O governo tem pouco tempo para provar que as últimas medidas para atrair investimentos nas usinas eólicas do Proinfa garantirão a meta de gerar 3.300 MW em energias alternativas até o final de 2008
Por José Alberto Gonçalves
Fundada em 2005, a companhia chinesa Renesola, fabricante de pastilhas de silício reciclado para painéis solares, levantou US$ 50 milhões de investidores ao estrear no Mercado de Investimentos Alternativos (AIM) da Bolsa de Londres em julho de 2006. Uma das quatro empresas chinesas do setor solar que estrearam no mercado acionário no ano passado – outras três lançaram ações na Bolsa de Nova York –, a Renesola pode até pedir que os clientes paguem adiantado, dada a escassez de pastilhas de silício. A China também se tornou um dos principais mercados para a energia eólica: dobrou a capacidade instalada de 1.300 megawatts (MW) em 2005 para 2.650 MW no fim de 2006, subindo do oitavo para o quinto lugar entre os países que mais geram eletricidade graças à força dos ventos.
Alvo dos ambientalistas por seu crescimento acelerado e espetacularmente “sujo”, a China também é, paradoxalmente, uma das economias que mais atraem investimentos em energias renováveis. No ano passado, foram US$ 4,5 bilhões em novos empreendimentos, lançamento de ações em bolsa e fusões e aquisições de companhias. A cifra supera em 118% o valor investido em 2005, de acordo com o relatório Global Trends in Sustainable Energy Investments 2007, divulgado em junho pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Segundo o mesmo estudo, os investimentos em renováveis no Brasil saíram de pouco mais de zero em 2005 para US$ 2,137 bilhões em 2006. Quase a totalidade da cifra, porém, concentra-se na produção de etanol de cana-de-açúcar. Pouco foi investido em fontes como a energia dos ventos, a biomassa e as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), e quase nada em aquecimento solar. O Brasil corre o risco de fi car atrás de países como a China e a Índia na corrida pelas energias limpas.
O mercado de renováveis, embora pequeno se comparado ao das fontes convencionais – apenas 2% da matriz energética mundial, excluindo as grandes hidrelétricas –, responde hoje por aproximadamente 18% dos investimentos em geração elétrica no mundo, de acordo com o Pnuma. No ano passado, o setor atraiu investimentos de quase US$ 100 bilhões, 25% a mais que em 2005, incluindo as fusões e aquisições de empresas.
Considerados apenas os novos negócios, o crescimento foi ainda mais robusto, 43%, alcançando US$ 70 bilhões.
No Brasil, mais de cinco anos após o lançamento do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), em abril de 2002, apenas a Wobben, subsidiária da alemã Enercon, produz aerogeradores, ou turbinas eólicas. A empresa instalou-se em Sorocaba (SP) em 1996, muito antes da criação do Proinfa, voltada principalmente para o mercado externo.
A meta da primeira etapa do Proinfa era instalar 3. 300 MW – potência parecida com a da projetada para a polêmica usina Jirau, no Rio Madeira – até dezembro de 2006, mas foi postergada para o fi m de 2008. Se o programa conseguir colocar em operação a potência total prevista, com investimentos privados de R$ 9 bilhões na construção de usinas, a participação da biomassa, da fonte eólica e das PCHs na matriz elétrica brasileira subirá dos atuais 3,5% para 6%.
Para a energia solar, que não faz parte do Proinfa, o Ministério de Minas e Energia (MME) promete lançar até dezembro um programa nacional de incentivos à adoção de coletores para o aquecimento de água, que hoje responde por 8% do consumo nacional de energia elétrica, segundo Délcio Rodrigues, coordenador da Iniciativa Cidades Solares, da ONG Vitae Civilis.
Pedras no caminho
Inicialmente, a meta do Proinfa era gerar 1.100 MW em cada uma das três fontes de energia do programa: eólica, biomassa (bagaço de cana-de-açúcar e rejeitos agrícolas) e PCHs. Contudo, como diminuiu o interesse das usinas de açúcar e álcool pelo programa, parte da energia destinada à co-geração à base de biomassa foi redistribuída para os outros projetos. No fi nal, a Eletrobrás contratou 1.191 MW de 63 projetos de PCHs, 1.423 MW de 54 empreendimentos de energia eólica e 685 MW de 23 projetos de co-geração a partir da biomassa.
A redistribuição, entretanto, não contornou as difi culdades de implementação do Proinfa. No caso das PCHs, a execução das obras atrasou principalmente por causa da lentidão na obtenção de licenças nos órgãos estaduais de meio ambiente. Hoje, porém, é a fonte mais promissora no cumprimento da meta de geração no prazo. Segundo Laura Porto, diretora do Departamento de Desenvolvimento Energético e coordenadora do Proinfa no MME, há fi nanciamentos solicitados ou contratados para os 1.100 MW das PCHs.
