Frente parlamentar, comissão especial, mudanças no governo… Na agenda e no discurso, o meio ambiente ganha espaço. Mas os obstáculos são maiores do que aparentam
Embalada pelos últimos relatórios internacionais e pela maior cobertura da mídia, uma onda de preocupação com o aquecimento global e as questões ambientais parece ter chegado ao Congresso Nacional e promete ocupar novos espaços na política brasileira.
A Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara conta com o recorde de mais de 300 nomes, ruralistas e desenvolvimentistas que pregam inédita fidelidade à legislação verde. E a reforma do Ministério do Meio Ambiente (MMA) é uma aposta para reforçar as ações da pasta em um governo com sede de crescimento econômico.
Após pautar os debates de várias comissões permanentes, as mudanças climáticas ganharam uma Comissão Mista Especial, que pretende apresentar uma proposta de Política Nacional sobre Mudanças Climáticas até dezembro, quando se esgota seu prazo de trabalho. Reunindo de Fernando Gabeira (PV-RJ) a Fernando Collor (PTB-AL), o heterogêneo grupo de doze deputados e doze senadores agendou audiências públicas e visitas ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Manaus) e ao de Pesquisas Espaciais (São José dos Campos) e ao Museu Emílio Goeldi (Belém). Também serão avaliados projetos de lei que tratam direta ou indiretamente do aquecimento planetário. Um seminário internacional está programado para agosto.
A idéia é manter a pauta climática em alta e forçar debates sobre desenvolvimento e política energética nacionais, desmatamento da Amazônia, investimentos em ciência e tecnologia e estudos mais amplos sobre os impactos das alterações climáticas no País. O primeiro relatório da comissão será divulgado este mês, já com propostas de ações para o governo.
No entanto, com um Parlamento historicamente alheio a debates ambientais mais profundos, é preciso cautela ao se avaliar a amplitude dessa mobilização. A influência de setores conservadores sempre foi um entrave à aprovação de leis e à ratificação de convenções internacionais na área ambiental. A Mata Atlântica esperou 15 anos para ganhar sua lei, por exemplo. As tramitações emperradas da Lei de Gestão de Florestas Públicas e da Lei de Biossegurança são outros exemplos da atitude tradicional do Legislativo em relação ao tema.
“Temos de acompanhar o trabalho da Frente Parlamentar e da Comissão Mista, mas a princípio são passos importantes para se definir um novo papel do Congresso nessas questões”, avalia o secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas, Fabio Feldmann.
A expectativa de deputados e ambientalistas é de que o “guarda-chuva” do aquecimento global torne mais verde a agenda do crescimento econômico e facilite a aprovação de projetos relevantes para o setor ecológico. Eles acreditam em uma correlação de forças no Parlamento mais favorável à área ambiental. Também apostam que os impactos projetados pelas mudanças climáticas mudem a maneira tradicional de agir e pensar, que não insere a variável ambiental nas estratégias de desenvolvimento.
Nesse sentido, o comportamento do Congresso será posto à prova com a tramitação de temas como a regulamentação do artigo 23 da Constituição. Única proposta ambiental do polêmico Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o texto define os papéis de estados, municípios e do governo federal nos licenciamentos e outras iniciativas na área ambiental. A aprovação da medida tem sido emperrada pela bancada ruralista, que conta com mais de 90 deputados e novamente barganha alterações no Código Florestal Brasileiro para permitir mais desmatamento na Amazônia. “Rapidamente haverá confronto no Congresso, mas não acredito que perderíamos a votação para os ruralistas. O balanço de forças nesta legislatura é favorável à área ambiental”, diz o deputado José Sarney Filho (PV-MA).
Na pauta do segundo mandato Lula também estão o projeto de lei que regula o acesso aos cada vez mais valorizados recursos genéticos, a proposta de emenda constitucional que injeta mais verbas na revitalização do São Francisco, a aprovação de incentivos econômicos para estados com muitas unidades de conservação e terras indígenas e a importação de pneus usados. Um parecer da Organização Mundial do Comércio sinaliza que o Brasil precisa resolver suas questões internas e barrar em lei a importação desse lixo para vencer o contencioso com a União Européia.
Na avaliação do Greenpeace, a mobilização climática do Parlamento também pode ajudar o País a resolver os problemas da política energética e do desmatamento, que posiciona o Brasil como um dos grandes emissores mundiais de gases estufa. As contas nacionais ainda não incluem o metano produzido pelo maior rebanho bovino do planeta, que representaria mais de 10% das emissões brasileiras.
