Por Regina Scharf
Quando a Twentieth Century Fox decidiu fi lmar A Praia, com Leonardo DiCaprio, num parque nacional tailandês, a produção concluiu que o trecho de litoral escolhido para as locações não era paradisíaco o sufi ciente. Decidiu, então, remover parte da vegetação costeira e substituí-la por coqueiros, que não são nativos da região. Isso desencadeou uma onda de protestos rara na indústria do cinema, com centenas de estudantes vestindo máscaras com a imagem do galã transmutado em vampiro.
Quatro anos depois, no começo de 2004, outra produção hollywoodiana, o fi lme de ação Stealth (Ameaça Invisível, no lançamento brasileiro), teve de interromper suas fi lmagens no Parque Nacional de Blue Mountains, perto de Sydney, na Austrália, porque a Justiça local avaliou que a obra ameaçava a sobrevivência de uma espécie endêmica de libélulas.
Os dois episódios nos lembram que o cinema não tem impacto apenas sobre corações e mentes. É uma indústria que constrói cidades de fachada, explode carros e aviões, e emprega geradores capazes de iluminar uma pequena cidade. Não surpreende, pois, que os seus impactos ambientais sejam superiores aos de muitas fábricas.
É o que confi rma um estudo divulgado pela Universidade da Califórnia em novembro passado. Ele levanta as emissões atmosféricas de vários setores da economia na região de Los Angeles e conclui que a produção cinematográfi ca emite mais poluentes que confecções, hotéis e indústrias de aviões. Só as refi narias de petróleo da região superam os estúdios de cinema na geração de poluentes.
A poluição cinematográfica tem origem nos geradores a diesel, nos veículos e máquinas empregados e nas muitas viagens aéreas de atores e técnicos. O estudo cita o filme O Dia Depois de Amanhã, uma ficção recente sobre mudanças climáticas, para ilustrar o impacto potencial de uma megaprodução. Ele teria emitido 10 mil toneladas de dióxido de carbono, que foram compensadas pelos seus produtores com um investimento de US$ 200 mil no plantio de árvores.
Mas o estudo também verifi cou que há estúdios que buscam minimizar as conseqüências negativas do seu negócio adotando a reciclagem de resíduos e práticas de construção sustentável. Para exemplifi car, cita Matrix Reloaded, com Keanu Reeves. A quase totalidade dos materiais empregados na produção foi destinada à reciclagem, incluindo 11 mil toneladas de concreto, aço e madeira – esta, enviada para projetos habitacionais de baixa renda no México.
De fato, há evidências de que a consciência ambiental começa a despertar em Hollywood. Um dia após a
Divulgação do estudo californiano, o governo do estado do Novo México, que atravessa um boom cinematográfico, anunciou um programa para racionalizar o emprego de recursos naturais e reduzir os impactos do setor. As companhias que filmarem no estado serão encorajadas a usar combustíveis, materiais e práticas alternativos e a adquirir de empresas locais biodiesel e madeira reciclada.
Além do governo, os proprietários de áreas destinadas a locações têm lutado pela manutenção da qualidade ambiental – não necessariamente por altruísmo, mas como forma de manter o seu capital paisagístico. É o caso do Ghost Ranch, também no Novo México, onde foram rodados fi lmes como The Missing (Desaparecidas), com Tommy Lee Jones, e Young Guns (Os Jovens Pistoleiros), com Charlie Sheen. Repleta de ruínas dos índios Anasazi, a fazenda proíbe a remoção do que quer que seja e defi ne locais de acesso vedado.
Leonard Hoffman, que há 30 anos dirige iluminação de fi lmes no Novo México, lembra que a maior parte dos estúdios reaproveita cenários e fi gurinos inúmeras vezes, como medida de contenção de custos. Ele também lembra que não foram poucas as vezes que produtores se mobilizaram para evitar a instalação de linhões de energia em meio a paisagens particularmente fotogênicas.
Muitas produções também adotam critérios rígidos para a utilização de animais e contratam fi scais externos que zelam pelos direitos dos atores bovinos ou caninos.
Mas tal zelo nem sempre é suficiente. Recentemente, durante as filmagens de 3:10 to Yuma, um faroeste com Russell Crowe, um cavalo morreu empalado ao chocar-se numa câmera e o seu cavaleiro foi mandado para o hospital.
Apesar de tais cuidados, Charles Corbett e Richard Turco, autores do estudo da Ucla, consideram a consciência ambiental uma exceção, e não a regra em Hollywood. Foi para destacar essas exceções que a organização não governamental Environmental Media Association (EMA) criou um selo verde para produções que adotam pinturas menos tóxicas, veículos híbridos ou elétricos, que abastecem seus geradores com diesel com baixos teores de enxofre e evitam o uso de descartáveis nos seus refeitórios. Agora, é esperar pelo dia em que Julia Roberts (militante pró-biodiesel) entregará a Harrison Ford (conselheiro da Conservation International) um Oscar na categoria sustentabilidade.