Responsável por 33% do PIB, a cadeia do agronegócio está no centro do desafio atual. Aumentar a produção, preservar biomas e garantir a qualidade de vida no campo
Quem quiser ver o Produto Interno Bruto (PIB) crescer no Brasil dificilmente vai deixar de olhar para o agronegócio. Por si só, as atividades agropecuárias respondem por 10% do PIB, mas, devido à influência em segmentos como a agroindústria, o comércio exterior e os serviços, a cadeia do agronegócio movimenta 33% da economia do País. O setor é, portanto, fundamental para qualquer meta estabelecida para o produto nacional.
Pela projeção da consultoria Tendências, o PIB deve crescer 3,2% em 2007 e a agropecuária, apenas 2%. Ou seja, para a nação alcançar o objetivo de crescer 5% ao ano, o campo precisaria apresentar maior rendimento. Resta saber quais serão os custos ambientais da ampliação e como serão repartidos os benefícios – dois elementos que, apesar da importância para qualificar o crescimento almejado pelo governo, não entram na conta do PIB. Só assim seria possível ter uma visão global do que significa a meta desenhada pelo presidente.
Um mero prato de bife com arroz é um ótimo alimento também para o efeito estufa, que causa o fenômeno de mudanças climáticas globais. A agricultura e a pecuária são apontadas como responsáveis por 55% do metano lançado na atmosfera em conseqüência das atividades humanas, segundo levantamento da ONU. Destacam-se a criação de animais, com 30% do total, e o cultivo de arroz inundado, com 16%. A agropecuária também é a principal emissora de óxido nitroso, outro gás de efeito estufa, cuja fonte primeira são os solos cultivados. Além disso, as mudanças no uso do solo e o desmatamento são responsáveis por 75% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa.
Mesmo sem considerar as recentes previsões de prejuízos para a economia mundial devido ao aquecimento global, o grande problema para a sociedade é encontrar o delicado equilíbrio entre a conservação do meio ambiente e a oferta de alimentos, duas variáveis fundamentais para o bem-estar da humanidade. Desafio que só aumenta com a perspectiva de crescimento da população mundial no ritmo de quase 1 bilhão de pessoas por década até 2050.
Na agricultura, será necessário aumentar a produção com o menor impacto socioambiental possível, ao mesmo tempo que se preservam biomas e se recuperam áreas degradadas. O caminho, portanto, é aumentar a produtividade por unidade de área.
Produtividade acelerada
A boa notícia é que, apesar do debate acalorado que há anos opõe empresários do agronegócio e organizações ambientalistas, o avanço técnico trouxe impactos positivos nas últimas décadas no Brasil. Entre 1990 e 2003, a produção nacional de grãos cresceu 131%, com um aumento da área plantada de apenas 16%. Ou seja, uma expansão de 85% da produtividade. Hoje, 45 milhões de hectares são usados nas lavouras de grãos.
O levantamento de intenção de plantio feito pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em novembro mostra que a área plantada no Brasil deve recuar entre 3,1% e 4,8% em 2007, mas a perspectiva é de safra praticamente estável em relação ao ano passado, em torno de 119 milhões de toneladas de grãos.
No lado da pecuária, ainda se pode avançar. A produção de suínos cresceu 173% de 1990 a 2003, e a de frango, impressionantes 234% – superando, em toneladas, a criação de bovinos, que aumentou apenas 85%. É preciso lembrar que boa parte dos grãos cultivados Brasil afora serve à criação de aves e porcos, pois o farelo representa a principal fonte de alimentação para animais criados intensivamente.
No total, 183 milhões de bovinos ocupam 177 milhões de hectares de pastagens espalhadas pelo território nacional. Pela tecnologia disponível atualmente, seria possível usar apenas a metade da área para engordar a mesma quantidade de gado.
As melhores técnicas para aumentar a produtividade das lavouras – representadas pela agricultura intensiva, com altos índices de utilização de agrotóxicos, grandes escalas e mecanização – são também as mais impactantes para o meio ambiente. Tecnologias menos agressivas, como a agricultura orgânica, não registram as mesmas taxas de produtividade, requerem áreas maiores e, por conseqüência, causam pressão sobre vegetações nativas.
