O mundo pede redução na geração de resíduos e menor exploração de recursos naturais. Na contramão, a sociedade moderna usa e abusa das embalagens descartáveis, amparada no argumento da assepsia
Por Carolina Costa
A cena é familiar a quem tem o hábito de comer na rua: mal você se aproxima do balcão, surge um atendente de avental, cabelos presos numa redinha, luvas de plástico transparente e, às vezes, até um protetor descartável escondendo o nariz e a boca.
Enquanto o paladino da higiene prepara um singelo misto-quente, você se distrai lendo a propaganda impressa no papel que reveste a bandeja plástica. Lanche pronto, o atendente lhe entrega um saquinho com talheres de plástico, outro com o guardanapo descartável, e um copo plástico, além de mostarda e catchup acondicionados em pequenas embalagens. Não se esqueça de levar canudo e palito de dente, meticulosamente ensacados em invólucros de papel. De posse de sua refeição, vem a melhor parte: quando o rapaz lhe devolve o troco com a mesma mão que usou para preparar o lanche.
Numa sociedade obcecada por higiene, a indústria dos descartáveis deita e enrola. A cada minuto, 1 milhão de sacos plásticos são consumidos no mundo. Só no Brasil, são produzidas 210 mil toneladas de plástico fi lme por ano, o material que origina as sacolas que vão infestar supermercados, padarias, videolocadoras e outros estabelecimentos comerciais. Embalagens plásticas isolam alimentos de microrganismos nocivos à saúde. Protegem brinquedos que bebês levam à boca. Envolvem de remédios a sementes, passando por material escolar, roupas, jornais e revistas. Até mesmo pedágios já oferecem o troco hermeticamente embalado em um saquinho plástico.
A assepsia é o argumento mais contundente para o crescimento avassalador de embalagens descartáveis. Afinal, quem não se sente bem ao entrar em um banheiro público e notar que há um protetor de assento descartável, um saquinho para embalar o absorvente e um porta-toalhas com papel de alta absorção? Com medo de tocar naquela torneira imunda? Não precisa se aborrecer tendo de usar as costas das mãos para verter a água: em muitos banheiros, a torneira funciona com o simples aproximar das mãos. Dez anos atrás, esse aparato de limpeza não fazia parte nem mesmo dos sonhos dos maiores higienistas — e isso porque ele era absolutamente dispensável.
Um banheiro limpo ou um canudo sem germes são coisas louváveis. Até poucos anos atrás, quem viajava pelas rodovias brasileiras achava preferível esvaziar a bexiga no matagal à beira da estrada a correr o perigo sanitário de usar um toalete de posto de gasolina. E, no entanto, não há estatísticas que apontem crescimento no número de tóxico-infecções: não há muitos relatos de gente que morreu por ter freqüentado vasos sanitários suspeitos, que tenha pegado doença grave por segurar o troco do pedágio ou que tenha fi cado de cama após tomar refrigerante com um canudo tocado por outras mãos.
“Quanto menos o alimento é manipulado, mais seguro ele se torna, mas não há dados que apontem um crescimento nos casos de contaminação por meio dos utensílios usados na alimentação”, destaca Pedro Manuel Germano, professor titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. “Nada que bons hábitos de educação à mesa não resolvam.”
Não é só que os donos de restaurantes não confiem na higiene de seus funcionários. Também não confiam na higiene dos clientes, motivo pelo qual a casquinha do sorvete vem agora envolta em um invólucro de papel, mesmo depois de ter sido preparada por um atendente que usasse luvas, avental, redinha de cabelo, boné, óculos especiais e, possivelmente, pinças e um escafandro. Do que se conclui que você não tem as mãos limpas o bastante para segurar o próprio sorvete.
Em um país quente como o nosso, o cuidado com a assepsia é bastante saudável. Se souber escolher aonde vai fazer sua próxima refeição, você pode ir tranqüilamente a um restaurante sem medo de pegar uma hepatite por causa de talheres mal lavados: basta pedir um jogo de copo, garfo e faca descartáveis. Ao recebê-los embaladinhos, pode ter a certeza de que, antes de você, nenhuma pessoa tocou neles. São os seus talheres, e de mais ninguém.
