Modelo para outros esquemas de pagamentos por serviços ambientais, o mercado de carbono busca reduzir emissões de gases de efeito estufa onde é mais barato. Mas não pode perder de vista o seu lastro
Além de dólares, euros e ienes, circula nos mercados mundiais uma moeda aceita em qualquer país: os créditos de carbono. Ao contrário das moedas tradicionais, que abandonaram o padrão-ouro, os créditos de carbono têm um lastro muito concreto: a redução das emissões de gases de efeito estufa – dos quais o CO2 é o mais importante, pois resulta da queima de combustíveis fósseis como o petróleo e o carvão, que movimentaram a economia mundial no último século.
O mecanismo implícito na negociação de créditos de carbono, portanto, é o de tentar preservar as características do clima como o conhecemos hoje e evitar que o aquecimento global comprometa a sobrevivência de seres humanos e animais sobre o planeta. Inspirados na comercialização de direitos de emissão de dióxido de enxofre (SO2) – criada pelo governo dos Estados Unidos nos anos 70 para controlar o fenômeno da chuva ácida naquele país -, os mercados de carbono têm origem na flexibilização de decisões governamentais, ou internacionais, de diminuir as emissões, reduzindo-as onde é mais econômico e baixando o custo global da empreitada.
“A negociação de créditos de carbono é o exemplo mais real e concreto do mercado de serviços ambientais e pode servir de modelo para outros sistemas”, afirma Paulo Moutinho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Em especial, o que pode ser replicado é a experiência na definição de metodologias para medir a redução de emissões de gases de efeito estufa. “Os créditos de carbono são a única commodity ambiental que é possível medir, ao contrário de serviços ambientais como a biodiversidade”, completa.
O sucesso do crédito de carbono reside no fato de ser padronizado – a unidade utilizada no mercado é a tonelada de carbono-equivalente -, o que facilita a negociação. Tanto que, em 2005, foram transacionados créditos no valor total de US$ 10 bilhões, dez vezes mais do que no ano anterior, segundo o Banco Mundial. O mercado europeu respondeu por 75% do valor total, mas a maior parte das reduções de emissões teve origem em nações em desenvolvimento.
Os países dispõem de tecnologia, níveis de investimento em eficiência energética e exigências ambientais diferentes – e tudo isso influi no custo final de reduzir as emissões. Sabe-se, por exemplo, que no Japão o custo de redução de cada tonelada-equivalente de carbono fica em torno de 450 euros, enquanto na Europa é de 250 euros. Além disso, as empresas européias, só geram crédito de carbono se reduzirem suas emissões acima das metas estipuladas pelo governo. Em países como o Brasil, que não têm metas de redução a cumprir, seja internamente, seja no âmbito do Protocolo de Kyoto, pequenos cortes nas emissões transformam-se em crédito e o custo de redução é bem mais baixo – cerca de 10 euros.
Mas é justamente a busca pela redução mais barata que dá margem a críticas ao mercado de créditos de carbono. O exemplo da Rússia e de outros países da ex-União Soviética é emblemático. Devido ao colapso econômico que viveram após a queda do Muro de Berlim, essas nações se encontram abaixo de suas metas de redução de emissões – pelo Protocolo de Kyoto, os países desenvolvidos comprometem-se a cortar as emissões em pelo menos 5,2% em relação aos níveis de 1990.
As companhias energéticas destes países possuem equipamentos tão ultrapassados e pouco eficientes que melhorias pequenas e baratas geram redução de emissões e, conseqüentemente, atraem a atenção dos países que excedem suas metas e precisam comprar créditos de carbono. Ainda assim, apenas a empresa energética russa é responsável, em um ano, por emissões equivalentes ao total emitido pela Inglaterra.
Por isso, apesar do avanço do mercado, há quem veja nos créditos de carbono “permissões para poluir”, com pouco resultado em relação ao aumento da participação de combustíveis renováveis na matriz energética mundial. Foi para caminhar em direção a essa mudança que se criou, no âmbito do Protocolo de Kyoto, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), pelo qual projetos realizados em países em desenvolvimento levando em consideração variáveis ambientais e sociais podem vender créditos de carbono aos países e empresas com metas de redução.
