Por Virginia Barreiro
Em 2001, quando Pablo Muñozledo abriu uma loja de orgânicos, não havia um mercado para tais produtos no México. Foi nesse ambiente que ele, um pequeno empreendedor, criou a Aires de Campo para apoiar os fazendeiros orgânicos locais por meio da oferta de seus produtos aos habitantes da Cidade do México. A empresa de Pablo cresceu e logo se tornou uma rede com 120 propriedades parceiras que fornecem mais de 400 produtos para várias lojas especializadas. Os lucros cresceram a taxas de dois dígitos com o fornecimento aos “consumidores conscientes” de uma experiência única que alia a qualidade e o frescor da fazenda à conveniência de um supermercado da cidade. (por Derek Newberry, extraído da série Rising Ventures, do WRI)
O mundo enfrenta o crescimento cada vez mais rápido da população, a disparidade econômica e uma grave exaustão de recursos. Ao mesmo tempo, a riqueza jamais foi tão grande e os avanços tecnológicos continuam trazendo inovações efi cientes do ponto de vista dos recursos. Pequenas e médias empresas (PMEs) como a Aires de Campo — que representam 90% de todos os negócios e até 65% do PIB global — são veículos para a concepção, produção e distribuição de produtos inovadores e serviços que lidam com os problemas globais.
Pablo Muñozledo é um de 140 empreendedores que formam o portfólio do New Ventures Global, um programa do World Resources Institute (WRI) que reconhece o poder do empreendedorismo como fonte de inovação e soluções lucrativas para desafi os ambientais e sociais. O programa apóia PMEs que buscam o triple bottom line em países em desenvolvimento e hoje atua no Brasil, na China, Índia, Indonésia e no México.
As PMEs, que podem ser amplamente defi nidas como empresas com até 300 empregados e US$ 15 milhões em ativos totais, são motores de inovação e representam um sinal vital de uma economia saudável. Evidências empíricas mostram que elas têm o comportamento favorável ao risco que garante uma dinâmica de crescimento a longo prazo.
Em geral, possuem fortes laços com as comunidades locais e podem facilitar uma distribuição mais eqüitativa da riqueza, diminuindo as disparidades econômicas entre as áreas rurais e urbanas. Elas tendem a empregar trabalhadores com salários baixos e geralmente oferecem benefícios adicionais, como ajuda para educação e moradia. Além disso, seu tamanho as torna mais fl exíveis e, portanto, aptas à inovação de produtos e à competitividade.
Ainda assim, as PMEs operam em uma perpétua linha de fogo, com barreiras consideráveis a transpor,
o que as leva a uma taxa global de mortalidade de 50%. Tais obstáculos são comuns ao redor do globo e podem ser classifi cados como fi nanceiros, de capacidade empresarial e regulatórios.
A mais citada dessas barreiras é o acesso ao capital. Perdidas no chamado “missing middle”, as PMEs são muito grandes para receber microcrédito e muito pequenas para empréstimos comerciais tradicionais. Além disso, vistas como investimento de alto risco, tornam-se incapazes de obter crédito no sistema bancário por falta de garantias, altas taxas de juro e pouco comprometimento dos bancos com empréstimos de médio e longo prazo.
A falta generalizada de capacitação para a gestão representa mais um grande impedimento para o crescimento dessas empresas. Normalmente, os empreendedores são especialistas em seus campos, mas não têm habilidade com os negócios ou recursos para empregar talentos nessa área. Isso leva ao pouco uso de padrões de contabilidade aceitáveis, a relatórios fi nanceiros fracos e a pouca transparência.
O ambiente regulatório cria barreiras ainda maiores, fazendo com que os empreendedores percam tempo ao lidar com a burocracia e forçando muitos a permanecer na informalidade. Usando o ranking do relatório Doing Business in 2006, do Banco Mundial, a colocação média dos cinco países em que o New Ventures atua é a 103a posição, de um total de 155 países. O documento mostra que na Indonésia levam-se 151 dias e 11 etapas para abrir uma empresa; no Brasil, 152 dias e 17 etapas.
As barreiras não são intransponíveis e, com a abordagem correta, podem ser superadas. Com atenção crescente para as PMEs como agentes para a redução da pobreza e a sustentabilidade, governos e agências de desenvolvimento oferecem serviços para ajudá-las a enfrentar os desafi os do negócio.
Além disso, mais investidores compreendem o potencial de crescimento desses setores e inovam para criar novos mecanismos fi nanceiros e canalizar capital para tais empreendimentos. Esses fatores, aliados à crescente demanda por produtos ecologicamente corretos, geram um ambiente mais favorável para as PMEs sustentáveis.
