Por Luis Aímola*
Depois da divulgação, em fevereiro de 2007, do quarto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) tem-se pelo menos uma certeza: a de que o fenômeno do aquecimento global é produzido pelas atividades humanas. Para além disso, no campo científico, as incertezas abundam. Na esfera política, é certo que os impactos esperados do aquecimento global só poderão ser amenizados com a cooperação de todas as nações, mas permanece a pergunta: com quanto cada país deve contribuir para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), e a partir de quando?
As ações voluntárias de empresas e de vários setores da sociedade para diminuir as emissões influenciarão no aquecimento do planeta nas próximas décadas, mas serão as negociações internacionais, e seu cumprimento, que se traduzirão em políticas nacionais e, espera-se, em solução do problema.
O Protocolo de Kyoto, primeiro acordo concreto sobre as mudanças climáticas, ficou restrito aos países industrializados, obrigados a reduzir, no período 2008-2012, um total de 5,2% de suas emissões relativas a 1990. Aos países em desenvolvimento não foram imputadas metas, o que não os impede de adotar medidas voluntárias.
As conhecidas lacunas do Protocolo — a ausência dos EUA, maior emissor do mundo, e a necessidade de envolvimento de países como China, Índia e Brasil, cujas emissões crescem rapidamente — evidenciam a dificuldade de consenso internacional para o controle significativo das emissões.
Estudos demonstram que o comportamento dos países em acordos ambientais internacionais depende de suas expectativas sobre a intensidade dos danos econômicos em seu território e dos custos que incorreriam para controlar a sua parte das emissões.
Se o país estima que os danos futuros serão altos e os custos, baixos, demandará de outras nações cortes intensos e dará o exemplo ao formular políticas internas ambiciosas. É o caso da União Européia, que fixou meta de reduzir pelo menos 20% de suas emissões de GEE até 2020, com base em 1990, e tem liderado as negociações.
Outro comportamento é o de países que protelam tomar medidas enérgicas de abatimento de suas emissões devido a estimativas de danos baixos e custos altos. O exemplo notável são os EUA.
Uma atitude intermediária é a de países que estimam danos e custos altos. Usualmente, mantêm comportamento ambíguo durante o maior tempo possível. Brasil e China exibem, até o momento, esse perfil.
Uma quarta possibilidade é o país que estima custos e danos baixos e, por isso, tem atitude comparável à de um espectador, sem interesse em envolver-se nas negociações. Em geral, busca formar coalizões de conveniência com nações “promotoras” ou “proteladoras”.
Os países constroem expectativas de danos e custos a partir de informações científicas tanto sobre o clima global quanto sobre as respostas dos ecossistemas e dos sistemas econômicos ao aquecimento. Baseiam-se também em outra expectativa — a resposta que a sociedade dará às medidas negociadas de mitigação de emissões. Como os industriais reagirão às novas legislações? E os consumidores? Como se dará o avanço tecnológico e como reagirá o mercado às tecnologias mais limpas? Essas informações, em que pese o esforço dos cientistas para clarificá-las, ainda estão carregadas de incertezas.
É impossível prever como se dará a evolução do conhecimento científico sobre a vulnerabilidade de cada país em seu território e dos custos domésticos de abatimento de emissões.
A esperança é que, com o acúmulo e aperfeiçoamento do conhecimento, as incertezas diminuam e permitam aos governos adotar estratégias mais vigorosas. Além disso, espera-se que o avanço e a difusão das tecnologias mais limpas reduzam os custos de abatimento. Essas parecem ser as expectativas mais otimistas, mas será assim mesmo que as coisas acontecerão?
Agentes estratégicos
Para tentar responder a essa pergunta, construiu-se um modelo matemático que representa as economias nacionais e suas emissões de GEE, as vulnerabilidades de cada país ao aquecimento global e a maneira como as expectativas de cada um, em função das incertezas científicas, influenciam seu papel nas negociações.
Nesse último aspecto, o modelo é inovador e inédito no mundo. Baseia-se em um método ainda pouco utilizado para modelagem em mudanças climáticas, a Simulação de Sistemas Multiagentes. Nele, cada governo faz planos, usa uma metodologia para projetar cenários futuros de mudança de clima e de impactos econômicos, assim como um critério de decisão para escolher sua posição. Para modelar as negociações propriamente ditas, usa-se a Teoria dos Jogos, área da Ciência Econômica que trata do comportamento estratégico dos agentes.
O modelo também inova ao representar as incertezas quanto à mudança do clima por meio de distribuições de probabilidades que mudam ao longo do tempo. Foram escolhidos alguns parâmetros-chave ainda altamente incertos, sobre os quais a resolução das incertezas, ainda que gradual, é crucial para antecipar o comportamento do clima e da economia, e levar à ação mais eficaz.
Para o clima, os parâmetros escolhidos foram a sensibilidade climática e a inércia térmica do oceano. Para as economias, a vulnerabilidade às mudanças climáticas e os custos marginais de abatimento de emissões. A partir da representação, o modelo explora cenários de evolução dos conhecimentos científicos sobre o aquecimento global para o clima, os parâmetros escolhidos foram a sensibilidade climática e a inércia térmica do oceano. Para as economias, a vulnerabilidade às mudanças climáticas e os custos marginais de abatimento de emissões. A partir da representação, o modelo explora cenários de evolução dos conhecimentos científicos sobre o aquecimento global e sua influência no processo político internacional.