O desmate da Amazônia acumulado no primeiro mandato petista é um dos maiores da história e o governo deve investir em usinas nucleares ou termoelétricas, caso não seja possível construir as hidrelétricas previstas para o Rio Madeira, em Rondônia. “Mas não há mais clima para decisões pesadas contra o meio ambiente. Nesta legislatura, nenhum grupo vai conseguir impor sua vontade”, acredita Sérgio Leitão, diretor de Políticas Públicas do Greenpeace.
Fontes governistas avaliam, no entanto, que a “coesão climática” do Parlamento é superficial e será brevemente superada quando a política conservadora atentar para as profundas mudanças no modelo tradicional de desenvolvimento que serão necessárias para enfrentar o aquecimento global.
Mais preocupado em cumprir com o prometido crescimento econômico, o governo federal ainda não temperou seus programas de desenvolvimento com a necessária dose de sustentabilidade. Tanto o PAC quanto o Plano Plurianual de Investimentos (PPA) deixam a desejar nos quesitos ambientais e mudanças climáticas. Por falta de consenso interno, o MMA não integrou o pacote de desoneração tributária do PAC.
Em dezembro de 2006 ventilava-se no governo a possibilidade de descartar o licenciamento ambiental para obras consideradas prioritárias ao crescimento econômico. A proposta tem sete vidas e costuma ser retomada sempre quando um novo apagão é anunciado pelo setor energético ou mediante o aceno dos setores desenvolvimentistas. “Isso seria um retrocesso ambiental promovido pelo governo, contra os interesses do País e do mundo relativos à preservação da biodiversidade e ao combate ao aquecimento global”, ressalta Sarney Filho.
“As mudanças climáticas ganharam a sociedade. Também devemos analisar como o país pode avançar em questões como saúde, refugiados ambientais, alterações ecológicas urbanas, rurais e costeiras e negócios sustentáveis. Também é urgente rediscutir a posição nacional sobre redução de emissões”, diz o senador Renato Casagrande, (PSB-ES), relator da Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso.
O País tem iniciativas no combate às alterações do clima, como o uso de álcool misturado à gasolina, uma matriz energética relativamente limpa, reduziu o ritmo de desmate na Amazônia e promoveu estudos sobre os impactos climáticos nos biomas. No entanto, ainda faltam articulação e integração de ações entre os vários setores de governo, o que pode ser resolvido com um plano ou política nacional de mudanças do clima. “O governo já teve quatro anos e meio para se posicionar sobre mudanças climáticas. A estrutura nacional é ridiculamente pequena para enfrentar o aquecimento global”, reclama o ex-deputado federal Fabio Feldmann.
Por enquanto, praticamente só o Ministério do Meio Ambiente tem se manifestado a respeito dos relatórios das Nações Unidas sobre mudanças climáticas. Enquanto isso, o Ministério da Ciência e Tecnologia encara as questões de forma mais burocrática e o Ministério das Relações Exteriores procura sustentar e justificar a posição nacional de não assumir metas internacionais para redução de emissões. O governo parece não ter atentado para a dimensão estratégica do aquecimento global e limita-se a propor que haja recompensa financeira internacional aos países que frearem o desmatamento.
“Essa postura defensiva reduz o jogo à contabilidade de que uns menos e outros mais (provocam emissões de gases). Se mantivermos essa posição seremos varridos das negociações. Quem não entender essa cena ficará para trás na história”, ressalta Leitão, do Greenpeace.
Mas há quem veja uma real mudança de mentalidade em curso. Ligado à bancada desenvolvimentista e membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, o deputado José Aníbal de Pontes (PSDB-SP) reforça que a mobilização ecológica do Parlamento é um sinal claro de que as políticas de desenvolvimento não podem mais dispensar o fator sustentabilidade. “Isso está vindo de fora para dentro e ganhando o Congresso”, diz.
Segundo o tucano, a ameaça das mudanças climáticas demonstra que o País precisa investir mais em ciência e tecnologia e agregar valor à produção. “É preciso direcionar investimentos e financiamentos para práticas sustentáveis. A simples exploração dos recursos naturais colocou o Brasil na berlinda, como o quarto maior emissor mundial de gases estufa, fruto do desmatamento e das queimadas”, pondera José Aníbal.
Titular da Comissão de Agricultura da Câmara e ex-presidente da Federação da
Agricultura e Pecuária do Mato Grosso, o deputado Homero Pereira (PR-MT) vê no Congresso uma “reação natural” aos relatórios do IPCC. Nesse sentido, ele espera “ações concretas”, como a valoração dos ativos ambientais brasileiros e uma compensação a produtores que não desmatarem suas propriedades. “Temos de envolvê-los para que enxerguem ganhos econômicos na floresta, não só na agropecuária, e reduzam o desmatamento”, diz o parlamentar.
Segundo Pereira, que articulou “tratoraços” em 2005 e 2006 pela negociação de dívidas ruralistas, outra opção seria converter ativos ambientais em commodities a serem negociadas em bolsas de valores. “Precisamos de mecanismos econômicos e não só dos ineficazes meios de controle e fiscalização.”