Por outro lado, o fortalecimento da agricultura familiar orgânica é visto como possível solução para dois pontos sensíveis na área social, decorrentes da expansão da agropecuária: a manutenção da população no campo e a melhoria da qualidade de vida rural.
Esses são alguns dos dilemmas atuais, que continuarão postos enquanto a agropecuária responder por uma fatia tão expressiva da economia nacional. A história recente, entretanto, pode ajudar a compreender os caminhos a trilhar.
Impacto socioambiental
O forte desempenho econômico do setor nos últimos anos teve reflexos nas áreas social e ambiental. Maior produtora de soja do País segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade de Sorriso, em Mato Grosso, registrou aumento no Índice de Desenvolvimento Humano do Município (IDH-M) de 0,742 em 1990 para 0,824 em 2000. Houve avanços significativos nos quesitos longevidade e educação. Atualmente, a chamada “capital da soja” tem o melhor índice do estado e empata com a paranaense Londrina.
Em Lucas do Rio Verde, vizinha a Sorriso e maior produtora de milho do Brasil, uma aplicação ilegal de agrotóxico com avião no início deste ano atingiu a área urbana, causou estragos em árvores, no Horto Municipal e gerou a suspeita de contaminação da água, posteriormente descartada. As lavouras também sofreram os efeitos do acidente.
O modelo de agricultura intensiva praticado em Sorriso, Lucas do Rio Verde e tantos outros municípios aumentou consideravelmente o uso de agrotóxicos, o que eleva o risco de contaminação de águas superficiais e subterrâneas, bem como de seres humanos e animais silvestres. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, da Fundação Oswaldo Cruz, em 2003 foram registrados no País 4.760 casos de intoxicação por agrotóxicos agrícolas e produtos veterinários, descontados os cerca de 2.479 casos de tentativa de homicídio e suicídio com o uso desses mesmos compostos.
Embora o desempenho do agronegócio esteja intimamente ligado às oscilações do PIB, estudos recentes mostram que o desmatamento não apresenta correlação direta com o crescimento econômico, como já ocorreu em décadas passadas. Segundo Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), as razões para tal mudança são a imensa área natural já convertida em lavoura, o aumento da produtividade e, principalmente na Amazônia, o controle mais efetivo do governo.
Mas há impactos além do desmatamento. Hoje o Brasil é líder mundial na exportação de carne bovina, frango, soja, café, laranja, açúcar e álcool. Setores que, ao lado de culturas como o milho, o algodão e o arroz, causam – em menor ou maior grau – degradação do solo e da qualidade da água e pressão sobre a vegetação nativa. Nos dois biomas que abrigam as principais fronteiras agrícolas, os impactos são diferentes. Na Floresta Amazônica, a criação de gado de corte é o maior problema. No Cerrado, a pressão vem das plantações de grãos.
O Cerrado e a Amazônia perderam, respectivamente, 80% e 20% da cobertura original. Embora a floresta chame mais a atenção da opinião pública, tudo indica que as áreas que dominam o Centro-Oeste e boa parte do Sudeste e Nordeste é que sofrerão os maiores impactos em relação à expansão da agricultura.
Imagens de satélite dos estados de São Paulo e Mato Grosso mostram a recuperação da cobertura florestal, sobretudo das áreas exigidas por lei e das matas ciliares. Segundo o diretor da Embrapa Monitoramento por Satélite, Evaristo Eduardo de Miranda, isso ocorre principalmente em áreas impróprias para a agropecuária e devido à crescente pressão ambiental sobre o setor.
Gado espaçoso
Na Amazônia, a criação de gado é caracterizada pela baixa produtividade, com menos de uma cabeça de boi por hectare, e pelo avanço incessante sobre a floresta em busca de novas pastagens. Já as principais culturas de grãos, com destaque para a soja, usam métodos de alto rendimento – entre os mais altos do mundo -, mas são intensivas no uso de capital, tecnologia e recursos naturais.
O Cerrado, até a década de 1960, apresentava alto grau de conservação. A construção de Brasília, o conhecimento científico sobre a região – que abarca 24% do território nacional – e o desenvolvimento de tecnologias agrícolas pela Embrapa Cerrados levaram à intensa exploração que, paradoxalmente, foi batizada de Revolução Verde. Quase a totalidade dos 90 milhões de hectares de áreas agricultáveis disponíveis no Brasil hoje – registrados na estatísticas oficiais – estão no Cerrado.
