Durante anos, a arquitetura sustentável foi sinônimo de simplicidade. Estética, luxo e design sofisticado eram preocupações secundárias diante de necessidades mais urgentes, como a busca de materiais renováveis ou a racionalização do consumo de insumos. Essa fase valorizou o barro, o bambu, o pínus e o eucalipto, bem como os painéis solares e as cisternas para coletar a água da chuva. O desejo de auto-suficiência exigia a redução dos desperdícios e da escala, rejeitando o consumismo e a ostentação.
Agora, uma nova leva de profissionais começa a rejeitar essa visão minimalista. Escritórios badalados de arquitetura dos Estados Unidos estão faturando alto ao desenhar mansões de grife para milionários que querem investir em sustentabilidade sem abrir mão da ostentação.
Tome-se, pois, o exemplo de um projeto de US$ 2 milhões que David Hertz está desenvolvendo em Malibu, balneário dos endinheirados californianos. O arquiteto americano decidiu reaproveitar a carcaça de um Boeing 747, adquirida por relativamente módicos US$ 40 mil, e utilizá-la em um design que fosse curvilíneo e feminino, conforme encomenda de sua cliente. Para Hertz, o avião tem de ser tratado da mesma forma como os índios americanos tratam os búfalos — todas as suas partes precisam ser utilizadas, sem desperdícios.
Assim, a cabine dos pilotos será convertida em templo para meditação, as asas formarão o telhado do edifício principal e o restante da estrutura será distribuído em oito imóveis, incluindo um ateliê de artes, uma área para a prática da ioga e um viveiro para animais. Visto de cima o projeto se parecerá com um local marcado por um desastre aéreo.
Para adquirir a aeronave, que jazia em um cemitério de aviões há 30 anos, o arquiteto submeteu-se a uma maratona burocrática. A obra precisou ser registrada na FAA, o órgão que regulamenta a aviação civil dos Estados Unidos, e uma grande cruz vermelha terá de ser pintada em seu telhado, para que outros aviões que sobrevoarem a construção não a confundam com um aeroplano caído.
Esse não é um caso isolado. O pioneiro arquiteto Sim van der Ryn – que já nos anos 70 se empenhou em construir edifícios públicos efi cientes em termos energéticos na Califórnia – desenhou aquela que talvez seja a maior casa já concebida segundo critérios da arquitetura sustentável. Trata-se de um palácio de 1.400 metros quadrados, próximo à cidade de San Francisco, encomendado por Michael Klein, diretor da Rainforest Action Network e executivo de uma indústria de guitarras.
O telhado é coberto por painéis solares e sustentado por colunas feitas com uma mistura de terra e cinzas compactadas, cuja solidez foi exaustivamente testada em laboratório. A obra também reciclou madeira retirada de um presídio. Tantas inovações exigiram mais de seis anos de trabalho para a conclusão da obra.
Além de mansões, são cada vez mais comuns os projetos de arranha-céus que buscam a sustentabilidade. É o caso do The Solaire, uma torre de 27 andares à beira do Rio Hudson, próxima ao antigo World Trade Center, em Nova York, que dispõe de um sistema próprio de tratamento e recirculação de água, painéis fotovoltaicos e uma série de dispositivos que reduzem em 30% o consumo energético.
Não dá para negar os méritos de projetos que fogem do convencional e buscam alternativas de baixo impacto. Mas será mesmo que podem ser considerados sustentáveis? O 747 comprado por Hertz terá as partes transportadas de helicóptero para o alto da colina à beira do Pacífi co, onde a casa será montada. A mansão projetada por Van der Ryn usou pedras provenientes de construções chinesas nas escadarias que conduzem ao portal de entrada. Com a energia gasta na execução de cada um desses projetos daria para construir, com folga, algumas dezenas de casas convencionais. É, ostentar sustentabilidade até que é fácil — se você tiver pelo menos US$ 1 milhão para gastar.