“Vivemos em uma sociedade cada vez mais individualista. A embalagem que envolve o produto vende a idéia de que aquilo é único, feito exclusivamente para você”, pondera o psicanalista Rubens Volich, do Instituto Sedes Sapientiae. Volich chama a atenção para o limite tênue que existe entre a justificada preocupação com a higiene e a pura neurose.
Uma rápida passada por uma loja de produtos de limpeza mostra como o mundo tem levado a sério o medo da contaminação. De desodorantes a lâmpadas fluorescentes, é crescente a oferta de produtos com germicidas, bactericidas, fungicidas e outros “icidas” essenciais. É possível banir os germes dos dentes, do cabelo, do corpo, dos brinquedos, de roupas íntimas, de meias, colchões e edredons. Melhor dizendo: é possível ter a ilusão de que está desinfetado porque, de fato, a única coisa que você consegue ao lavar seu travesseiro é ter ácaros mais limpos, como aponta o jornalista Bill Bryson em seu best-seller Breve História de Quase Tudo.
“Se você tem bons hábitos de higiene, terá um rebanho de cerca de 1 trilhão de bactérias pastando em suas planícies carnudas – cerca de 100 mil em cada centímetro quadrado de pele”, afirma Bryson, para depois explicar que “elas estão ali para consumir os aproximadamente 10 bilhões de flocos de pele que você perde todo dia, além dos óleos saborosos e minerais fortificantes que gotejam de cada poro e fissura.”
Se o ser humano não passa de um agradável hotel ambulante de germes e bactérias – e, na maior parte do tempo, nossa vizinhança é relativamente tranqüila, exceto pelo eventual resfriado ou dor de garganta –, então por que vivemos tão preocupados em não nos contaminar? Por que todas essas embalagens e saquinhos protetores para tudo? “A pergunta é contra que tipo de contaminação queremos nos proteger”, diz Volich. “O germe é uma ameaça, é a representação do diferente, é aquilo que a formação de guetos representa na escala social. Conheço gente que, se pudesse, usaria um germicida para acabar com toda uma cidade.”
De mochilas e vilãs
Quando a paranóia da limpeza se associa à neurose da praticidade, o resultado pode ser assustador. Nunca foram produzidas tantas sacolas e embalagens plásticas como nos últimos anos. Cada cidadão americano consome 130 quilos de plástico por ano (contra 24 quilos dos brasileiros). É um consumo tão grande de resina fóssil que espanta que o mundo ainda tenha petróleo para transformar em gasolina.
As pessoas simplesmente levam para casa qualquer coisa que seja feita de polietileno ou polipropileno – desde que seja de graça, tenha alças e sirva para forrar o cesto de lixo. Estima-se que a família média brasileira consuma 66 sacolinhas descartáveis por mês. Se você esticar e enfileirar os sacos plásticos coletados durante um ano, terá uma trilha de 396 metros de material impermeável, que vai precisar de um ou mais séculos para desaparecer do planeta. Muitas famílias chegariam fácil a uma trilha de um quilômetro ou mais.
É simples entender por que as sacolas são tão populares. Podem ser feitas em grande variedade de cores, tamanhos e espessuras. São flexíveis, dobráveis, leves, resistentes e ridiculamente baratas – no mais das vezes, gratuitas. São tão onipresentes que é difícil imaginar como devia ser paleozóica a vida de quem ia ao mercado 50 anos atrás.
Agora, a sociedade que foi tão bem servida pelas sacolas plásticas enfim parece ter se dado conta de que elas não são propriamente benéficas. Sacos descartáveis são os principais responsáveis pelo entupimento de bueiros e bocas-de-lobo. Um ventinho é capaz de enrolá-los em fios de alta tensão ou de descarregá-los em rios e córregos. Isso sem falar no lixo: a sacolinha de supermercado deixa impermeável todo o seu conteúdo, atrasando em séculos a decomposição orgânica. Se quiser deixar um recado para seu tataraneto abrir em 2107, já sabe, coloque-o em um saquinho plástico.
