O novo secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco reconhece a necessidade de o Brasil aumentar o protagonismo no que se refere ao aquecimento global
Página 22: No que consiste o anunciado Plano Nacional de Enfrentamento das Mudanças Climáticas? Quando vai ser apresentado e com que recursos vai ser executado?
João Paulo Capobianco: A idéia é se espelhar no Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia. Em breve será publicado um decreto presidencial definindo um grupo ministerial permanente de trabalho, com prazo definido para elaboração do plano de combate às mudanças climáticas. Serão mapeadas as ações do governo nessa área, muitas delas dispersas e não integradas. O objetivo é otimizar recursos financeiros e humanos. O plano trará ações para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, para redução de emissões e de incentivo a pesquisas. Também será avaliada a previsão orçamentária no Plano Plurianual de Investimentos (PPA) e, se necessário, mais recursos serão levantados.
22: Como envolver o conjunto do governo nesse plano?
JPC: A decisão é da Presidência da República, não uma iniciativa isolada dos ministérios do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia e das Relações Exteriores. A participação de outras pastas será definida no decreto do Plano. O número de organismos envolvidos é bem grande, sem dúvida.
22: O plano definirá metas de redução de emissões internas? Como vão ser tratados o desmatamento e as queimadas?
JPC: O Ministério do Meio Ambiente vê com simpatia a questão de metas voluntárias internas, mas a decisão é do conjunto do governo. Acredito que isso é possível, agora, principalmente pela redução das taxas de desmate. Quanto a metas internacionais, todos devem reduzir suas emissões, mas as metas nacionais têm de ser menores que as de países historicamente mais poluidores. Responsabilidades comuns, porém diferenciadas, não são encaradas pelo Brasil como ausência de responsabilidade. O País tem reduzido emissões, mesmo sem metas definidas pelo Protocolo de Kyoto. Para mudar isso, seria preciso reabrir o debate sobre o acordo. Mas isso poderia ser um tiro pela culatra, dando espaço à fragilização de outros pontos do protocolo, como tem reforçado o Itamaraty.
22: Se o País adotar metas internas, poderá aceitar compromissos com a comunidade internacional? O Brasil se juntaria aos países que admitem responsabilidades pelo problema?
JPC: O Brasil é signatário do Protocolo de Kyoto e tem responsabilidades. Mas o País não possui percentual definido para reduzir suas emissões, ao contrário da União Européia, por exemplo, que quantificou suas metas. O Brasil só assumiria metas internacionais obrigatórias mediante uma demonstração clara, inequívoca e monitorável de que os países do Anexo 1 diminuirão suas emissões. O Brasil não fará nenhum movimento nesse sentido se as nações mais poluidoras, as desenvolvidas, não mudarem seu comportamento. Se todos aprofundarem seus compromissos, a discussão naturalmente virá à tona.
22: Com isso o País não perde uma oportunidade histórica de liderar o debate sobre as mudanças climáticas?
JPC: O Brasil é uma liderança, não relacionada com assumir ou não metas. O País sempre foi muito ativo nas negociações do Protocolo de Kyoto e apresentou uma proposta para incentivos positivos à redução de emissões por meio da diminuição no desmatamento. No entanto, podemos e devemos ocupar mais espaços. Isso está relacionado ao esforço interno para reduzir emissões e com a posição proativa diante das mudanças climáticas. Estamos perseguindo um maior protagonismo.
22: O Brasil já tem um mapa das áreas mais vulneráveis às mudanças climáticas?
JPC: O Ministério do Meio Ambiente financiou pesquisas a respeito do impacto do aquecimento global nos diferentes biomas, na região costeira, e sobre indicadores para monitorar a evolução das alterações do clima na natureza. Os estudos estão prontos, mas os dados ainda são preliminares. No entanto, já se sabe que os impactos serão mais intensos na Amazônia e no Nordeste. Não estamos no zero, mas ainda estamos longe de ter todo o conhecimento necessário. Precisamos de mais informações de qualidade.
22: Quando o Brasil terá uma política nacional em relação às mudanças climáticas?
JPC: Isso será conseqüência da ampliação do debate nacional a respeito do tema. Mas, antes, temos de fazer nossa lição de casa e identificar os elementos centrais das ações do poder público e da sociedade para reduzir os impactos das mudanças climáticas. Dessa maneira, uma política nacional já traria uma linha de atuação mais efetiva. Isso pode ganhar corpo no segundo semestre.
22: Nas próximas reuniões globais sobre mudanças do clima, será mantida a proposta nacional de compensação por “desmatamento evitado”?
JPC: Nosso trabalho é reforçar sempre essa proposta, de incentivos à redução de emissões por meio do combate ao desmatamento. A agenda está avançando, possibilitando que se mude o eixo da cooperação internacional, antes centrada no simples repasse de recursos para ações de conservação. O freio no desmate da Amazônia evitou a emissão de 400 milhões de toneladas de CO2 nos últimos dois anos. Essa redução deveria ser compensada financeiramente, com acordos bilaterais envolvendo países do Anexo 1 do Protocolo de Kyoto. Os recursos seriam usados para aprofundar o combate ao desmatamento e reduzir ainda mais as emissões. Reduzir o desmatamento custa muito caro, depende da mudança do modelo econômico, não só de vontade política. Esperamos que a proposta brasileira seja aceita em breve, para que se tenha uma política global de redução de emissões.
22: Como as mudanças do clima devem refletir no arcabouço legal brasileiro e na implementação das obras de infra-estrutura que sustentarão o prometido crescimento econômico?
