Por Arthur Nagy
Parede sinuosa de concreto transformada em símbolo da maior cidade da América Latina, pensada como um Rockefeller Center para comemorar os 400 anos de São Paulo, responsável pela consolidação de empresas brasileiras como o Banco Bradesco – o Edifício Copan, localizado no centro da capital paulista, pode ser definido de diversas formas. Entretanto, poucas vezes é citado como proposta urbanística, como modelo exemplar de ocupação da cidade, no qual pobres e ricos se encontram, onde ter ou não automóvel não faz muita diferença, com o qual o selvagem setor imobiliário paulistano casou-se feliz para sempre com a arquitetura comunista de Oscar Niemeyer.
Prédios como o Copan e o Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, que misturam vários tipos de moradia, de alto padrão à popular, que têm térreo comercial ou mesmo unidades comerciais, abertas ao público, são apontados hoje como solução para uma cidade murada na qual é necessário pegar o carro para ir à padaria. A proposta de revisão do Plano Diretor de São Paulo, prestes a ser enviada à Câmara Municipal, cria o privilégio de verticalizar mais do que o mínimo permitido pela legislação aos empreendimentos que imitarem o Copan, antigo treme-treme cujas virtudes são analisadas, hoje, no ambiente acadêmico.
Estudo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo reconstruiu a história do Copan e concluiu que o prédio de 38 andares na Avenida Ipiranga pode ser considerado um dos maiores empreendimentos imobiliários da história de São Paulo, com os maiores índices de satisfação dos moradores, valorização patrimonial constante e perfeita harmonia no convívio. Com supervisão da professora Sheila Walbe Ornstein, o arquiteto Walter Galvão pediu notas para os moradores sobre diversos quesitos do prédio, do barulho à incidência de luz. O Copan ficou acima da média em quase tudo.
“O mais importante é como o Copan conseguiu se manter no tempo, devido a uma arquitetura de qualidade, a apartamentos extremamente flexíveis e adaptáveis, com administração competente e como proposta de estilo de vida”, diz Galvão. “Um empreendimento desse tipo, de uma dimensão que só a década de 50 conseguiu produzir, exige planejamento rigoroso, considerando-se da resistência de materiais à taxa de condomínio.”
O edifício é dividido em seis blocos. O Bloco A possui 64 apartamentos de dois quartos de mais de 100 metros quadrados de área útil. O B, 448 quitinetes de quarto-e-sala e 192 apartamentos de um quarto, ocupados por pessoas de baixa renda, entre empregadas domésticas e porteiros de prédios vizinhos. O C conta com 64 unidades de três dormitórios. O D abriga os maiores apartamentos, habitados por moradores como o roteirista e crítico Jean-Claude Bernardet e o empresário Pedro Herz, dono da Livraria Cultura. Nos blocos E e F, há 328 unidades de tamanhos variados.
Affonso Celso Prazeres, síndico do Copan há dez anos e morador desde a inauguração, é apontado por outros condôminos e até pelos especialistas como um dos responsáveis pelo Copan não ter se transformado em um São Vito, prédio na região do Parque Dom Pedro II, Centro, que foi desocupado na gestão de Marta Suplicy por ter se transformado em uma favela vertical, violenta e insalubre.
Ao assumir, o síndico enfrentou de prostitutas e travestis que usavam seus apartamentos como local de trabalho a traficantes que faziam ponto nas escadarias. Isso não quer dizer que hoje não haja profissionais do sexo entre os moradores do Copan. Mas novas regras de convivência são respeitadas. Travestis e drag queens, por exemplo, já não transitam mais “montadas” pelos corredores: concordaram em não usar suas roupas e adereços mais extravagantes nas áreas comuns do condomínio. No trabalho de negociação e convencimento, Prazeres dizia a todos que, quando alguém coloca um capacho na porta de casa, quer dizer que, a partir dali é preciso respeitar regras de convivência. Conclusão: os capachos viraram uma febre no Copan. Há modelos importados, simples, coloridos, de lã, indígenas, sofisticados… É a única peça de personalização permitida na área comum do edifício, que chega a ter corredores com 20 portas.
Por essas e outras, o Copan ressurgiu de um período nebuloso, cuja pior fase foi nos anos 80, para virar cult no fim dos anos 90, atraindo moradores famosos e arquitetos do mundo inteiro. Prazeres conta que o edifício é mais conhecido fora do País do que dentro, e que recebe mais de mil visitantes estrangeiros por ano. Há dois meses, o prédio estampou a capa do suplemento de turismo do New York Times, sob o título “Concrete Jungle” (Selva de Concreto), numa produção com modelos vestidas e maquiadas com toque futurista. Dos 1.160 apartamentos, não chega a 20 o número de unidades vazias. Para conseguir uma unidade de dois ou três dormitórios, é preciso encarar uma espera de mais de um ano.
O arquiteto e professor universitário Wendel Campanella, morador do Copan há quatro anos, aceitou o desafio. “Tive três oportunidades de comprar um apartamento aqui, e via que, a cada nova tentativa, o preço duplicava”, conta. “Mas era um sonho de infância. Vinha ao centro com minha mãe e me fascinava isso aqui. Pensava na vida que havia por trás de cada janelinha”, diz Campanella. “Há quem queira morar em São Paulo e, ao mesmo tempo, ter um estilo de vida camponês, ouvindo o passarinho cantar de manhã. Eu prefiro aproveitar o melhor que a vida na cidade oferece.”
Assim como Campanella, a atriz Mika Lins narra uma história repleta de emoção para explicar por que resolveu comprar um apartamento no 28o andar do edifício. “Eu gostava do prédio desde criança também. Mas nunca imaginei morar aqui. Morava em Higienópolis quando resolvi comprar meu primeiro imóvel. Claro, tinha pouco dinheiro e, dentro do que queria de tamanho e o que podia pagar, havia pouca coisa. Quando o corretor me trouxe aqui, não acreditei. Eu tremia. A vista é espetacular. Saí com a certeza de que era aqui, sim, onde eu iria morar por muito tempo”, conta.
Mika envolveu-se tanto com o Copan que acabou se casando na cobertura do edifício. Em seu blog na internet (http://mikalins.blogspot.com/), ela mantém uma galeria com imagens atualizadas do pôr do sol visto do prédio. “Muitas amigas minhas me disseram: ‘Você é louca, o Centro de São Paulo é cheio de bandido, de prostituta, de moleque de rua. É deprê’. Bom, os problemas não desaparecem simplesmente porque você não está olhando para eles, mas posso dizer que nunca me senti insegura aqui, muito menos depressiva”, brinca a atriz.
Em fase de modernização, o prédio-símbolo da selva de pedra paulistana busca patrocínio para reformar o brise-soleil da fachada, que tanto o caracteriza com imagem inconfundível da onda de concreto. Em troca, para quem assumir a despesa da substituição das pastilhas do brise, a administração do condomínio cederá a cobertura para ser explorada como mirante do Centro de São Paulo. Após a obra, o Copan poderá retomar a imagem do passado. Poucos sabem, mas o prédio não é cinza. É inteiramente branco.