Tornadas vilãs do pensamento ecológico, as sacolas plásticas começam a ser alvo de uma porção de projetos de lei bem-intencionados, mas pouco esclarecedores. Ao menos seis estados tentam normatizar a venda e a distribuição de sacolinhas em supermercados e padarias. Se aprovar o projeto de lei no 12.443, Florianópolis (SC) deve ter uma das normas mais duras do País, com multa de R$ 5 mil para o estabelecimento que ousar embalar as compras do cliente com sacolas de plástico tradicional.
Em São Paulo, uma proposta municipal e outra estadual foram vetadas até que se descubra mais sobre o potencial tóxico do plástico oxibiodegradável, um polímero aditivado oferecido como alternativa ao plástico tradicional porque, teoricamente, decompõe-se em 18 meses. Em setembro, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente deve lançar uma campanha pelo uso de sacolas não descartáveis. No Paraná, boa parte dos estabelecimentos comerciais já trabalha com sacolas feitas desse material, embora muitos especialistas afirmem que sua composição inclui metais pesados – níquel, cobalto, ferro e manganês –, o que tornaria as sacolas plásticas invisíveis, mas não menos danosas ao meio ambiente.
Enquanto não se chega a um consenso a respeito do oxibiodegradável, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e a Copersucar começam a produzir as primeiras sacolas feitas de cana-de-açúcar. Resultado de seis anos de pesquisa e investimentos de mais de R$ 2,5 milhões, o bioplástico decompõe-se em cerca de cem dias, liberando apenas água e gás carbônico no meio ambiente.
De olho nesse mercado promissor, a Basf, uma das maiores empresas químicas do mundo, lançou em maio passado o Ecobras, plástico feito de combustível fóssil e amido de milho, totalmente biodegradável. Por trás da novidade, novamente o Brasil, dessa vez na figura da afiliada local da Corn Products, multinacional que domina a síntese de amidos. Além da cana e do milho, batata, beterraba, mandioca e mamona são algumas das matérias-primas também testadas para originar o chamado plástico verde. Por mais estranho que possa parecer, há quem veja nessa uma solução tão nefasta quanto os próprios sacos plásticos.
“Não tem cabimento usarmos terra fértil para plantar mandioca que vai virar plástico”, protesta Cláudio José Jorge, presidente da Fundação Verde, entidade que há 8 anos batalha pela implementação de sacolas de pano no comércio de Maringá (PR). “Temos de lembrar que uma sacola plástica demora um segundo para ser fabricada, é utilizada em uma hora e o planeta a recebe de herança por até 500 anos. É uma pisada ecológica muito grande.”
A questão não é exclusividade brasileira. Em muitos países, a opção foi banir as sacolas de plástico, em outros, cobrar por elas, seja na forma de impostos ou diretamente do consumidor (quadro na página ao lado). O sociólogo e escritor Marcelo Coelho é a favor da cobrança. “Não dá para querer um pensamento ecológico sem pensar no bolso. Enquanto o plastiquinho não me custar nada, enquanto uma folha de papel custar centavos, ninguém vai conseguir que as pessoas levem menos sacolas para casa ou usem os dois versos do papel.”
Taxar as sacolinhas, no entanto, promete ser um desafio para qualquer político. “Cobrar pelas sacolinhas? Sou super contra!”, critica a cantora e professora de música Duda Ribeiro. Para ela, as sacolas são práticas porque embalam o lixo produzido em sua casa e na escola, onde ela, sempre que pode, fala aos alunos sobre a importância da reciclagem. “Você não sai de um supermercado sem pagar. Tudo está incluído no preço dos produtos, ou seja, o supermercado já cobra pela sacolinha que entrega como se fosse de graça.”
