Por Regina Scharf
Alain Passard é um caso único no mundo da gastronomia. Comandante de um dos poucos restaurantes parisienses com três estrelas no exigente Guia Michelin, ele cometeu uma heresia na terra do tournedo Rossini e do steak tartare. Simplesmente aboliu a carne vermelha do seu cardápio. Para o chef, “era difícil encontrar inspiração diante de um animal morto”. Hoje, boa parte dos ingredientes que usa vem de sua fazenda, cultivados sem agrotóxicos e com arados movidos a cavalo, “porque os tratores prejudicam a vida animal e deixam sulcos por onde passam”. Passard faz parte de um crescente contingente de cidadãos que mudaram as suas dietas – às vezes radicalmente – e abrem mão de comer alguns ou todos os produtos de origem animal.
Na Índia, os vegetarianos são muitos – 220 milhões – e poderosos. Em Mumbai, uma família de carnívoros pode ser rejeitada na hora de fechar um contrato de compra de imóvel, para não destoar demais da vizinhança.
A Datamonitor, empresa de pesquisas setoriais, estimou em 2002 que haveria cerca de 12 milhões de vegetarianos na Europa. Nos Estados Unidos, The Vegetarian Resource Group, uma ONG promotora do vegetarianismo, estima que 2,3% dos adultos são vegetarianos (não comem carne, aves e peixes) e 6,7% nunca ingerem carne. Além disso, cerca de 1,4% seria vegans, ou seja, não consomem nenhum produto de origem animal, até mesmo laticínios, ovos, mel, seda, couro e lã. No Brasil não há estatísticas sólidas, mas a Sociedade Vegetariana Brasileira supõe que 5% da população seria vegetariana ou simpatizante. Como no futebol, o número de torcedores deve ser bem maior do que o de jogadores.
Argumento é o que não falta para quem quer entrar para esse clube. Além das razões religiosas (como as proibições dietéticas do Hinduísmo) ou de saúde, muitos vegetarianos vêem aí uma forma de evitar o sofrimento animal e, como dirão os mais extremados, “o trabalho escravo de galinhas poedeiras e vacas leiteiras”. Mas é crescente o número de indivíduos que muda a dieta na tentativa de reduzir a própria pegada ecológica, preferindo alimentos de baixo impacto ambiental.
Como diz Paul McCartney, notório vegetariano: “Se alguém quer salvar o planeta, tudo o que tem de fazer é deixar de comer carne. O vegetarianismo lida com muitas coisas simultaneamente: ecologia, fome, crueldade”.
Há várias evidências de que o ex-beatle tem razão. A produção de 1 quilo de carne requer muito mais recursos naturais e polui muito mais do que a de 1 quilo de legumes. Um artigo publicado em 2003 no American Journal of Clinical Nutrition compara o custo ambiental de diferentes dietas proteicas. A conclusão: o consumo de carne demanda de 6 a 17 vezes mais solo do que o de soja, de 4,4 a 26 vezes mais água e de 2,5 a 50 vezes mais combustíveis fósseis. O alto grau de variabilidade dessas proporções está relacionado às diferentes condições de solo e de pluviosidade, ao tipo de rebanho e de sementes nas diversas partes do mundo.
Lembremos, também, um estudo divulgado pelo Banco Mundial em 2003, que aponta a pecuária de corte como a maior responsável pelos desmatamentos ocorridos na Amazônia durante os anos 90. Ou ainda os 80 milhões de toneladas de metano que a fermentação dos alimentos no estômago do rebanho bovino mundial produz anualmente, incrementando o aquecimento global. Ou o imenso volume de resíduos produzidos pela criação de suínos. E por aí vai.
Ser vegetariano e reduzir seus impactos individuais sobre a natureza pode parecer fácil, mas não é. Para começar, é difícil determinar quais produtos industrializados levam aditivos de origem animal. Há alguns anos, quando começaram a pipocar casos do mal da vaca louca, descobriu-se que algumas vinícolas francesas ainda adotavam um sistema antigo que exige a adição de sangue bovino coagulado para permitir a concentração e a remoção das impurezas.
Em outro episódio, a rede McDonald’s teve de indenizar um grupo de consumidores vegetarianos e hinduístas em US$ 10 milhões porque veio à tona que, na época, a empresa utilizava um condimento com extrato de carne na produção de batatas fritas.
Além disso, o ex-carnívoro tem de conviver com a saudade daquela picanha fatiada ou do camarão na moranga. Para ajudá-lo, cresce o mercado da pseudocarne, do leite de amêndoas, da lagosta vegetal, do camembert de soja. Algumas pesquisas indicam que ele já se aproxima dos US$ 3 bilhões só nos Estados Unidos.
Por fim, ele tem de resistir à pressão de seus pares, já que churrascos, macarronadas à bolonhesa e sukiakis são elementos centrais de inúmeros grupos sociais. O jeito é recusar polidamente, levar seu lanchinho e citar, mais uma vez, Paul McCartney:“Se os abatedouros tivessem telhado de vidro, todos virariam vegetarianos”.