Questionado sobre os impactos ambientais de sua usina de energia nuclear, o personagem Montgomery Burns, do seriado de animação Os Simpsons, respondeu filosoficamente: “Durante milhares de anos a mãe natureza atormentou o homem com tempestades, doenças e catástrofes. Agora que nós estamos vencendo essa guerra, ela vem pedir ajuda?”
A notícia de que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão científico vinculado à Organização das Nações Unidas, atribuiu o fenômeno do aquecimento global à ação humana, com 90% de certeza, deixaria feliz o respeitável membro do Partido Republicano de Springfield: parece que, realmente, estamos “vencendo”.
No Brasil, a cobertura da chamada “grande imprensa” sobre o aquecimento global não deixa de reproduzir o clima de animosidade entre os interesses do industrialismo e a natureza — do qual o sr. Burns é apenas uma caricatura. Em editorial, o jornal O Estado de S. Paulo (“Esperança no engenho humano”, 6 de fevereiro de 2007) culpa o alarmismo irresponsável dos ambientalistas e a estes por terem desperdiçado a oportunidade “de liderar uma saudável mudança de hábitos e de modelo de desenvolvimento econômico”, alienando a opinião pública mundial com seus “apelos ao estancamento do progresso científico e tecnológico”.
Segundo o jornal, o erro do movimento ambiental foi “tratar o homem como inimigo da natureza — e não como vítima dela em busca de defesas”. Vítima, talvez, dessa natureza que teima em não ceder pacificamente os seus “recursos” em prol da acumulação de riquezas para uma pequena parte da população mundial, visto que a grande maioria dos seres humanos nem sequer tem meios para poluir o planeta.
Acuados pelas tormentas impingidas pelo ambiente hostil, apenas “nos defendemos” criando máquinas e tecnologias que, no fim das contas, não fazem senão aumentar a fúria da natureza contra o homem.
A edição de 18 de abril de 2001 da revista Veja já alimentava o clima de embate, mostrando sinais de catástrofes iminentes como a desertificação e o derretimento das geleiras mundo afora sob o título: “A vingança da natureza”. A mesma Veja que, anos antes, cunhou o neologismo “ecoxiita”, unindo sob o mesmo rótulo os ativistas ambientais e os radicais islâmicos, voltou a tratar do tema na capa em 21 de junho de 2006, desta vez em tom mais sombrio: “Os sinais do apocalipse”. Nessa edição, a revista limitou-se a listar as catástrofes que, de acordo com especialistas, nos aguardam nos próximos anos.
“Apocalipse” também é o mote utilizado pela revista Época, na sua edição de 3 de fevereiro de 2007. Saltando de uma capa negra com letras cinza, a revista pergunta: “O mundo vai acabar?” Depois de percorrer a ladainha de tragédias anunciadas, a revista opta por retratar a “revolução verde” que estaria sendo preparada pela indústria automobilística.
A mesma indústria que despejou 850 milhões de carros no planeta e que, espera-se, dobrará esse número nas próximas décadas, investe em novos combustíveis e tecnologias para manter rodando os confortáveis automóveis com que o quarto privilegiado da humanidade se habituou a conviver. Ainda que não sobrem muitas estradas.
Fins e recomeços
A imprensa brasileira, de maneira geral, gira em torno deste eixo: diante da catástrofe anunciada, é necessário todo o “engenho humano” para salvar o estilo de vida das sociedades industrializadas. Mesmo que os dados apontem para o fato de que é justamente tal estilo de vida que está levando o mundo à beira do abismo.
O atual consenso editorial sobre o tema parece ser o de que ainda é possível salvar a pele da sociedade de consumo, embora o relatório do IPCC fale claramente em “irreversibilidade”. No receituário da imprensa, contra os efeitos nocivos da tecnologia o remédio proposto é mais tecnologia.
Desta vez, as fichas estão apostadas nas chamadas “energias alternativas”, que reduzem a emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera. Jornais e revistas também soam menos hostis com a polêmica energia atômica, que poderia ser dos males o menor. O projeto chinês de construir 32 usinas nucleares nos próximos anos, por exemplo, parece ser visto com mais esperança que preocupação.
Os cadernos de Economia demoraram a perceber que o aquecimento global é tópico digno de cobertura, mas recentemente a ficha parece ter caído. Afinal de contas, como disse o biólogo e ambientalista americano Thomas Lovejoy no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, as empresas terão de fazer investimentos para evitar “a extinção de seu business plan”.
Para que ele continue existindo, ganha destaque o chamado “capitalismo verde”. Produtos ambientalmente corretos, práticas empresariais menos poluidoras, selos e certificados agregam valor e ganham mercado.
Embora a necessidade seja a de alterar o modelo de desenvolvimento econômico, e tempo seja um luxo de que a humanidade não dispõe, o sentimento que emana das publicações noticiosas brasileiras é o de que “não dá para mudar tudo de uma vez”: continuaremos produzindo e consumindo e, com sorte, algum iluminado talvez invente a engenhoca capaz de adiar a tragédia por algumas gerações.
Se fosse convidado a opinar sobre o tema, certamente o sr. Burns responderia, esfregando avidamente as mãos: “Excelente!”
*Edilson Cazeloto é jornalista e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.