previsto para 2016. “Não creio que tivéssemos conseguido andar a passos tão largos sem esse recurso”, afirma o coordenador do projeto José Alesandro Rodrigues, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
Segundo Rodrigues, em quatro anos de existência o “Olhos D´Água” conseguiu recuperar 4 mil nascentes (ainda faltam outras 4 mil), restaurar 1.740 hectares de Área de Preservação Permanente (APP) de beira de rio, introduzir a produção de mel de abelhas nativas, cadastrar 2800 propriedades rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR) – fundamental para a regularização ambiental das propriedades – implantar o georreferenciamento em 1.200 propriedades, pagar R$ 300 mil anuais para 107 famílias, ao todo, pelo Programa de Serviço Ambiental (PSA) pelo monitoramento da água, entre outros. “Parte dessas ações fez com que Alta Floresta saísse em 2012 da lista dos municípios embargados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em razão do desmatamento”, afirma.
Na análise de Ana Carolina Crisostomo, é necessário que a gestão ambiental se baseie em um planejamento estratégico. “Os gestores precisam cada vez mais ser bons empreendedores e negociadores”, diz. Para Ana Beatriz de Oliveira, do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), “é preciso definir prioridades, estabelecer metas e identificar demandas por recursos”, afirma.
Em Extrema, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, há um reconhecido exemplo de boa gestão municipal ambiental aliada ao empreendedorismo a que a pesquisadora se refere. Trata-se do projeto Conservador das Águas, implantado há uma década e premiado pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) em 2013 pelas melhores práticas ambientais no planeta.
Por meio de um orçamento anual de R$ 2 milhões, a prefeitura mineira, em parceria com entidades e iniciativas privadas – por ora, o projeto não recorreu aos fundos de financiamento ambiental – paga para que o produtor conserve a nascente na sua propriedade garantindo assim um estoque de água em períodos secos. Hoje o programa conta com a participação de 170 agricultores que protegem 500 nascentes (recuperadas por meio do plantio de mudas) em substituição a uma atividade agrícola – geralmente a pecuária – que antes ignorava esse tipo de conservação.
“Só foi possível reverter a degradação dessas áreas com o apoio financeiro dado aos produtores rurais”, informa Paulo Henrique Pereira, diretor da secretaria de Meio Ambiente de Extrema. Neste ano, agricultores envolvidos no projeto vão receber em torno de R$ 4.420 cada um pelos serviços ambientais prestados.