Por Regina Scharf
Nos Estados Unidos, a comida costuma ser mais viajada do que os seus consumidores. Diversos estudos indicam que os hortifrutigranjeiros percorrem, em média, 2.400 quilômetros até chegar ao prato do cidadão americano. É como se os paulistanos só comessem alimentos vindos de Maceió.
Com freqüência, o produto sai da fazenda ou da indústria e pega a estrada para ser embalado em uma central de distribuição do outro lado do país. Daí é repatriado para o local de origem ou enviado para outro canto. Isso, quando não é importado.
Esse périplo exige uma barbaridade de combustível, embalagens complexas, câmaras refrigeradas e conservantes — o que manda a sustentabilidade para a cucuia. Os custos ambientais do transporte de alimentos e outras mercadorias a grandes distâncias são capazes de anular os benefícios obtidos por um cultivo orgânico, um manejo certifi cado ou uma operação de comércio justo.
No combate a essa tendência, ganha força o movimento Buy Local — a valorização do comércio e dos produtos locais, em um engajamento socioambiental legítimo, temperado com uma pitada de chauvinismo. É o tipo de militância que fl oresce nos países ricos mas demora a decolar no Brasil.
Seus partidários compram direto dos produtores rurais, preferem as lojas de bairro, evitam alimentos importados, promovem campanhas contra as multinacionais, as hiperlivrarias e os megamercados. Trocam o Wal- Mart, maior varejista do planeta, com um faturamento de algumas centenas de bilhões de dólares anuais, por feiras livres onde os fazendeiros oferecem seus produtos sem passar por atravessadores. Graças à demanda, nos EUA elas já são mais de 3.800, pelo menos o dobro do que uma década atrás. Há cidades — com destaque para San Francisco, na Califórnia, onde o Buy Local tem boa aceitação — que viram seus cinturões verdes crescer expressivamente nos últimos anos.
Alguns supermercados também resolveram apostar nesse nicho e reduziram o raio onde vão buscar fornecedores. É o caso do New Seasons, rede que atua no Oregon, ao norte da Califórnia. Um quarto de suas mercadorias traz uma etiqueta amarela indicando que se originou no próprio estado. O leite vendido ali passa apenas por pasteurização rudimentar, ou nem isso, já que não precisa ter data de validade a perder de vista.
A bíblia do movimento é o livro The Small-Mart Revolution (algo como A Revolução do Mercadinho), do economista Michael Shuman, que detalha estratégias que têm permitido que o pequeno comércio supere em resultados os líderes de seus ramos e as distorções do mercado.
Para ele, as “lojas de bairro” tornam a economia local mais vibrante e criam proporcionalmente mais empregos e riqueza, além de reduzir a necessidade de transporte (pois estão nos centros e bairros residenciais) e melhorar os padrões trabalhistas (afi nal, elas não pulam de um lugar para o outro em busca de mão-de-obra barata).
De fato, o principal argumento dos defensores do Buy Local é econômico, não ambiental. Empresas nacionais ou transnacionais costumam enviar à matriz o grosso dos lucros, enquanto os empreendedores locais gastam seus proventos na comunidade onde operam.
Um estudo realizado pela Civic Economics, uma consultoria em planejamento estratégico, comparou o impacto econômico de uma loja fi liada à rede nacional de livrarias Borders, que mantém 1.300 unidades em diversos países, ao de duas pequenas livrarias sobre a vida econômica de Austin, no Texas.
Concluiu que, de cada US$ 100 gastos na Borders, apenas US$ 13 fi cam na cidade. O resto é enviado para a matriz, em Ann Arbor, no estado de Michigan, do outro lado do país, e utilizado para pagar acionistas, dirigentes, depósitos, transportadoras, equipes de marketing — tudo isso bem longe de Austin. Em contraste, US$ 45 dos US$ 100 gastos nas pequenas livrarias permanecem na economia local.
Esta foi uma das justificativas para a adoção, no início deste ano, de uma lei municipal que dá aos vereadores de Austin o poder de vetar a instalação de operações comerciais de grande porte, após a realização de uma audiência pública.
Mas o Buy Local também tem argumentos ambientais. Em abril do ano passado, a Amigos da Terra britânica lançou uma campanha em defesa do comércio de rua. Para a entidade, as pequenas lojas, além de oferecer atendimento personalizado e calor humano, são mais efi cientes do ponto de vista energético — 60 mercearias emitiriam tanto gás carbônico quanto um supermercado médio.
Os mais apressados dirão que esse movimento é o princípio do fi m da globalização. Calma. Muitos preferem coçar a orelha esquerda com a mão direita. Da mesma forma, o consumidor médio parece gostar de pegar o carro, atravessar a cidade e enfrentar um shopping lotado para comprar algo que encontraria facilmente no seu bairro. Mas é reconfortante saber que alguém ainda se interessa pelo destino do mercadinho da esquina.