As soluções para harmonizar meio ambiente com produção agropecuária devem levar em conta as características produtivas de cada região. Um bom exemplo das diferenças pode ser observado nas técnicas de pecuária do Cerrado e da Amazônia.
Estudo realizado pelo pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da Universidade de São Paulo (USP), Rafael Feltran-Barbieri,
identificou as razões pelas quais alguns fazendeiros ainda mantêm áreas de Cerrado preservadas: o respeito à reserva legal; a existência de terras impróprias para o cultivo; a manutenção de estoque de solo com cobertura vegetal para ser usado em momentos de expansão; e o manejo para melhor conservação da terra.
Delas, apenas duas não devem se alterar ao longo do tempo, nota Feltran-Barbieri: reserva legal e terras impróprias. As demais, teoricamente, serão usadas à medida que aumentem as necessidades produtivas das fazendas.
Nas 77 propriedades estudadas pelo pesquisador no entorno do Parque Nacional das Emas, em Goiás, apenas 20% respeitam a reserva legal que deve representar, obrigatoriamente, 20% da área das propriedades da região.
Ao contrário do que ocorre no entorno do Parque das Emas, onde a maioria dos proprietários não conserva nem mesmo a reserva legal, na Amazônia, a criação de uma unidade de conservação (UC) reduz em 30% o desmatamento no entorno, segundo estudos pontuais. Para Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), uma das justificativas é o aumento da fiscalização em áreas próximas às UCs.
No Cerrado, assim como na Amazônia, a principal atividade precursora do desmatamento é a pecuária. Porém, devido às diferenças da cobertura vegetal e dos métodos de desflorestamento, o impacto não é tão grande quanto na floresta tropical. Feltran-Barbieri indica em seu estudo que a biodiversidade preservada nas áreas de pastagens é maior do que nas fazendas produtoras de grãos, que precisam de terra “limpa” para a mecanização.
Uma saída para a abertura de novas áreas de pastagens é o sistema lavoura-pecuária, visto por especialistas da área, entre eles Glauco Carvalho, também da Embrapa Monitoramento por Satélite, como uma forma eficiente de reduzir a degradação e aumentar a produtividade do solo e da criação de bovinos.
Divide-se a área da propriedade e, enquanto os animais pastam em um piquete, em outro planta-se em consórcio uma cultura – de preferência leguminosa para nitrogenar o solo – e, ao mesmo tempo, mas em nível mais profundo, capim. Na época da colheita, o capim já brotou e, após um mês, está pronto para receber o gado. Dessa forma é possível ter até duas cabeças de gado por hectare e aumentar o lucro da propriedade com a venda dos grãos ou seu uso como ração.
Renda no campo
Do lado social, a maior ameaça é a expulsão dos agricultores do campo. “A média de idade do agricultor é de 54 anos, e só haverá interesse da nova geração em continuar no campo com renda maior e qualidade de vida”, diz Leonildo Moreira, o presidente da Federação das Associações dos Produtores Rurais de Microbacias Hidrográficas do Estado de São Paulo.
Para o consultor José Carlos Pedreira de Freitas, a solução passa pelo fortalecimento da agricultura familiar orgânica. Para isso, segundo ele, é preciso tornar o agricultor mais competitivo, incluindo os produtores que hoje não têm acesso ao sistema de financiamento, levar a assessoria agropecuária oficial até a pequena propriedade, ajudar o agricultor a colocar seu produto no mercado, e estruturar a organização do trabalho, a cooperação entre os pequenos para que eles obtenham parte dos ganhos de escala conseguidos pelas grandes propriedades, como melhores preços de insumos e condições de negociação da produção.
O Programa de Microbacias da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, realiza algo próximo disso desde 2000. Reunidos em associações de produtores rurais, os agricultores decidem coletivamente, com o apoio de técnicos, quais as melhores medidas para aumentar a produtividade. Em alguns dos casos, o passo inicial foi a recuperação ambiental, por meio de controle de erosão e preservação de mananciais.
A união faz a força
Os 8.500 agricultores atendidos unem-se na hora de comprar insumos e vender a produção, assim obtendo condições mais vantajosas e aumentando a renda. O programa também fornece apoio financeiro para a compra de implementos e equipamentos.
