Tecnologia, platina e muito investimento ainda são necessários para realizar a promessa de uma economia do hidrogênio
Usado como combustível, o hidrogênio gera apenas eletricidade, calor e água, o sonho de ambientalistas ao redor do globo. Melhor ainda, é o elemento mais abundante do universo. Mas, apesar de suas vantagens e de muitas apostas, a cadeia do hidrogênio ainda está longe de ser sustentável.
Embora farto, o hidrogênio não existe puro na natureza e precisa ser obtido a partir de outras matérias-primas – o gás natural ou a biomassa, que inclui o etanol – ou de processos como a eletrólise da água. Neste último caso, parte-se de outra fonte de eletricidade, como a hidrelétrica, a solar ou a eólica para gerar o combustível.
Em geral, quando se fala em uma fonte limpa e sustentável baseada no hidrogênio, refere-se à eletrólise. Atualmente, entretanto, a tecnologia que permite tal processo consome mais energia do que produz. E, no caso do etanol, a eficiência é baixa para viabilizar o uso comercial.
Além disso, o equipamento que converte o hidrogênio em eletricidade – a célula a combustível, sem a qual o potencial do hidrogênio não pode ser realizado em termos de energia – é feito com platina, um metal nobre e raro.
Um Santo Graal?
O desenvolvimento de uma economia do hidrogênio é a continuação da epopéia humana em busca de uma fonte abundante de energia e, mais recentemente, a promessa de menor impacto ambiental.
Sem a energia barata produzida com a queima de combustíveis fósseis, a humanidade e suas economias dificilmente teriam chegado ao estágio atual. E, mesmo antes do carvão, do petróleo e do gás natural, a escolha sempre se baseou no custo. Antes de surgirem as questões ambientais, não fazia sentido usar um combustível menos poluente para produzir a mesma quantidade de calor.
A tendência de aquecimento global, entretanto, torna o uso de determinadas fontes proibitivo. A promessa do hidrogênio é justamente atender à demanda crescente ao mesmo tempo que se reduzem as emissões de gases de efeito estufa. Não é à toa que indústrias e governos se debruçam sobre planos para viabilizar o hidrogênio em escala comercial.
Praticamente todas as grandes montadoras do mundo têm projetos em andamento para veículos com motor elétrico alimentado por célula a combustível. As grandes companhias de petróleo dominam a tecnologia de extrair hidrogênio do gás natural, uma vez que ele é matéria-prima essencial para a produção de diesel e amônia, por exemplo.
O governo americano vai investir US$ 1,2 bilhão ao longo de cinco anos nessa tecnologia. E o governo brasileiro lançou, em 2005, um roteiro para estruturação de uma economia do hidrogênio no Brasil, com cronograma que se estende até 2025.
Apesar avanços nos últimos anos, ainda é temeroso falar sobre datas para a viabilidade do hidrogênio. A Honda recentemente revelou que os primeiros modelos equipados com célula a combustível estarão à venda em 2010 – mesmo ano em que deve começar a funcionar a rede de hidrogênio européia, inicialmente apenas na Alemanha, segundo o professor do Imperial College, David Hart. Mas as visões mais factíveis apontam que o hidrogênio só estará no mercado em larga escala a partir da década de 2020.
Atualmente as pesquisas visam reduzir os investimentos e custos para tornar o hidrogênio viável. Hoje ele é caro – cerca de US$ 400 para o equivalente a um tanque de 55 litros de combustível tradicional – e os investimentos em uma rede de distribuição de hidrogênio a partir do gás natural para automóveis, por exemplo, é estimado pela Ford em US$ 250 mil por posto. Com base nesse cálculo, no Brasil, essa infra-estrutura sairia por US$ 7,5 bilhões, sem contar a rede de gás natural.
Movido a pilha
Além do custo, ao analisar os planos de implantação disponíveis, percebe-se que parte do apelo ambiental também se perde. É praticamente consenso que a primeira fonte de hidrogênio será o gás natural, que gera gás carbônico – um dos gases de efeito estufa – durante o processo. Ainda assim, a emissão é bastante reduzida em relação a um automóvel comum movido a gás natural, pois não existe combustão interna nem partes mecânicas que reduzem a eficiência energética do motor.
O princípio da célula a combustível – responsável por transformar hidrogênio em energia – é semelhante ao de uma pilha comum. Ou seja, a partir de uma reação química gera-se a corrente elétrica.
O processo químico consiste na reação do hidrogênio com um catalisador – a platina -, o que libera dois elétrons e, com isso, surgem dois íons (cargas positivas) de hidrogênio. Os elétrons são conduzidos a um circuito externo, onde podem ser usados para acender uma lâmpada, por exemplo. Já os íons do hidrogênio passam por uma membrana interna da célula e reagem com moléculas de oxigênio, formando água.
Para gerar energia suficiente para aplicações práticas, é necessário juntar várias células, criando uma pilha, ou stack, no jargão do setor energético. Quanto mais e maiores as células, maior a potência.
Uma das principais vantagens da célula a combustível em relação ao motor a combustão é que a eletricidade gerada a partir da reação química pode ser transmitida, por meio de fios, diretamente a um motor elétrico. Mas há uma desvantagem: para que a célula funcione, ela precisa de platina.
Uma nova Opep
O preço da platina subiu 114% desde 2001 e atualmente está em US$ 40 mil por quilo, de acordo com o United States Geological Survey. Para piorar, o órgão ligado ao governo dos Estados Unidos estima em 50 anos o prazo para o esgotamento das reservas do metal existentes, um horizonte menor do que o previsto para as jazidas de hidrocarbonetos.
O fato de que as reservas conhecidas de platina estão concentradas na África do Sul e na Rússia mostra os limites da promessa do hidrogênio como solução para a questão energética mundial. Há quem brinque que haverá, no futuro, um cartel que controlará as reservas e os preços do metal. Seu nome? Organização dos Países Exportadores de Platina, ou Opep.
Sossina Haile, pesquisadora do California Institute of Technology (Caltech), não acha muita graça na piada. Ela é ardorosa defensora da pesquisa de novos materiais para que a tecnologia seja independente do metal nobre e lidera um grupo de pesquisadores que buscam alternativas. Há modelos de célula a combustível que não dependem da platina, mas sua viabilidade prática está ainda mais longe de ser alcançada.
Apesar dos pesares, algumas companhias se preparam para entrar para valer no mercado. No Brasil, duas empresas – Electrocell e Unitech – fabricam células a combustível e uma terceira – Novocell – anunciou que pretende montar seu primeiro protótipo no ano que vem.
Segundo o diretor industrial da Electrocell, Gerhard Ett, o custo operacional da energia a partir de uma célula a combustível é competitivo com o de um gerador a diesel. Porém, o investimento inicial é muitas vezes maior, em torno de US$ 4 mil por quilowatt. É preciso dobrar essa quantia para comprar o reformador, o equipamento que transforma gás natural, por exemplo, em hidrogênio.
Apesar disso, a empresa acredita que poderá começar a vender as primeiras células para aplicações comerciais em 2007. Para tanto, desenvolveu um método de produção de células em escala que deve ajudar a reduzir o investimento inicial.
O público-alvo, a princípio, deve se restringir a setores que dependem de fonte de energia altamente confiável, como hospitais, bancos e empresas de telefonia. Aos demais, resta torcer para que a tecnologia avance o mais rápido possível.