Mas muitos projetos deixam a questão socioambiental de lado no afã de produzir créditos de carbono mais baratos. Tanto que uma rede de ONGs internacionais criou o Gold Standard, uma certificação que garante que os projetos de MDL estão comprometidos com o espírito que emana de Kyoto – reduções de emissões de longo prazo e desenvolvimento sustentável.
Para Marcelo Theoto Rocha, sócio da consultoria Fábrica Éthica, o comércio de créditos de carbono deve ser visto como um coadjuvante no processo de redução das emissões e não pode prescindir do estabelecimento de metas mais rigorosas a cada novo período de compromisso do Protocolo – o primeiro se encerra em 2012.
O risco de uma bolha
A formação de um mercado secundário para compra e venda de créditos de carbono é positiva, avalia ele, pois indica que a emissão de certificados, ancorada em novos projetos de MDL, cresce a ponto de atrair outros atores. Entre eles, fundos de investimento, que compram papéis apostando em sua valorização e abrindo espaço para uma atividade comum a qualquer mercado, a especulação.
“O que me preocupa é o surgimento de uma bolha, uma expectativa exagerada em relação aos projetos, uma visão de curto prazo que pode gerar frustrações em prejuízo do objetivo maior, que é a redução de emissões”, afirma Rocha. Para ele, qualquer mecanismo de remuneração de ativos ambientais, sejam os créditos de carbono ou outros que surjam, precisa ter participação de mercados e governos para que a variável ambiental seja preservada.
Pelas regras de Kyoto, os projetos de MDL têm de comprovar a chamada adicionalidade, que inclui a transferência de tecnologia para que os países em desenvolvimento pulem etapas e desenvolvam projetos dentro do conceito de energia mais limpa. Da mesma forma, os projetos podem incluir outros serviços ambientais, como proteção à água e à biodiversidade, e devem conter elementos sociais.
“Isso significa que os créditos de carbono gerados por MDL podem ser classificados de acordo com o valor que agregam em termos de serviços ambientais, tendo seu preço de negociação diferenciado no mercado, passando a valer mais de acordo com os benefícios que incorporam”, diz Marco Antonio Fujihara, do Instituto Totum.
Segundo o especialista, este é um dos motivos pelos quais os créditos de carbono negociados na Chicago Climate Exchange (CCX) têm cotação inferior aos originados a partir de projetos de MDL. Enquanto os créditos de MDL valem de US$ 10 a US$ 20, os papéis de Chicago não chegam a US$ 5. Com regulamentação mais flexível do que Kyoto e projetos com ênfase na questão florestal, a CCX é um mercado de reduções voluntárias que começou, em 2003, com 23 empresas e tem hoje cerca de 210 participantes ativos, que se comprometem a reduzir suas emissões em 6% até 2010.
Assim como o bem-sucedido conceito de MDL, cuja elaboração partiu de uma sugestão do governo brasileiro durante as discussões preliminares sobre mudanças climáticas coordenadas pela ONU no início dos anos 90, o Brasil tenta emplacar uma nova mudança de paradigma no combate ao aquecimento global: o do pagamento pelos serviços ambientais fornecidos pelas florestas tropicais.
Até agora, as florestas entram no Protocolo apenas como “sumidouros” de carbono em projetos de recuperação de áreas degradadas: na medida em que crescem, as árvores removem carbono da atmosfera, processo conhecido como “seqüestro” de carbono. Embora a maior parte das emissões globais de gases de efeito estufa resulte da queima de combustíveis fósseis, a derrubada e queima de florestas tropicais em países como o Brasil e a Indonésia é responsável por 25% das emissões de carbono decorrentes das atividades humanas. Por isso, pesquisadores do Ipam, com o apoio do governo brasileiro, apresentaram em 2003 à Convenção do Clima a proposta de Redução Compensada do Desmatamento (RCD).