O coordenador da Cati, José Carlos Rossetti, gosta de dar o exemplo do leite. “A pecuária leiteira é a nova fronteira agrícola de São Paulo”, avalia. Trata-se de uma área de expansão às avessas. Os dados da Cati revelam que a produção de leite dobrou, enquanto a área de pastagem foi reduzida à metade. O ganho de produtividade abriu espaço para a recuperação de cobertura vegetal, em especial de matas ciliares, explica Rossetti.
A experiência paulista demonstra que a participação do governo pode ser decisiva no incentivo às práticas que buscam elevar a produtividade e reduzir o impacto ambiental. Com objetivo similar, a Embrapa Monitoramento por Satélite desenvolveu o Sistema de Gestão Territorial para auxiliar na definição de políticas públicas. Os dados coletados por satélite, complementados por informações econômicas e sociais, ajudam os gestores públicos a determinar as áreas mais apropriadas para cada cultura dentro de um estado, por exemplo. Com a ferramenta em mãos, explica Evaristo de Miranda, é possível definir estratégias de incentivo regional e facilitar a cooperação entre agricultores.
As políticas de incentivo à produtividade e o uso correto do solo são fundamentais para superar os obstáculos impostos pelo binômio agropecuária-desmatamento. Mas precisam ser complementadas por um sistema eficiente de controle e fiscalização ambiental.
Nos últimos anos, o número de autuações teve impacto significativo sobre o desmatamento. Porém, apenas 2% a 3% das multas são efetivamente pagas. Essa triste figura levou o Imazon a uma conclusão sui generis. “É melhor reduzir a fiscalização, para concentrá-la nos grandes responsáveis, e melhorar os mecanismos de cobrança”, afirma Paulo Barreto.
Um dos dados que embasam a tese é o de que apenas 16% das multas aplicadas correspondem a 84% do valor total das penalidades. “Temos aqui uma madeireira japonesa com mais de 100 multas, que somam cerca de R$ 2 milhões, que não paga nem pára de desmatar”, diz.
Menos fiscalização
Na opinião de Barreto, seria melhor concentrar a fiscalização em operações integradas entre diversos órgãos do governo, como a denominada Operação Curupira, realizada em junho de 2005, que desmantelou uma quadrilha de madeireiros, despachantes e funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso (Fema).
Outro ponto sensível para a preservação ambiental são as atividades florestais. A aprovação da Lei de Gestão de Florestas Públicas (4.776/2005) abriu caminho para a concessão de serviços florestais, que se apresenta como alternativa econômica em áreas de vegetação nativa.
No entanto, ainda existem pontos indefinidos. Um deles são os pedidos de regularização fundiária para áreas individuais maiores do que 100 hectares – o que contraria a legislação – em um total de 32 milhões de hectares na Amazônia. Pela legislação anterior ao Plano de Combate ao Desmatamento e à Lei de Florestas Públicas, os posseiros podiam pedir o registro de terras com até 100 hectares. No caso dessa imensa área, o Incra aceitou pedidos relativos a até 2.500 hectares.
A regularização fundiária é fundamental. Sem ela, o Serviço Florestal Brasileiro não pode outorgar a concessão de terras em litígio. Ou seja, para que a área – equivalente a 71% das terras cultivadas para a lavoura 2006/2007 – seja explorada de maneira sustentável, é necessário separar o público do privado nesse significativo quinhão da Amazônia.
A vantagem do sistema de concessão é que ele permitiria o investimento produtivo de empresas para manter a floresta em pé. A lei prevê, inclusive, a concessão em três tamanhos distintos para garantir a participação de pequenos agricultores e empresários. É necessário construir também a transição entre o modelo antigo e o novo para que os agentes tenham condições de se adequar.
O arsenal de medidas de incentivo, controle e fiscalização está bem fornido, mas boa parte das ferramentas existentes precisa ser complementada por ações do Executivo ou do Legislativo para tornar-se instrumento prático. Em um setor tão importante da economia, o governo faria bem em acelerar esses projetos.
Caso contrário, pode chegar a 2010 – a exemplo do que ocorreu recentemente com a infra-estrutura – reclamando de entraves ambientais ao crescimento do setor agropecuário. Ou, pior, ouvir críticas de que o meio ambiente recebeu o mesmo tratamento dispensado aos desejos de crescimento econômico: um discurso otimista, promissor, mas inócuo.