O modelo é capaz de reproduzir os tipos de comportamentos dos países nas negociações sobre mudança de clima para várias situações de incertezas. Com ele podem-se simular cenários em que a diminuição das incertezas se dá de forma lenta — 5% por década — ou rápida — 20% ou mais por década, o que significaria a resolução completa das incertezas no final deste século — e assim observar a mudança de comportamento de cada país toda vez que negocia metas de redução.
Por exemplo, um país inicialmente “protelador” nas negociações, com a diminuição das incertezas sobre sua vulnerabilidade e seus custos, pode vir a adotar uma atitude “promovedora” de reduções de emissões. Países de comportamento intermediário podem assumir posição mais definida, seja pelo lado da ação vigorosa, seja pela procrastinação. “Promotores” podem manter suas atitudes, ou não, e países “indiferentes” podem se tornar “promotores” ou “proteladores”, dependendo do resultado final da diminuição das incertezas quanto a impactos e custos esperados.
A partir dessas mudanças, que implicam diferentes distribuições de metas de redução de emissões negociadas entre os países, é possível avaliar o efeito da diminuição das incertezas sobre o aquecimento global e a magnitude dos danos econômicos em cada território nacional.
Espelho da situação
Devido à complexidade do modelo, que espelha a situação real, foram simuladas até o momento situações simples por meio do Protótipo para Simular o Papel das Incertezas nas Negociações Climáticas — Proclin —, um programa de computador especialmente desenvolvido para esse fim e que considera somente dois grandes blocos de países, representando as nações industrializadas e aquelas em desenvolvimento. Isto é, um dos blocos foi calibrado com parâmetros que representam um grupo de países ricos com emissões altas, enquanto o outro representa nações com renda mais baixa e emissões ainda reduzidas, mas crescendo rapidamente.
O Proclin permitirá, por exemplo, que um dos blocos represente o Brasil, e o outro, o resto do mundo, para que se investiguem possíveis desdobramentos das posições brasileiras nas negociações futuras.
Danos e custos
A idéia é responder à pergunta: sob que condições de diminuição das incertezas científicas, as futuras negociações podem gerar políticas que evitem impactos climáticos severos ainda neste século em pelo menos um ou nos dois blocos de países?
Para tornar a pesquisa objetiva, considerou-se como dano econômico severo a situação em que o Produto Interno Bruto de cada bloco começaria a declinar, levando à recessão econômica em virtude das perdas advindas do aquecimento global – destruição de infra-estrutura, quebras de safras agrícolas, aumento drástico de doenças infectocontagiosas etc.
A conclusão geral das simulações preliminares é que somente para reduções muito rápidas das incertezas, tal como 20% por década, as negociações evitam recessão econômica em ambos os blocos de países. No modelo, isso ocorre apenas em cenários em que o aquecimento se dá de forma muito lenta. Para elevações rápidas de temperatura, a recessão é inevitável para os dois blocos mesmo que as incertezas diminuam muito rapidamente.
Algumas simulações indicaram que, se as incertezas não diminuíssem, ou se o fizessem muito lentamente, as recessões econômicas viriam mais rápida e intensamente. Isso comprova que a pesquisa científica tem papel relevante na tomada de decisões coletiva, mas limitado no que se refere à eficácia das reduções negociadas.
Ou seja, o clima pode reagir à quantidade de emissões mais rapidamente do que mudanças significativas de posição dos países nas negociações. No modelo, vale lembrar, as mudanças de posições ocorrem somente após os países obterem um conhecimento científico mais seguro. As ações seguem atrás do conhecimento.
Em um cenário de incertezas que diminuem lentamente e em que os dois blocos de países possuem elevada aversão à recessão, a seqüência de negociações simulada evitou a contração do PIB.
O resultado indica que a precaução quanto ao que de pior pode ocorrer é um fator relevante no processo, mesmo que esse cenário seja considerado de baixa probabilidade. Nesse caso, abre-se a oportunidade de uma postura proativa por parte de governos e sociedades, e o conhecimento avança junto com as ações preventivas.
Fatores como uma maior abrangência dos mercados de créditos de carbono e o desenvolvimento de uma indústria livre de emissões de GEE — as mudanças climáticas talvez possam apresentar não só ameaças, mas oportunidades que impulsionem o crescimento econômico — não foram contemplados no modelo. Se forem incorporadas em futuras investigações, os resultados finais talvez mudem sensivelmente.
Por enquanto, certo é que o velho ditado “É melhor prevenir do que remediar” pode não valer quando se fala em mudança do clima. A inércia do sistema climático é capaz de produzir alterações severas que não poderão ser consertadas. Sabemos que com o ritmo de emissões atuais a ameaça de um futuro insustentável se torna cada vez mais provável. Por isso, como mostra o modelo, é melhor procurar construir o futuro do que aguardar para ver se vale mesmo a pena agir com vigor.
*Luis Aímola é físico e pesquisador-cooperador do Grupo de Ciências Ambientais do Grupo de Ciências Ambientais do Instituto de Estudos Avançados da USP.