Por Carlos Eduardo Lessa Brandão
Na natureza, os organismos e grupos de organismos com maior chance de sucesso apresentam algumas características comuns: respeitam os princípios de auto-organização, diversidade e interdependência. Nos grupos sociais, essas mesmas características se desenvolvem melhor em processos nos quais há participação, transparência, responsabilidade e prestação de contas, além de honestidade. Como conseqüência,
o nível de confiança tende a aumentar, otimizando o desempenho do grupo a curto e a longo prazo. Grupos sociais podem ser tanto uma empresa como uma comunidade ou a sociedade. E muitas das características de sucesso estão ligadas ao que se convencionou chamar, no jargão empresarial, de governança corporativa. Mas ela não se aplica apenas às empresas e pode, em universos maiores, promover uma postura de respeito e responsabilidade, alinhada com a sustentabilidade global.
Governança corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/cotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria independente e conselho fiscal. As boas práticas de governança têm a finalidade de preservar e aumentar o valor da organização, facilitar o acesso ao capital e contribuir para a sua longevidade.
O movimento pela governança corporativa ganhou corpo no Brasil nos últimos dez anos. Em 1995, nasceu o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e, em 2000, a Bovespa criou o Novo Mercado, um segmento especial de listagem de ações, hoje com 66 participantes, que exige padrões de governança superiores à legislação em termos de transparência (divulgação de informações), proteção aos acionistas minoritários e solução de conflitos societários por meio de câmara de arbitragem, entre outros requerimentos contratuais.
No Brasil, 15 empresas com práticas acima da média mostraram-se maiores, mais valiosas, com maiores múltiplos de mercado, mais rentáveis operacionalmente, mais líquidas, pagadoras de maiores dividendos e mais solventes a curto prazo do que a mediana das companhias listadas na Bovespa. Os resultados estão expressos no livro Governança Corporativa em Empresas de Controle Familiar: Casos de Destaque no Brasil, publicado em 2006 pelo IBGC.
Outra evidência, essa mais direta, está na evolução do Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada (IGC), que inclui ações de empresas que aderiram ao Nível 1, ao Nível 2 ou ao Novo Mercado da Bovespa: valorização de 433%, ante 216% do Ibovespa (de junho de 2001 até março de 2007).
A adoção dessas práticas pressupõe o cumprimento de leis e regulamentos, mas não garante a eliminação das fraudes. Além de muitas práticas de governança corporativa não serem obrigatórias por lei, a conduta das empresas também depende da capacidade de cada país em aplicar leis e regulamentos vigentes. A evolução do sistema de governança nas empresas, então, varia de acordo com seu contexto específico, que envolve desde o mercado de atuação, o nível de entendimento entre os sócios, a cultura da organização até as condições do ambiente regulatório, político e econômico.
Próxima escala
Mas há outras referências para o desenvolvimento da governança corporativa. No Brasil, destaca-se o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, que se baseia em quatro princípios: transparência, eqüidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. De acordo com o último princípio, conselheiros e executivos devem zelar pela perenidade das organizações e, portanto, incorporar considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações. Isso implica uma visão mais ampla da estratégia empresarial, contemplando um espectro maior dos relacionamentos da organização.
Os quatro princípios básicos estão presentes em diversos aspectos valorizados no âmbito da sustentabilidade empresarial, como a estratégia de longo prazo, o gerenciamento de riscos, a consideração de aspectos intangíveis, a qualidade dos relacionamentos com as diversas partes interessadas e a responsabilidade pelos atos e omissões, que, cedo ou tarde, terão reflexos no valor econômico da empresa. Ao adotar as melhores práticas de governança, o espectro dos stakeholders pode ser ampliado, permitindo a antecipação de riscos e oportunidades antes nem cogitados. No aspecto ambiental, pode-se ir além de iniciativas de ecoeficiência com a redefinição de produtos/serviços e reavaliações dos modelos de negócios.
Pelos seus benefícios diretos na gestão das empresas e por facilitar o acesso ao capital, a governança corporativa pode funcionar como uma porta de entrada para a sustentabilidade no ambiente corporativo. As empresas “iniciadas” em governança estarão mais alinhadas com a sustentabilidade empresarial e global, mais bem capacitadas a gerenciar riscos, identificar oportunidades, tornando-se mais longevas e com melhores resultados econômico-financeiros.
Assim como as empresas começam a perceber que entender e respeitar seu entorno são cruciais para a sustentabilidade global, a sociedade como um todo deverá atentar para a importância da qualidade da estrutura e da forma de atuação das instituições públicas.
A sustentabilidade embute um aspecto de ordem ética, pois tem a ver com escolhas da sociedade como um todo. Isso envolve organizações governamentais mais transparentes, maior prestação de contas em todas as instâncias do governo, maior possibilidade de cobrança por parte dos eleitores aos seus representantes e sistemas regulatório e legal alinhados com a sustentabilidade global. Mais uma vez, os princípios básicos de governança corporativa poderão servir de inspiração para a busca do bem comum.