A crescente popularização do tema das mudanças climáticas e das iniciativas para neutralizar — compensar, por meio do plantio de árvores, por exemplo — as emissões de gases de efeito estufa suscita algumas reflexões de cunho ético, que se referem à gestão empresarial e ao próprio modelo de negócio das organizações.
De escritórios de advocacia aos desfiles do Carnaval de São Paulo, da glamorosa São Paulo Fashion Week à viagem de Al Gore ao Brasil, do programa do ótimo André Trigueiro, na GloboNews, às atividades dos principais bancos nacionais, todos estão engajados em neutralizar suas emissões de dióxido de carbono e assim contribuir para a mitigação de um problema planetário.
Como reduções efetivas das emissões implicam custos estruturais, tais como alterações na logística e na engenharia de processos, investimento em energias alternativas, políticas de ecoeficiência, e mudanças de padrões mentais consolidados (as mais árduas de ocorrer), a neutralização é obtida, na maioria das vezes, através do plantio de árvores. Ao armazenarem dióxido de carbono na sua biomassa, permitem remover da atmosfera os gases responsáveis pelas mudanças climáticas.
O plantio de caráter compensatório serve, sob essa ótica, como elemento de um pacote de medidas mitigatórias, mas é preciso enfatizar que a solução defi nitiva reside no desenvolvimento de produtos e serviços com baixa intensidade de emissões, na alteração do atual modelo energético e na revisão dos nossos padrões insustentáveis de consumo: questões, portanto, muito mais complexas, que reúnem dilemmas empresariais, éticos, geopolíticos e também espirituais.
Todas as iniciativas de neutralização por plantio de árvores precisam ser acolhidas e louvadas, pois geram sensibilização e surtem efeito multiplicador na sociedade. Mas sua efetividade, em termos de mitigação do efeito estufa, é relativamente pequena.
Além disso, a credibilidade operacional é discutível quando não contemplam consistentes mecanismos de auditoria nem instrumentos de verificação posterior. É de se perguntar se as árvores foram realmente plantadas, se há garantia de que estarão ainda em pé daqui a dez anos e se está previsto o monitoramento constante, no campo, dos estoques de carbono efetivamente “seqüestrados”.
Há dúvidas quanto à inserção dessas iniciativas nos ambientes de negócios. O mundo da moda e da televisão, por exemplo – co-responsáveis pela propagação de modelos de consumo, beleza e sucesso insustentáveis e muitas vezes inalcançáveis -, sempre antenado às novas tendências, captou rapidamente a agregação de valor de um marketing carbon neutral.
O grande desafio é verificar se e como haverá internalização no modelo de gestão e de negócios de um tema que, ao constituir parte integrante de uma agenda de responsabilidade social, não pode ser considerado separadamente de outras questões fundamentais.
No universo da moda, por exemplo, em que jovens modelos adolescentes morrem de anorexia, é preciso entender se a neutralização das emissões dos desfiles é utilizada como ferramenta barata de comunicação institucional da São Paulo Fashion Week, ou expressa a disponibilidade de um setor em se recolocar seriamente em discussão, aderindo a uma nova ética de valores humanos, sociais e ambientais.
Se todos os meios de comunicação não assumirem seu papel imprescindível de propagadores de valores positivos na sociedade brasileira, a neutralização das emissões de um único programa televisivo não passará de uma louvável ação de divulgação, que não atinge o âmago da gestão empresarial e gera até equívocos na dialética “reduzir ou compensar”.
No setor financeiro, é louvável a adesão dos principais bancos ao conceito de carbo-neutralização. Mas, se o setor não incorporar o tema nas políticas de crédito e investimento, promovendo a transformação das carteiras de fi nanciamento em poderosos vetores de uma economia menos intensiva em carbono, a neutralização das viagens de negócios de seus executivos ou do consumo energético das agências não impactará minimamente seu business as usual, gerando até riscos reputacionais em um futuro próximo.
Com relação aos negócios do Carnaval, seria interessante verificar se as colusões atávicas entre criatividade popular, ação comunitária e investimento social, de um lado, e políticos corruptos, jogo do bicho e narcotráfico, do outro, estão definitivamente afastadas. Caso não estejam, indago qual seria o signifi cado de plantar 5 mil arvorezinhas para neutralizar duas noites com foliões emissores de dióxido de carbono…
Marketing socioambiental e comunicação institucional possuem lugares importantíssimos na construção de uma nova sociedade sustentável. Entretanto, uma maior coerência e o compromisso com a verdade devem levar a uma atenta ponderação sobre as iniciativas de neutralização. Por estarem desconectadas de uma revisão do modelo de gestão e da integração em uma estratégia corporativa de longo prazo, são iniciativas capazes de gerar uma patética ilusão, a ser desvanecida no momento em que refugiados climáticos busquem comida e abrigo.
Que os pobres do planeta fiquem à própria sorte e tenham suas casas arrasadas pelas águas, enquanto sambamos no primeiro Carnaval carbon neutral do planeta, afogados na ilusão de que já fi zemos nossa parte como empresários e cidadãos, e com a consciência apaziguada por mediáticas soluções climate friendly… Ser carbon neutral ou parecer carbon neutral? Eis a questão…
*Giovanni Barontini é sócio da Fábrica Éthica Brasil – Consultoria em Sustentabilidade.