Na Ásia e na América Latina, o New Ventures ajuda a desenvolver esse ambiente ao criar redes locais de apoio para nutrir os empreendimentos, ajudando- os a acessar serviços, capital e mercados. Com parceiros locais como a Confederação da Indústria da Índia, em média dez empresas por ano são selecionadas, recebem orientação e têm a possibilidade de mostrar sua atuação.
Desde 2000, o programa catalisou US$ 20 milhões em investimentos para o portfólio de PMEs que buscam a sustentabilidade e muitas empresas entraram para o mainstream, com acesso a compradores internacionais como Wal-Mart e Carrefour, e aumento de market share.
Os empreendedores tendem a concentrar-se em setores estratégicos e tirar proveito das condições e necessidades locais. Por exemplo, na China, várias das companhias participantes do New Ventures aproveitam
o conceito de economia circular e buscam inovações em relação a recursos poluidores ou dejetos. Um dos empreendedores estabeleceu a WorldWell, uma empresa tecnológica que usa uma frota de caminhões de clima controlado para capturar e reutilizar o calor descartado pelo setor industrial chinês, que cresce de maneira inefi ciente.
A Indonésia, que ainda se recupera da crise fi nanceira, dispõe de infra-estrutura inadequada e um setor fi nanceiro frágil. Embora seja uma economia em crescimento, alimentada por empreendedores ativos, a maior parte das empresas no portófi o do New Ventures é pequena, não média, e baseada em setores tradicionais.
O portfólio brasileiro do New Ventures é único, pois representa uma dualidade. Muitos empreendimentos aproveitam os recursos naturais abundantes do País, como produtos não madeireiros da Amazônia, ao mesmo tempo que outros baseiam sua vantagem competitiva e suas operações em torno dos setores sofi sticados, como os de biotecnologia e tecnologia limpa — caso da EletroCell, fabricante de células a combustível.
O ambiente local para investimento também defi ne a paisagem para o setor de PMEs sustentáveis em cada país. O Brasil possui o setor fi nanceiro mais avançado, em termos de reconhecimento do potencial de crescimento de setores sustentáveis, entre os cinco países que adotam o programa New Ventures.
Como o primeiro mercado emergente a ter um fundo de investimento socialmente responsável e a adotar os Princípios do Equador, o setor fi nanceiro brasileiro reconhece a sustentabilidade como um indicador de potencial de lucro. O País atualmente tem três fundos private equity “verdes”, além de novos fundos em fase de auditoria. Os empreendedores locais enxergam esse potencial e competem para inovar quanto a produtos e serviços de forma a atrair tais recursos fi nanceiros.
O setor financeiro chinês também está em rápido desenvolvimento. No último plano qüinqüenal, o governo deixou claro que temas ambientais e sociais são uma prioridade nacional. Isso tem promovido grandes fl uxos de capital para setores-chave como tecnologias limpas e energias renováveis. O Fundo Ambiental da China lançado em 2002 como o primeiro de venture capital ambiental da China tem tido sucesso está atualmente em uma terceira rodada de fundraising (levantamento de recursos).
Os empreendimentos de alto risco que operam em setores pouco explorados de economias emergentes não têm uma tarefa fácil; mas problemas complexos requerem soluções complexas. Embora Pablo Muñozledo possa não ter todas as respostas para os problemas ambientais e sociais do México, ele exemplifi ca um novo modelo de crescimento econômico no qual os empreendimentos florescem porque valorizam as comunidades locais e conservam o meio ambiente.
Ajudar centenas de Aires de Campo a dar certo como negócio pode levar os países em desenvolvimento a atingir um crescimento econômico mais eqüitativo e sensível à realidade de que os recursos naturais — as matérias-primas que permitem que os países se desenvolvam — são finitos.
Empreendimento e inovação são componentes essenciais desse novo modelo, que requer o comprometimento de stakeholders-chave com uma nova maneira de pensar — desafi ando a abordagem business as usual a inventar novas ferramentas e mecanismos financeiros para apoiar melhor os empreendedores.
Os US$ 20 milhões levantados pelos empreendedores do New Ventures nos últimos sete anos ficam pequenos diante dos investimentos líquidos de US$ 100 bilhões em participações societárias somente na região da Ásia Pacífico no ano passado.
Países como a Índia e o Brasil não têm défi cit de empreendedores criativos nem de riqueza. A questão está em quão rápida e efi cientemente é possível identifi car as ferramentas corretas para encurtar a distância entre esses dois elementos.
Virginia Barreiro é diretora do Programa New Ventures Global do World Resources Institute.