Por João Luiz Hoeffel, Almerinda Fadini e Cristiane Suarez
O turismo tem sido apresentado como um dos segmentos econômicos com maiores índices de crescimento e como alternativa para regiões onde atividades produtivas tradicionais não proporcionam mais condições de sobrevivência para as suas populações. Em relação ao ambiente natural, em especial em unidades de conservação, o turismo ambiental coloca-se como uma atividade econômica e sustentável. Entretanto, muitas vezes ocorre uma disparidade entre as potencialidades desse fenômeno turístico e seu desenvolvimento na prática, em especial quando este cria novos lugares, descaracteriza as singularidades geográficas e limita a visão do turista com relação ao destino.
O turista busca ir ao encontro de determinadas imagens que se formam em sua mente e os promotores turísticos procuram captar essas imagens e reproduzi-las. Nesse sentido, o espaço se reveste de visões simbólicas, formadas não por um projeto de reconstrução objetiva do mundo, mas por sonhos que acabam criando no espaço global um lugar que nega as suas particularidades, ou seja, um não-lugar. Assim, transforma-se o espaço turístico em um cenário que não respeita a identidade da localidade e de seus moradores, onde o turista se entrega às manipulações das imagens, desfrutando a própria alienação e a dos outros.
Como resultado, o turismo cria uma idéia de reconhecimento das imagens antes veiculadas, mas não estabelece uma relação com o lugar, impondo novas territorialidades e transformando o lugar e suas paisagens naturais em mercadorias simbólicas e em espetáculos que povoam o imaginário social.
Situação do sistema Cantareira
A Área de Proteção Ambiental do Sistema Cantareira é uma unidade de conservação localizada na Região de Bragantina — Estado de São Paulo — e foi criada com o objetivo de manter e melhorar a qualidade da água, especialmente no entorno dos reservatórios do Sistema Cantareira, que abastecem as regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas. No entanto, esta APA ainda não foi regulamentada, o que tem determinado conflitos entre os diversos atores sociais presentes na região, pelo direito ao uso da água e do solo.
A Região Bragantina, devido à dificuldade de acesso, passou por um lento processo de urbanização que permitiu a conservação de um patrimônio histórico, cultural e natural, onde se destacam remanescentes significativos de Mata Atlântica. Porém, tem se observado nessa região intensas transformações socioambientais estimuladas pela beleza cênica favorecida pela implantação dos reservatórios do Sistema Cantareira e pela recente duplicação das rodovias regionais. Esse quadro pode ser verificado pelo expressivo crescimento populacional, que nas últimas décadas (1980-2000) foi superior a 70%, e por um incremento no processo de urbanização, industrialização e, em especial, turístico, que nem sempre ocorrem de forma ambientalmente adequada.
Com relação ao turismo, verifica-se que os visitantes vêm em busca de atrativos naturais e culturais, que são vendidos pelo uso de imagens em publicidades e folhetos, como uma área de “natureza selvagem” ainda preservada no entorno de São Paulo. Essa situação configura-se como a mercantilização de um simulacro, de uma falsa realidade, que se reflete nas idéias de natureza de diferentes turistas e de outros atores sociais e que não expressa a realidade regional.
Verifica-se, assim, que, ao privilegiar os interesses econômicos e os anseios dos visitantes, as atividades turísticas têm gerado o aparecimento de não-lugares, que negam as características sociais, culturais, ambientais e históricas do local. Esses não-lugares configuram-se como localidades que alteram as paisagens e o modo de vida tradicional em prol de uma imagem idealizada, nas quais se repetem signos de outros lugares e se criam imaginários turísticos voltados para propiciar conforto, aventura, lazer, segurança e prazer, mesmo que esses atributos não sejam tão autênticos.
Proximidade simulada
Esta nova concepção da região bragantina como um não-lugar pode ser observada no apelo das propagandas elaboradas por diversos empreendedores regionais, em que frases do tipo “Venha para o paraíso” ou “Fuja do estresse” procuram descrever os loteamentos, condomínios, pousadas, marinas, entre outros, como o lugar dos sonhos, como o paraíso. A propaganda utiliza-se de uma insatisfação com a qualidade da vida urbana contemporânea e da busca por uma diferente realidade cotidiana que, somadas às características socioambientais da região, onde mais uma vez se ressalta a presença do reservatório e de remanescentes de Mata Atlântica, têm colaborado para o processo intenso de ocupação que vem ocorrendo nessa área.
Também se pode analisar essa questão, considerando o desejo antagônico de se sentir próximo de algo ou de algum lugar, sob o ponto de vista de que o turista, ao procurar esses espaços de sonhos, tenta transformar sua experiência em algo familiar, conhecido, que possa estar entrelaçado à sua rotina. Só que, nesse processo, por trazer consigo o estilo de vida diário, hábitos, exigências e comportamentos, os turistas estão na verdade longe do local que visitam, pois conhecem pouco as características desse espaço e, dessa forma, não se integram realmente com a localidade e com os seus moradores.
Outro aspecto a considerar é que, pelo fato de a intensificação do uso da terra não ter sido orientada por políticas públicas efetivas de conservação ambiental e não haver participação de comunidades locais no planejamento regional, o patrimônio histórico, cultural e natural vem passando por um intenso processo de descaracterização ambiental que compromete sua sustentabilidade.
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Esta análise integra uma das pesquisas que o Centro de Estudos Ambientais — Sociedades e Naturezas (CEAUSF) da Universidade São Francisco vem desenvolvendo desde 2001, com temas relacionados ao planejamento integrado e participativo, turismo, à educação ambiental, identidade local e proteção dos recursos naturais da Região Bragantina e seu entorno.