O gargalo continua na energia eólica. Em junho, apenas cinco usinas estavam em operação comercial, com potência instalada de 208 MW. O maior projeto em operação é o do Parque Eólico de Osório, no Rio Grande do Sul, com potência de 150 MW em 75 turbinas, ou 72% de toda a capacidade instalada nos projetos de eólica do Proinfa. Uma usina de 10,2 MW encontra-se em fase de montagem, a Millenium, controlada pela australiana Pacifi c Hydro em sociedade com a brasileira Bioenergy.
Críticos do programa, como o professor Celio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, consideram o Proinfa “um fracasso”, no que diz respeito à meta para a fonte eólica. O governo, porém, avalia que a redução no imposto de importação de aerogeradores de 14% para zero em março passado surte efeitos positivos. O valor das partes importadas foi barateado e fi cou mais fácil para o empreendedor atingir os 60% de nacionalização de equipamentos e serviços exigidos.
Indícios de recuperação?
Sob o bombardeio de ONGs, empresários e pesquisadores, Laura Porto aponta evidências de que a tormenta no setor de eólica está passando. Entre elas, além de empréstimos solicitados e aprovados para instalação de 60% da energia contratada pelo Proinfa, estão a chegada recente ao Ceará de19 turbinas para um megaprojeto da Siif Énergies – que pretende investir R$ 3,9 bilhões na instalação de 15 parques eólicos no Brasil até 2011 – e o anúncio pelo grupo argentino Impsa, em setembro de 2006, da implantação de uma fábrica de aerogeradores no complexo industrial do Porto de Suape, em Pernambuco, com investimento de R$ 20 milhões.
O segundo semestre de 2007 será decisivo para o governo provar que suas previsões para o setor eólico estão corretas e neutralizar as críticas. Segundo Sebastião Florentino, coordenador do Proinfa na Eletrobrás, há tempo sufi ciente para que a maior parte dos projetos contrate fi nanciamento, encomende e comece a operar as turbinas até 31 de dezembro de 2008.
Normalmente, diz Florentino, as obras de instalação de uma usina eólica levam de 12 a 18 meses, muito menos do que as de uma planta nuclear, por exemplo, que levam de seis a sete anos. Angra 3, cuja retomada das obras foi aprovada em junho pelo Conselho Nacional de Política Energética, entrará em operação em 2013.
Um diagnóstico realizado por alunos de pós-graduação do professor Bermann revelou que muitos projetos contratados pela Eletrobrás eram inviáveis tecnicamente e tiveram de ser reformulados. Bermann aponta ainda que muitos empreendedores estavam mais interessados em repassar os projetos a outras empresas, com a fi nalidade de auferir ganhos fi nanceiros. Laura Porto, do MME, não nega os problemas, mas diz que estão superdimensionados. “Alguns projetos apresentaram falhas técnicas, uma minoria insignifi cante diante do total contratado.”
Bermann aponta ainda que os pequenos empresários não tiveram acesso às linhas do BNDES devido às garantias exigidas. Para o professor, o contrato de compra de energia por 20 anos deveria ser aceito como garantia na aprovação dos fi nanciamentos. Nelson Siffert, chefe do Departamento de Energia Elétrica do BNDES, não acredita que as garantias exigidas inibam a procura por empréstimos. Até porque, segundo ele, alguns empresários de pequeno e médio porte se associaram a grandes companhias de energia, que assumiram o controle dos projetos e viabilizaram a aprovação dos fi nanciamento para suas usinas.
Na fase de implantação do projeto, o empreendedor precisa oferecer suas ações como garantia ao BNDES. Já na etapa operacional, a garantia é a receita obtida pela usina na venda de energia. “A meta do Proinfa para as PCHs será Atingida tranqüilamente até o final de 2008”, diz Siffert. Até o início de junho, o banco aprovou e assinou contratos de financiamento para 34 projetos de PCHs do Proinfa, com geração prevista de 791 MW, ou 66% do total contratado para essa fonte. Segundo Siffert, a lenta execução dos projetos de eólicas é um sintoma de problemas específicos do setor, como a dificuldade na compra de equipamentos. “É estratégico desenvolver um parque eólico no Brasil. Contudo, ainda há muito espaço para investir nas PCHs e na co-geração com biomassa”, diz.
A titularidade dos créditos de carbono dos projetos, que serão vendidos dentro do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto, é outro ponto de tensão entre empreendedores e Eletrobrás. Conforme o decreto que regulamentou o Proinfa, a titularidade dos créditos é da Eletrobrás, que os utilizará para diminuir os gastos dos consumidores com o subsídio ao programa.
Segundo Laura Porto, os empreendedores não se conformam com a perda da titularidade dos créditos, que deverão gerar receita anual de R$ 80 milhões quando o programa estiver operando a pleno vapor e evitando a emissão de 2,8 milhões de toneladas de CO2 por ano. A Eletrobrás prepara-se para iniciar ainda este ano a venda os créditos de carbono do Proinfa em leilões na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), em São Paulo, informa Florentino.