A queixa de Duda Ribeiro não é sem motivo. Um supermercado de porte médio chega a gastar até R$ 15 mil com a compra de sacos de plástico. Ainda assim, há quem pareça estar disputando o Troféu Desperdiçador Contumaz. “Outro dia, uma senhora pediu para eu colocar cada produto em uma sacolinha diferente”, comenta Iron Pereira e Silva, empacotador há oito anos. Depois de se negar a embalar as compras da cliente e causar uma pequena comoção nos caixas vizinhos, com inflamados protestos pró e contra sacolas, Iron acabou levando um pito do gerente. Pois é, o cliente tem sempre a palavra final – resta saber por quanto tempo mais a natureza será condescendente com essa lógica.
O MUNDO DE SACO CHEIO
TAXAR, SUBSTITUIR OU BANIR: VÁRIOS PAÍSES BOICOTAM A ONIPRESENÇA DAS SACOLAS
por Flavia Pardini
A conservação do meio ambiente é um dos pilares da felicidade no Butão, onde se mede desenvolvimento pela Felicidade Nacional Bruta em vez do Produto Interno Bruto. Faz sentido, então, que no Butão sejam proibidos o uso e a venda de sacolas plásticas. Feitas a partir do petróleo e com longo tempo de decomposição, elas degradam o meio ambiente e, portanto, a felicidade nacional.
O boicote vigora desde 1999, ano em que outros locais também começaram a prestar atenção aos aparentemente inofensivos sacos plásticos. A ilha francesa da Córsega e Khumbu, região do Nepal que abriga o Monte Everest, também baniram as sacolas em 1999. A partir daí, outros se juntaram ao grupo: Taiwan, Bangladesh, Ruanda, partes da Índia e África do Sul, onde usar plástico para carregar as compras pode dar cadeia.
Adesão recente foi a da cidade de San Francisco, que este ano proibiu grandes supermercados de oferecer sacolas plásticas aos consumidores. É a primeira cidade a banir o plástico nos EUA, templo do consumo moderno que usa cerca de 100 bilhões de sacolas por ano, com custo estimado de US$ 4 bilhões para os comerciantes. Na maior parte do país, o consumidor é apenas instado a escolher: Paper or plastic?
Em vez de boicote, alguns preferem uma pinçada no bolso para incentivar a mudança de comportamento. A Irlanda consumia 1,2 bilhão de sacolas por ano até que o governo instituiu, em 2002, a PlasTax, uma taxa de 15 centavos de euro por sacola, a cargo do cliente. A reação foi imediata, com queda de 90% no consumo de sacolas em 2003, mas não duradoura.
O uso do plástico voltou a aumentar e, embora não tenha alcançado patamar pré-2002, o governo agiu de novo. Este ano, elevou a taxa para 22 centavos e tenta convencer a população de que esse, ao contrário dos demais, é um imposto que se deve evitar pagar.
Mesmo assim, estima-se que tenha recolhido cerca de 50 milhões de euros desde o início da cobrança — os recursos são destinados a projetos ambientais. Na Alemanha, não há política oficial, mas a maioria dos supermercados cobra, há anos, de 5 a 25 centavos de euro por sacola. Outra estratégia foi escolhida pelos australianos, que em 2005 usaram 3,92 bilhões de sacolas. O governo, em consulta com a indústria e o comércio, instituiu em 2003 um código de práticas com prazos e percentuais para a redução do número de sacolas oferecidas pelos grandes supermercados — 25% em 2004 e 50% em 2005.
Determinou ainda que pelo menos 15% dos itens fossem coletados e reciclados. A redução chegou a 41% em 2005, mas a reciclagem ficou bem abaixo da meta, em 3%. Enquanto o governo australiano considera banir as sacolas ou impor uma taxa no estilo irlandês, a campanha para educar o consumidor continua, sob o slogan: “Coloque um meio ambiente melhor na sacola”. E seja feliz!