Canudos concentra simbolismos cuja atualidade perdura ao longo da história brasileira. Palco do maior enfrentamento bélico entre uma população sublevada e forças do Estado nacional, que resultou em mais de 25 mil mortos, o território, no sertão da Bahia, foi inundado em 1969 pelas águas de um açude financiado pelo governo federal. O AI-5, marco do início da fase mais violenta da ditadura militar, havia sido promulgado poucos meses antes.
Em um morro das redondezas, onde no fim do século XIX ficaram aquartelados os soldados que acabaram por destruir a cidade-Estado de Antônio Conselheiro, havia grande abundância de uma planta chamada “favela”. Quando voltaram e se instalaram no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, Favela passou a ser o apelido do lugar. Numa ironia reveladora, os “vitoriosos” inauguraram um novo território semântico de marginalização.
Por meio da palavra “favela”, as atuais contradições entre Estado e povo, ordem e exclusão, demandas sociais e repressão conectam-se a Canudos. Hoje, em morros e periferias do País, os métodos das tropas mostram-se pouco alterados. E em muitas partes do sertão, inclusive na terceira Canudos (a segunda, formada logo depois do massacre, também foi coberta pela água), a vida parece igualmente parada no tempo.