JPC: A legislação brasileira define padrões e orienta as ações para proteger o meio ambiente e as economias. Sem dúvida, teremos casos em que áreas protegidas serão alteradas, não pelo desrespeito à legislação, mas pelas mudanças climáticas. Logo, não precisamos alterar a legislação para enfrentar o aquecimento global, mas sim ter ações e aprimorar leis que promovam a redução de emissões e restrinjam atividades econômicas poluidoras. Quanto a obras de infra-estrutura, nos ressentimos da falta de informações mais objetivas sobre o impacto das mudanças climáticas sobre algumas obras. Esses fatores deveriam ser considerados nas decisões sobre empreendimentos.
22: O debate sobre as mudanças climáticas pode fortalecer as posições da pasta do Meio Ambiente no governo Lula?
JPC: Não tenho dúvida. O tema fez o debate ambiental subir vários degraus no governo e no Congresso. Hoje é impossível negar a gravidade das questões ambientais. A sociedade está diante de uma realidade muito séria que envolve o equilíbrio ambiental do planeta. O desafio é conduzir o debate de forma consistente e real, não inflado pelo catastrofismo. É preciso buscar saídas. A agenda das soluções está aberta.
22: O governo vai conseguir regular o avanço da fronteira produtiva, mais especificamente da cana-de-açúcar?
JPC: Esse é o desafio. Não há motivo para que a expansão do plantio de biocombustíveis traga problemas socioambientais. Existem muitas áreas convertidas subutilizadas, o volume de terra exigido é pequeno diante das terras disponíveis e a ampliação da produção pode ocorrer nas atuais áreas de cultivo, sem substituir outras culturas. É preciso continuar aproximando as agendas produtiva e de sustentabilidade. O cenário futuro é promissor, assim como ocorreu com o setor de florestas plantadas, onde os empreendedores investem em recuperação de áreas degradadas, na preservação de matas nativas e na modernização da produção.
22: A Frente Parlamentar Ambientalista reúne cerca de 250 parlamentares e a Comissão Mista de Mudanças Climáticas abriga 24 deputados e senadores. Que influência esses grupos devem ter sobre o segundo mandato Lula e sobre as políticas ambientais?
JPC: Trata-se de um fenômeno importantíssimo, e o momento é valioso para se colocar na mesa algo concreto para apreciação dessas bancadas. Por exemplo, há os vetos para a Lei da Mata Atlântica e para a Lei de Gestão de Florestas Públicas e um projeto de lei do senador Jonas Pinheiro (Democratas-MT), que exclui o Mato Grosso da Amazônia Legal. Temos de avaliar como esses parlamentares atuarão, mas a expectativa é de valorização da agenda ambiental.
22: Qual é o status do Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia e qual a expectativa quanto à Lei de Gestão de Florestas Públicas no combate ao desmatamento?
JPC: O plano de combate ao desmatamento da Amazônia será revisado. É difícil precisar, mas a tendência é de que algumas medidas sejam reforçadas e que outras sejam encaminhadas. Para o combate ao desmatamento não faltaram recursos, mas a Presidência da República e outros ministérios devem reafirmar seus compromissos. Quanto à Lei de Florestas Públicas, estamos preparando o primeiro plano anual de outorga de áreas florestais e fechando um acordo para injetar 4 milhões de euros da União Européia, com apoio da FAO, para implementação do Distrito Florestal da BR-163. (Esse distrito é o primeiro fruto do Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas, na tentativa de viabilizar o uso sustentável de 19 milhões de hectares no sudoeste do Pará, com unidades de conservação e áreas de manejo florestal).
22: A Frente Parlamentar para a Amazônia pressiona pela votação de projeto que prevê a redistribuição de 2% do Fundo de Participação dos Estados (FPE), criando uma compensação para unidades da federação que não dispõem de todo o território para “atividades econômicas tradicionais”. O que o senhor acha da iniciativa e do ICMS Ecológico?
JPC: O FPE Verde está muito bem encaminhado, com parecer favorável de comissões no Congresso. A expectativa é de que o texto seja aprovado em breve. Trata-se de uma proposta excelente e uma contribuição do País à Amazônia, onde existem muitas áreas protegidas e terras indígenas. A região precisa de recursos para se desenvolver de forma sustentável e seguir contribuindo para o bem-estar de todos. Sobre o ICMS Ecológico, há excelentes resultados no Paraná, em São Paulo e Minas Gerais. Outros estados deveriam legislar nesse sentido. Diante das mudanças climáticas, haverá reforço das ações do Ministério do Meio Ambiente para melhorar as questões tributária e fiscal no estímulo à produção e ao consumo sustentáveis.
22: Após a COP de Curitiba, o Brasil assumiu a presidência da Conferência sobre Diversidade Biológica (CDB). O que vem sendo feito no sentido da conservação da biodiversidade?
JPC: Nosso foco de trabalho é o regime internacional de acesso aos recursos genéticos. Alguns países que tinham posição refratária já entendem que as propostas das nações megadiversas não são simplesmente formas de ganhar dinheiro, mas sim mecanismos de conservação. Não haverá futuro para a biodiversidade se não compatibilizarmos conservação com geração de emprego e renda e desenvolvimento. As pessoas não deixarão de comer para preservar. Essa é a realidade. O regime internacional de acesso é um instrumento para isso, permitindo que aqueles que preservam a biodiversidade sejam recompensados por manter matérias-primas essenciais à indústria moderna. O acesso tem de ser regulado e recompensado. A agenda é essencial para o Brasil.