Por Regina Scharf
Você já viu a cena mil vezes no cinema. O gramado perfeito, a bela casa, o carrão na garagem. Tudo serve de cenário para uma família em frangalhos. Hollywood explorou à exaustão o subúrbio americano enquanto metáfora da repressão e da podridão dissimulada.
Não se trata de uma escolha aleatória. Esses bairros periféricos às grandes cidades, que abrigam mais da metade da população dos EUA, têm mesmo um cheiro um tanto fétido. Sua história passa pelo elitismo, pelo desejo de isolamento, pela discriminação racial, e — surpresa! — pelo desrespeito aos recursos naturais.
Não é de hoje, evidentemente, que as famílias abonadas constroem suas vilas e datchas longe da patuléia. Mas os americanos conseguiram a proeza de tornar o subúrbio ao mesmo tempo muito acessível à classe média e inacessível àqueles que não dispunham de carros — geralmente, os negros.
Nos anos 50, tudo parecia empurrar as famílias para o subúrbio. A produção massiva de veículos, a expansão da rede viária e as leis de zoneamento, que separaram áreas residenciais das comerciais, somaram-se a uma certa visão de idílio rural, abraçada com entusiasmo pelos soldados que voltavam da Segunda Guerra.
Mas o inchaço dos subúrbios teve também uma explicação menos honrosa. Eram tempos de white flight — a debandada de brancos que viam uma grande leva de negros chegando às cidades em busca de melhores oportunidades e preferiram isolar-se na periferia a misturar- se. Atlanta, aquela de Scarlett O’Hara, que ganhara durante a luta pelos direitos civis o apelido de “cidade ocupada demais para odiar”, teve de ser rebatizada. Tão logo as leis de segregação começaram a cair, Atlanta sofreu uma violenta fuga de brancos rumo aos subúrbios e passou a ser a “cidade ocupada demais com mudanças para odiar”.
O que os fujões encontraram foi, em geral, aldeias pré-fabricadas, sem calçadas, transporte público ou pequeno comércio. Suas ruas são um conjunto de vias sem saída que jamais se comunicam e exigem voltas e mais voltas para se chegar a uma auto-estrada. E como este é o único meio de escoamento rumo à metrópole, está sujeita a grandes congestionamentos, sobretudo quando há obras ou acidentes.
Vida cultural ou comunitária? No máximo a da igreja — e olhe lá. Talvez por isso o escritor e suburbano (de Chicago) Ernest Hemingway tenha dito que o subúrbio é um lugar de “largos gramados e mentes estreitas”.
Isso tudo tem impacto, inclusive, sobre a saúde dos suburbanos. Pesquisas recentes indicaram que há uma correlação entre esse modo de vida e a incidência de hipertensão e obesidade. Como têm de dirigir até para comprar pão, o habitante desses bairros pode ter até 3 quilos acima do peso dos seus colegas que vivem numa metrópole como Nova York. Quem mais sofre com essa configuração são as donas de casa, as crianças e adolescentes, os velhos — gente que raramente vai à cidade, que não encontra viv’alma com quem conversar e simplesmente não tem o que fazer por ali.
A outra vítima desse modelo é a natureza. Graças aos subúrbios, a grama tornou-se a principal cultura irrigada dos Estados Unidos — três vezes a área irrigada de milho. E, como se sabe, gramados também consomem grandes quantidades de fertilizantes nitrogenados, altamente contaminantes para os corpos d’água. E o problema só se agrava com a crescente abertura de fossas sépticas, mais baratas do que as redes de esgoto, e muito mais propensas AO LADO a vazamentos de uréia para o freático. O nitrogênio dessas fontes, como se sabe, promove a proliferação de algas, a retirada do oxigênio essencial à sobrevivência dos peixes e a redução da potabilidade.
O antídoto aos subúrbios responde pelo nome de Novo Urbanismo, uma corrente surgida nos anos 80. Ele propõe a construção de vilarejos compactos, charmosos e ricos em diversidade. Seu sistema quadriculado de ruas estreitas, margeadas de árvores, favorece as caminhadas. Ali, negócios e residências, ricos e menos ricos, jovens e idosos se mesclam. As garagens ficam no fundo das casas e edifícios, criando um visual mais homogêneo. É possível caminhar até a escola, o parquinho, o comércio, o centro comunitário.
A primeira cidade totalmente planejada nesses moldes é Seaside, na costa da Flórida, concebida pelo casal de urbanistas Andrés Duany e Elizabeth Plater-Zyberk. Lembra-se do filme The Truman Show, em que Jim Carrey é um homem que ignora que a sua vida foi totalmente planejada e filmada para um programa de televisão? Pois ele foi rodado em Seaside, uma comunidade com pouco mais de 25 anos, que se parece um pouco com a Disney, de tão perfeita, o que é um tanto perturbador.
Mas, definitivamente, ela inclui um componente humano inexistente nos subúrbios. Como costuma dizer Duany, “o papel da rua é tanto social quanto utilitário”. É provável que, num futuro próximo, esse modelo comece a atrair hordas de suburbanos levados à bancarrota pela incessante alta dos combustíveis.