Negociação entre países
Ao contrário do MDL, cujo foco está nos projetos, a abordagem da RCD é a diminuição das taxas de emissão por país, explica Paulo Moutinho. Assim, as nações que conseguissem diminuir o desmatamento de suas florestas abaixo de uma linha histórica de referência receberiam uma compensação financeira referente àquela redução, pois as emissões evitadas gerariam créditos passíveis de venda aos países desenvolvidos. A receita da venda dos certificados iria para os governos dos países geradores, que assumiriam o compromisso de aplicá-la em políticas públicas para diminuir o desmatamento.
O benefício da RCD em termos de redução das emissões seria muito superior ao de qualquer projeto de MDL envolvendo o seqüestro de carbono, garante Moutinho. “Para se remover de 2 milhões a 3 milhões de toneladas de carbono da atmosfera são necessários 20 anos, que é o tempo de crescimento da floresta plantada”, afirma. “Já no programa de desmatamento reduzido, uma diminuição em 10% abaixo da taxa histórica representa 24 milhões de toneladas em um ano.”
A Floresta Amazônica, por exemplo, detém um estoque “astronômico” de carbono, nas palavras de Moutinho. Ele estima em 60 bilhões a 65 bilhões de toneladas, o que corresponde a uma década de emissões globais. Perturbações na floresta põem em risco não somente sua sobrevivência – e, com ela, a de uma imensa biodiversidade -, mas o clima do planeta. “Não vejo como salvar a Floresta Amazônica se não houver um mecanismo que a valorize em pé”, argumenta Moutinho. “Se a base de qualquer programa de preservação for apenas o valor da madeira, ninguém segura o desmatamento.” O objetivo último da proposta de RDC é tornar o desmatamento uma atividade cara no Brasil.
No esquema da RCD, a transformação da floresta em reserva natural, com fiscalização permanente, seria uma forma de assegurar o cumprimento do compromisso de não desmatar, assim como a integridade dos créditos de carbono gerados. Outra sugestão é a de criar uma espécie de seguro, depositando parte dos créditos de carbono gerados pela floresta em um fundo, onde ficariam esterilizados para compensar o risco de derrubada posterior e acidentes como incêndios não provocados. Moutinho reconhece que, embora significativa, a Redução Compensada do Desmatamento não dispensa as demais formas de diminuição das emissões de gases de efeitos estufa. “É apenas uma forma de ganhar tempo até que seja efetivada a mudança na matriz energética mundial.”
Reserva de clima, água & biodiversidade
Atraídas por créditos de carbono, empresas descobrem rendimentos adicionais
Uma solução típica de mercado foi usada pela organização não governamental Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) para atrair financiamento para a preservação e recuperação florestal no Paraná. Interessadas nos créditos de carbono gerados pelo projeto, as americanas General Motors, American Electric Power e Chevron repassaram US$ 30 milhões à SPVS para aquisição e manutenção de propriedades privadas localizadas na Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba. Os recursos foram captados pela ONG americana The Nature Conservancy (TNC).
“No total são 19 mil hectares, 1.500 deles de pastagens que serão recuperadas com espécies nativas da Mata Atlântica”, conta Ricardo Britez, coordenador de projeto de ação contra o aquecimento global da SPVS. Os créditos de carbono gerados pela recuperação da área serão repassados às empresas. Cerca de 30% dos recursos foram usados na aquisição das áreas e o restante está aplicado no mercado financeiro e destina-se à manutenção do projeto por 40 anos. Depois desse período, acredita-se que ele será totalmente sustentável.
A área pertence à SPVS e está em processo de transformação em Reserva Particular do Patrimônio Natural. A ONG comprou as terras de grandes proprietários, mas não dos pequenos, para evitar o êxodo rural, e com estes desenvolve um trabalho de geração de renda. O projeto de seqüestro de carbono é uma pequena parte do programa, que inclui benefícios como proteção à biodiversidade e às nascentes de água. Inicialmente, as empresas estavam interessadas nos créditos de carbono, mas hoje, segundo Britez, já valorizam os benefícios adicionais do projeto e o retorno em imagem que ele proporciona.