Por Regina Scharf
Não é todo dia que se esbarra num empreendedor como Robert “Dude” Perry. “Sou o que chamam de xamã, viajo para rezar pelas pessoas”, diz esse homem grandalhão, de rosto afogueado e longa trança aloirada. Filho de um índio Shoshone-Bannock e uma branca, ele é adepto dos sweat lodges, uma espécie de sauna ritual comum entre tribos americanas. Mas sua principal atividade é a promoção da All My Relations, empresa que criou na reserva de Fort Hall, em Idaho, perto da fronteira com o Canadá.
Seu produto é um sistema de injeção de hidrogênio que amplia a eficiência de motores veiculares. Segundo Perry, o dispositivo permite que um Hummer — o mastodonte poluente tão comum nas garagens americanas — amplie em 30% a eficiência do seu motor, com uma redução proporcional de poluentes. O sistema, alimentado apenas com água e pela bateria do próprio veículo, pode ser adaptado até mesmo num ônibus ou numa Harley- Davidson.
O xamã empreendedor, para quem a energia da água há de salvar o mundo, é uma figura cada vez mais comum na paisagem. A vida econômica dos indígenas americanos já não se limita ao comércio de artesanato e aos cassinos. Índios e esquimós dirigem 200 mil empresas, com um faturamento conjunto que supera os US$ 27 bilhões, segundo estudo divulgado no ano passado pelo equivalente do IBGE nos EUA, com base em dados de 2002. Boa parte delas, quase um terço, trabalha com construção civil e consertos domésticos, mas também são muitas as que oferecem outros serviços, ou que atuam nas áreas de saúde, consultoria técnica e profissional, e no varejo. Seu faturamento médio é menos de um décimo daquele do conjunto das pequenas empresas americanas, mas é gigantesco se comparado com os proventos dos índios brasileiros.
E esses números nem sequer incluem cassinos — uma indústria que garantiu aos nativos US$ 25 bilhões em 2006, o dobro do faturamento registrado em 2001, segundo a National Indian Gaming Commission— e outras iniciativas pertencentes ao conjunto da comunidade. Já faz 20 anos que a Suprema Corte determinou que as nações indígenas tinham plena liberdade de administrar cassinos e bingos, sem que o Estado dê palpites. Os resultados são, como se pode imaginar, agridoces.
Um estudo conduzido pelo Departamento de Economia da Universidade de Maryland, verificou que, quatro anos após a abertura de um cassino tribal, o nível de emprego havia crescido 26% e a população, 12%. Naturalmente, entre os quase 400 cassinos e bingos mantidos pelos indígenas, os mais bem-sucedidos são aqueles próximos a grandes cidades, capazes de elevar consideravelmente a qualidade de vida nas reservas. Mas o jogo tem seu preço: nesse mesmo intervalo de tempo, as taxas de falência, crimes violentos e roubos de veículos aumentaram 10%.
Das 200 mil empresas indígenas em atividade, mais de 3.600 faturam acima de US$ 1 milhão. A líder é a Red Man Pipe and Supply, de Oklahoma, que ultrapassa o bilhão. Fundada em 1977 por Lewis Ketchum, chefe tribal do Delaware, ela fornece suprimentos e tubulações para a indústria do petróleo e outros setores.
Mas não há dúvida de que a estrela das empresas dirigidas por indígenas é a NativeEnergy, que fez a compensação das emissões de carbono geradas na produção do documentário sobre aquecimento global Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore.
Ela também presta esse tipo de serviço para empresas líderes em termos de sustentabilidade, como Interface, Aveda e Ben & Jerry. Seu sócio majoritário é o Intertribal Council on Utility Policy, uma ONG que representa uma série de tribos das Grandes Planícies do Norte dos EUA. O diferencial da NativeEnergy é oferecer créditos de carbono com um quê a mais. No caso, o apoio a projetos energéticos, sobretudo sistemas eólicos e biodigestores, em reservas indígenas, áreas isoladas do Alasca ou pequenas propriedades rurais.
Como disse o Sioux Patrick Spears, presidente do Intertribal Council, quando este adquiriu sua participação na NativeEnergy, em 2005: “Este é um grande dia para todos os indígenas americanos. Estamos demonstrando que viver em harmonia com a Mãe Terra não é bom apenas para a natureza, mas também para os negócios”. A NativeEnergy e a All My Relations são apenas dois exemplos dirigidos a partir de reservas indígenas e que exploram o filão da sustentabilidade. Como diz Dude Perry, ser indígena está longe de atrapalhar. “Isso até ajuda com o marketing”, afirma. Oxalá um dia seus colegas brasileiros possam trilhar o mesmo caminho.