Entre técnicos do MME, empresários e analistas de mercado, é praticamente consenso que o desenvolvimento do setor de energia eólica no Brasil foi tolhido por uma conjugação de elementos externos e internos.
Quando o Proinfa foi criado, a geração de energia eólica expandia-se em vários países desenvolvidos, como Alemanha, Espanha e Estados Unidos. A China também oferecia incentivos para atrair a instalação de indústrias de aerogeradores. Com a demanda aquecida, a fila de encomendas de equipamentos eólicos tornou-se cada vez mais longa. Segundo a Associação Mundial de Energia Eólica, a potência instalada no mundo alcançou 74 mil MW em 2006, dez vezes mais que em 1997.
Faltou sensibilidade
O governo dos EUA oferece incentivo atraente ao setor eólico: o Production Tax Credit (PTC), criado em 1992, concede um desconto de 2 centavos de dólar no imposto de renda por quilowatt-hora (kWh) produzido em parques eólicos. Programado para expirar no fim de 2005, o PTC foi prorrogado até dezembro de 2008.
Diante dos incentivos e da demanda crescente nos EUA e na China, o Brasil demorou em reagir e perdeu potenciais investidores. “Também faltou sensibilidade ao governo por não sinalizar de forma clara a continuidade do Proinfa após 2007”, diz Sérgio Marques, presidente da Bioenergy.
O índice de nacionalização, previsto para fomentar o desenvolvimento da indústria de equipamentos eólicos, retardou a implementação do programa, segundo empresários do setor. “O Proinfa teve caráter didático, possibilitando que extraíssemos conclusões importantes para a eventual continuidade do programa após 2008”, observa Ricardo Pigatto, presidente da Associação Brasileira dos Pequenos e Médios Produtores de Energia Elétrica. “Uma delas é que o índice de nacionalização foi elevado em face da existência de apenas um fabricante de equipamentos no País.”
Os técnicos do Proinfa no MME admitem que a energia eólica vá demandar tratamento específico do governo. A primeira tacada para recuperar o tempo perdido foi atender ao pleito dos empreendedores, reduzindo o imposto de importação dos aerogeradores. Para Karen Suassuna, técnica em mudanças climáticas do WWF, uma segunda fase do Proinfa precisaria contar com planos específicos para cada fonte alternativa. No caso da energia eólica, ela considera essencial estimular a produção de equipamentos no País, formar mão-de-obra qualificada, oferecer condições mais favoráveis nos financiamentos e criar incentivos aos parques eólicos.
Teste ou fracasso
A necessidade de tratar com mais cuidado a energia dos ventos ficou evidente no leilão de fontes alternativas realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 18 de junho. Nenhum dos nove projetos de energia eólica (939 MW) habilitados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) participou do leilão. O setor considerou baixo o preço-teto de R$ 140 por megawatthora (MWh) e curto o prazo de 15 anos dos contratos com as distribuidoras de energia. Para o setor de eólica, nada abaixo de R$ 200 por Mwh vai ser capaz de atrair investidores aos leilões.
Os negócios com PCHs também foram pouco significativos. Foram leiloados apenas 97 MW a serem gerados por seis PCHs ao preço médio de R$ 135 o Mwh, valor médio da energia dessa fonte no Proinfa. A biomassa teve melhor desempenho, ao conseguir vender energia referente a 12 projetos com potência total de 542 MW pelo preço médio de R$ 139 por Mwh, 27% superior ao preço médio de R$ 109 do Proinfa para essa fonte.
Logo após o pregão, realizado pela internet durante pouco mais de uma hora, Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE, disse que o governo poderá estudar a realização de leilões específicos para a fonte eólica. Sabe-se que a idéia só será viável se o preço-teto for mais atrativo. Para isso, será necessário que o consumidor banque a diferença entre as cotações de mercado da energia e o valor mais alto a ser pago para a energia eólica.
Presidente da Eletrobrás no início do governo Lula, o físico Luiz Pinguelli Rosa, coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, defende que a estatal participe dos leilões de fontes alternativas. “A Eletrobrás pode trabalhar com uma taxa de retorno de 10% e vender energias renováveis a preços mais módicos”, diz. Segundo ele, os investidores querem uma taxa de retorno de 15% a 20% no Brasil, enquanto no mundo desenvolvido ela não ultrapassa 10%.
Nem a EPE nem o MME adiantam detalhes sobre a idéia. Há, também, quem acredite que a EPE quis testar o mercado com uma modalidade inédita de leilão, que poderá se transformar no principal mecanismo de incentivo às energias alternativas, no lugar de um Proinfa 2, do qual já praticamente não se fala mais no governo.