Apesar de identificarem uma boa dose de oportunismo na multiplicação de discursos ecologicamente corretos proferidos no Congresso, deputados ambientalistas prevêem a formação de uma massa crítica à medida que esses “novos ecologistas” participem de debates e reuniões setoriais. “Dessa forma o Congresso terá forças para melhorar os planos governamentais de desenvolvimento. Não há passo atrás. A determinação é internacional”, afirma o vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP).
Pesquisando há mais de dez anos o agendamento de temas pelos meios de comunicação, o mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo Guilherme Canela acredita que a mídia e o Congresso cometeram um equívoco ao debater as mudanças climáticas de forma mais profunda somente com a temperatura e as águas subindo, com a crise instalada. “Não houve antecipação ao problema. Agora, o trabalho envolve menos prevenção e mais redução dos estragos (do aquecimento global).”
Canela lembra que, desde a Rio-92, a cobertura das questões ambientais se comporta como um ioiô, subindo e descendo e acompanhando a realização de eventos, os desastres ou a divulgação de relatórios. “Não há seguimento na cobertura. Se o tema não está na agenda, não se debate. É preciso pressão social para que se tenha uma mudança efetiva no modelo de desenvolvimento e para que as mudanças climáticas não caiam no esquecimento.”
Ministério renovado
Para tentar fazer frente a temas emergentes e ao projetado contra-ataque desenvolvimentista, Marina Silva alterou todo o seu secretariado e a estrutura do Ibama. A vice-presidente do IPCC e pesquisadora do Inpe Thelma Krug assumiu a Secretaria de Qualidade Ambiental e Mudanças Climáticas. Para Biodiversidade e Florestas veio Maria Wey de Brito, da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo. Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável ficaram a cargo do gaúcho e ex-vice-governador do Mato Grosso do Sul, Egon Krakhecke. O deputado Luciano Zica (PT-SP) assumiu os Recursos Hídricos e Desenvolvimento Urbano, e o ex-secretário de Cultura do Distrito Federal Hamilton Pereira trocou a presidência da Fundação Perseu Abramo pela Articulação Institucional e Cidadania Ambiental.
O Ibama segue com as funções de licenciamento, fiscalização e aplicação das leis ambientais, enquanto o novo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade deve melhorar a situação das áreas protegidas no País. Trata-se de antiga reivindicação de ambientalistas como Paulo Nogueira Neto. “O Ibama era grande demais para tratar de tudo. Nossas unidades de conservação mereciam uma organização própria”, disse o biólogo.
As promessas governistas incluem recursos e a contratação de ao menos um gestor para cada um dos 60 parques nacionais. Já a previsão orçamentária inicial para o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama em 2007 é de R$ 438,5 milhões, R$ 37,8 milhões a menos que no ano passado.
Para ganhar fôlego
A pasta de Marina Silva ainda está alijada de decisões estratégicas
Anunciada apenas no fim de abril, na primeira reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) em 2007, a dança de cadeiras do Ministério do Meio Ambiente passou por um processo internamente doloroso e mal articulado. Por isso, é preciso acompanhar como as mudanças serão recebidas dentro do governo e nas áreas ambiental, produtiva e de infra-estrutura. “É difícil prever o que acontecerá. Isso depende de tempo, da capacidade do secretariado e do contexto político. Mas essas medidas dão novo fôlego à ministra junto ao governo”, avalia Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA).
As alterações também são uma aposta de Lula em sua companheira acreana – última ministra a ser reconfirmada no cargo no segundo mandato. Por isso, o Ministério do Meio Ambiente deverá arregaçar as mangas e mostrar serviço em temas como mudanças climáticas, questões urbanas e rurais, economia ambiental e gestão florestal, fiscalização e licenciamento. Além disso, é indispensável ampliar o diálogo com outros setores do governo, empresariado, estados e municípios. A pasta ainda está alijada do debate governista sobre etanol, biocombustíveis e outros assuntos estratégicos ligados ao crescimento econômico e tem agido de forma mais reativa e sem o necessário planejamento.
Tomar o bastão vai depender não só da capacidade do novo secretariado ambiental, a maioria oriunda de São Paulo e sem experiência no Executivo, mas principalmente dos sinais da Presidência e da Casa Civil para uma real abertura dos planos de desenvolvimento às questões ambientais.
Dados da Conservação Internacional (CI) revelam que obras previstas no Plano Plurianual (PPA), no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e na Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) afetarão metade das reservas naturais do Brasil, a maioria na Amazônia. “Os projetos de desenvolvimento não passarão por cima da lei. Estamos na era das mudanças climáticas, na era dos limites”, avisou Marina Silva.