Se a sustentabilidade é mesmo possível, esconde-se em meio às tulipas. Em menos de uma geração, a Holanda conseguiu provar que uma sociedade pode minimizar seus impactos negativos, sem estagnar a economia.
As evidências estão por toda parte. Ao longo das duas últimas décadas, o país reduziu drasticamente a poluição dos rios e cortou as emissões atmosféricas em pelo menos 60%. As energias limpas representam mais de 5% da eletricidade gerada e o governo determinou como meta que cheguem a 9% até 2010. Os antigos moinhos deram lugar a 1.560 megawatts de turbinas eólicas – quase sete vezes mais do que a energia produzida pelo vento no Brasil. Por isso, a Holanda está muito perto de cumprir as metas do Protocolo de Kyoto. Metade da redução das emissões virá de mudanças de processos, e o restante, de operações de crédito de carbono e implementação conjunta.
A reciclagem também atingiu níveis raros no resto do mundo. Devido aos incentivos governamentais e à falta de espaço para a construção de aterros, tudo, absolutamente tudo, é reaproveitado. Pelo menos 60% do lixo doméstico é reciclado. Os efluentes da pecuária, um grande problema em um país com enormes criações de suínos e aves, passam por secagem e alimentam biodigestores. E os holandeses são recordistas mundiais na reciclagem de veículos. Nove em cada dez carros inutilizados vão para empresas especializadas em um desmanche praticamente total.
Os dois outros lados do tripé da sustentabilidade também vão bem. A Holanda tem o décimo melhor Índice de Desenvolvimento Humano (que leva em conta educação, longevidade e renda) e é um dos líderes mundiais em generosidade – 0,8% do Produto Interno Bruto é enviado como ajuda a países pobres. Isso tudo não reduz a competitividade do país, cujo PIB cresceu 2,9% no ano passado, chegando a meio trilhão de euros.
É irônico que um país tão bem-sucedido corra o risco real de submergir em função do aquecimento global. Metade do território está abaixo do nível do mar – são terras conquistadas graças aos polders construídos a partir da Idade Média. Se o nível dos oceanos vier a subir como se prevê, a Holanda como hoje a conhecemos pode virar história.
O país também sufoca com a enorme densidade demográfica – 400 pessoas por quilômetro quadrado. No Estado de São Paulo, o mesmo indicador está na faixa de 164. Esse quadro ajuda a explicar por que a conservação dos recursos naturais e o controle da poluição são encarados como desafios pessoais por muitos holandeses. Há um militante do Greenpeace em cada esquina e a Família Real é ambientalista de carteirinha.
O príncipe herdeiro, Willem-Alexander, é um paladino da qualidade da água e preside o Conselho Consultivo da ONU sobre Água e Saneamento. Seu avô, o príncipe Bernhard, foi o primeiro presidente do WWF, em 1961. Mas foi a rainha Beatrix, mãe de Willem-Alexander e filha de Bernhard, quem desencadeou uma revolução na história ambiental do reino.
Era 1988, e a rainha dirigiu-se ao Parlamento no tradicional discurso natalino. Os meses anteriores haviam sido marcados por grande mortandade de focas na costa holandesa e pela divulgação de um diagnóstico alarmante dos problemas ambientais nacionais. Beatrix descreveu um “mundo entrevado pelo egoísmo humano e pelo desejo de dominação do próximo e da natureza”. Para ela, o “futuro da própria Criação está em jogo”. A rainha conclamou, então, seus súditos a arregaçar mangas e a mudar seu modo de vida e a cara do país. O discurso causou comoção nacional.
Daí nasceu a primeira Política Ambiental Nacional, que estabelecia prazo de 25 anos para que a Holanda fosse saneada e convertida em exemplo de sustentabilidade. Lançada em 1989, ela foi revolucionária porque, já naquela época, propunha mudanças nos padrões de consumo e crescimento, e por trocar o modelo de “comando e controle” pela negociação de compromissos com o setor privado. A política levou o governo a fechar acordos com centenas de milhares de empresas e com representantes setoriais, definindo estratégias e cronogramas para o controle da poluição, a conservação de energia e o aprimoramento de produtos. Embora tais acordos fossem voluntários, estabeleciam metas que passavam a ser compulsórias. Além de propor as próprias metas, as empresas podiam negociar subsídios para novas tecnologias e obter benefícios tributários quando superassem os objetivos. Não é para menos que a iniciativa conseguiu o apoio do setor privado.
Revisada a cada cinco anos, com ampla participação de todos os stakeholders, a política conta com orçamento generoso. Os desembolsos para a conservação ambiental realizados por governo, empresas e outras organizações holandesas somaram 13 bilhões de euros no ano passado, algo na faixa de 2,5% do PIB. Para efeito de comparação: entre 2000 e 2005, o Ministério do Meio Ambiente brasileiro aplicou o equivalente a 3 bilhões de euros, segundo levantamento divulgado em 2006 pela Conservação Internacional.
Quando as águas começarem a subir, o investimento e o engajamento dos empresários, da população e da rainha virão a calhar. Se há alguém com chance de reinventar a realidade e superar um desastre ambiental, são os holandeses.