Por Regina Scharf
Primeiro ganhe dinheiro. A virtude vem depois. Esse conselho de Horácio, epicurista romano que viveu pouco antes de Cristo, anda muito popular. Setores da economia difíceis de engolir em termos socioambientais e éticos estão investindo uma bolada para adquirir um certo lustro politicamente correto. Greenwash, dirão alguns. É melhor do que nada, responderão outros.
Um dos patronos dessa filosofia é a indústria da guerra. O Pentágono está investindo alguns milhões de dólares no desenvolvimento de balas produzidas sem chumbo – matar, matam, mas não contaminam o meio ambiente.
Hoje, o Exército dos EUA dispara cerca de 17 milhões de balas anualmente em seus treinamentos, deixando um saldo residual de 136 toneladas de chumbo. Evidentemente, essa contabilidade muda de escala se incluirmos a munição gasta no Iraque, no Afeganistão e que tais. Para minimizar o problema, já está sendo testada uma munição alternativa, à base de tungstênio e náilon, para pistolas, fuzis e metralhadoras.
A Marinha americana também decidiu “endurecer, sem perder a ternura”. Ela estabeleceu novas regras sobre o que pode ou não ser escrito nos foguetes disparados em zonas de conflito, para que os seus alvos não sofram ofensas morais. A decisão deriva de um episódio ocorrido no Afeganistão em 2001, quando foi lançado um foguete com uma mensagem que questionava a masculinidade dos talebans, o que gerou protestos da militância gay. Outra vez: matar, eles matam, mas não melindram ninguém.
Como as Forças Armadas, as indústrias do tabaco e da energia nuclear também têm se esforçado em demonstrar seus bons sentimentos.
Tome-se o caso dos cigarros da marca Natural American Spirit, fabricados pela Santa Fe Natural Tobacco Company, comprada recentemente pela Reynolds. A empresa informa que seus produtos só empregam a Folha de tabaco, sem qualquer aditivo, e que uma parte da sua linha é 100% orgânica. Ela também divulga que não realiza testes com animais e que doa parte dos seus lucros a projetos ligados a grupos indígenas. As boas intenções não convenceram.
A Organização Mundial de Saúde lançou, no ano passado, um alerta de que a propaganda desse tipo de produto pode levar os usuários a acreditar, erroneamente, que ele não é tóxico. Evidentemente, é.
A indústria nuclear é outra que embarca nessa onda. Ela tem buscado emplacar como alternativa ideal à queima de combustíveis fósseis no combate ao aquecimento global. De fato, as 437 usinas hoje em funcionamento, que respondem por 16% da eletricidade global, não emitem gases estufa.
Daí a achar que esse é um modelo benfazejo para o meio ambiente vai uma distância enorme. Uma distância de Three Mile Island a Chernobyl.
Não são poucos os promotores do “milagre nuclear”. Alguns, insuspeitos, como James Lovelock, cientista mais conhecido por sua Teoria de Gaia, que vê o planeta como um megaorganismo vivo. No ano passado, ele declarou a uma rádio da Califórnia que “daria as boas-vindas a resíduos nucleares depositados no seu quintal”.
Afirmou que os perigos associados à radioatividade eram exagerados, que o volume de resíduos gerados não era tão expressivo e que, para mitigar as mudanças climáticas, deveríamos “encarar o nuclear como uma espécie de remédio que precisamos tomar”. Lovelock é bastante venerado nos meios ambientalistas – pelo menos era, até começar a dar esse tipo de declaração.
Outro defensor do nuclear, George W. Bush, surpreendeu aqueles que acreditavam que ele mantinha uma relação monogâmica com o petróleo. Mais de uma vez o presidente americano declarou que é hora de voltar a construir usinas nucleares nos EUA, inclusive como forma de combater o aquecimento global.
Será que faz algum sentido vender cigarros, armas e energia nuclear como aliados da luta ambiental? Aparentemente, há muita gente que compra essa idéia.
Um debochado documentário de 2003, The Yes Man, demonstrou que é possível fazer greenwash dos conceitos mais espúrios entre platéias seletas – e passar incólume.
O longa-metragem mostra dois indivíduos, Mike Bonanno e Andy Bichlbaum, que se passam por representantes da Organização Mundial do Comércio ou de multinacionais, como o McDonald’s, e dizem as maiores barbaridades em universidades e conferências – sem que os seus interlocutores percebam que se trata de uma sátira.
Interessante ver como a maioria das audiências reage impassível e crédula à defesa de idéias como a da “escravidão piedosa” – vendida como solução para a África. Num seminário do setor têxtil fi nlandês, em que os Yes Men fi ngem pertencer à OMC, Bichlbaum despe seu terno e revela um macacão dourado com uma gigantesca estrutura fálica infl ável entre as pernas, com um monitor de vídeo na ponta.
O equipamento permitiria a executivos instalados no Primeiro Mundo acompanhar em tempo integral as atividades nas sweat shops asiáticas, controlando a sua produtividade e evitando a fuga de trabalhadores. Apenas uma participante se mostrou ofendida com a apresentação – estaria o palestrante insinuando que só os homens poderiam monitorar o trabalho em sweat shops?