Por Rachel Biderman
Consumir de forma sustentável soa como uma contradição de termos. A palavra consumir indica: dar cabo de algo, utilizar um bem até o fim. O movimento em prol da sustentabilidade, entretanto, adotou a idéia do consumo sustentável como um objetivo amplo, até mesmo utópico, em que o papel de cada ator social se faz relevante. Setor privado, indivíduos, organizações não governamentais e governos têm refletido a respeito do consumo sustentável, e, aos poucos, incorporam boas práticas nessa direção.
O movimento em favor das compras sustentáveis por entidades públicas ou privadas é forte na Europa e nos Estados Unidos, onde governos em várias esferas aprovaram normas e criaram sistemas para garantir a aquisição de bens que incorporem, em seu ciclo de vida, elementos de sustentabilidade ambiental ou social. No Brasil, a discussão sobre o tema não tem mais que cinco anos. Mas chegou ao setor de compras e contratações dos governos pela porta da frente, o Congresso Nacional.
O Legislativo discute desde o início do ano alterações na Lei no 8.666, que rege as compras públicas nacionais, visando a inserção de critérios ambientais nas licitações. A proposta foi encaminhada ao Congresso pelo governo federal em função das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e prevê mudanças para simplificar processos e introduzir métodos eletrônicos para tornar as compras mais transparentes e monitoráveis pela sociedade.
A inclusão de critérios ambientais na proposta foi articulada por ONGs, os ministérios do Meio Ambiente e do Planejamento e parlamentares sensíveis à causa ambiental. Com isso, ao apreciar as mudanças na chamada Lei de Licitações, os congressistas decidirão também sobre a obrigatoriedade de compra de madeira originária de exploração legal e manejo sustentável e a inserção de critério geral de sustentabilidade ambiental como orientador das compras e contratações públicas.
Embora recente, o tema chega ao Congresso com histórias bem-sucedidas. Em audiência pública no início de novembro na Câmara dos Deputados, Greenpeace, WWF, Conservation International e SOS Mata Atlântica expuseram a importância das compras públicas na proteção de biomas ameaçados como a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica. Foram apresentados também, por representantes do Iclei – Governos Locais pela Sustentabilidade e da FGV, casos concretos nacionais e internacionais.
Um bom exemplo é o projeto “Cidades Amigas da Amazônia”, do Greenpeace, que abarca quase uma centena de municípios. Essas cidades, ao aderir ao programa, comprometem-se a assumir meta de eliminar a compra de madeira ilegal. O projeto põe o tema da ecolicitação – ou licitação sustentável – na ordem do dia dos governos municipais e dá visibilidade ao tema na mídia. Estimula ainda a consciência dos tomadores de decisão na esfera pública a respeito do desmatamento ilegal e incentiva a compra de madeira oriunda de manejo sustentável, com o cumprimento da legislação ambiental sobre corte e transporte desse insumo.
A reação dos deputados em geral foi favorável: as compras sustentáveis são capazes de impulsionar as economias locais se boa parte dos produtos e serviços procurados pelos governos tiver origem nos próprios municípios.
QUEM COMPRA DECIDE
O Poder Executivo coleciona experiências positivas no campo das compras sustentáveis. Os governos do estado e do município de São Paulo, pioneiros no debate e na formulação de políticas públicas, adotaram normas obrigando a compra de madeira de origem legal e criaram mecanismos de fiscalização para garantir que a entrada e comercialização do produto em seu território tenha procedência autorizada e legal. Hoje se concentram no setor de construção civil, buscando garantir que os insumos para as obras públicas, em particular as de habitação popular, atendam a critérios de sustentabilidade ambiental.
O cimento proveniente da reciclagem do entulho de obras, a madeira de origem legal e manejo sustentável, os equipamentos hidráulicos que economizam água e as lâmpadas eficientes no uso de energia são alguns produtos considerados nas iniciativas desses governos. O município de São Paulo passou a obrigar o uso de equipamento solar para aquecimento de água em empreendimentos de grande porte e em estabelecimentos públicos como creches e hospitais. A iniciativa faz todo sentido em uma cidade ensolarada durante quase 80% do ano.
Outros órgãos públicos, como o Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e o Ministério Público do Estado de São Paulo – que já adota práticas sustentáveis em suas compras – têm promovido debates para conscientizar seus agentes. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo prepara-se para o processo. Exemplo pioneiro no Judiciário foi dado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da Região Sul do País, na compra de papel reciclado para uso interno e correspondência.
O Iclei, com apoio do governo britânico, criou um fórum nacional para intercâmbio de informações e experiências no tema das licitações sustentáveis, com participação dos governos de Minas Gerais, do estado e do município de São Paulo e das prefeituras de Betim e Porto Alegre. Em breve, a Bahia deve aderir. Esse espaço se insere em programa internacional do Iclei, que alimenta o processo de discussão e formulação de políticas e soluções para o consumo e a produção sustentáveis, no âmbito do Grupo de Trabalho de Marrakech, criado pelo Conselho de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Com tantas experiências e a demanda da sociedade, resta aos congressistas aprovar as alterações na Lei no 8.666 para tornar as licitações mais sustentáveis.
Rachel Biderman é Coordenadora do Programa de Consumo Sustentável do Gvces.
Por Rachel Biderman
Consumir de forma sustentável soa como uma contradição de termos. A palavra consumir indica: dar cabo de algo, utilizar um bem até o fim. O movimento em prol da sustentabilidade, entretanto, adotou a idéia do consumo sustentável como um objetivo amplo, até mesmo utópico, em que o papel de cada ator social se faz relevante. Setor privado, indivíduos, organizações não governamentais e governos têm refletido a respeito do consumo sustentável, e, aos poucos, incorporam boas práticas nessa direção.
O movimento em favor das compras sustentáveis por entidades públicas ou privadas é forte na Europa e nos Estados Unidos, onde governos em várias esferas aprovaram normas e criaram sistemas para garantir a aquisição de bens que incorporem, em seu ciclo de vida, elementos de sustentabilidade ambiental ou social. No Brasil, a discussão sobre o tema não tem mais que cinco anos. Mas chegou ao setor de compras e contratações dos governos pela porta da frente, o Congresso Nacional.
O Legislativo discute desde o início do ano alterações na Lei no 8.666, que rege as compras públicas nacionais, visando a inserção de critérios ambientais nas licitações. A proposta foi encaminhada ao Congresso pelo governo federal em função das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e prevê mudanças para simplificar processos e introduzir métodos eletrônicos para tornar as compras mais transparentes e monitoráveis pela sociedade.
A inclusão de critérios ambientais na proposta foi articulada por ONGs, os ministérios do Meio Ambiente e do Planejamento e parlamentares sensíveis à causa ambiental. Com isso, ao apreciar as mudanças na chamada Lei de Licitações, os congressistas decidirão também sobre a obrigatoriedade de compra de madeira originária de exploração legal e manejo sustentável e a inserção de critério geral de sustentabilidade ambiental como orientador das compras e contratações públicas.
Embora recente, o tema chega ao Congresso com histórias bem-sucedidas. Em audiência pública no início de novembro na Câmara dos Deputados, Greenpeace, WWF, Conservation International e SOS Mata Atlântica expuseram a importância das compras públicas na proteção de biomas ameaçados como a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica. Foram apresentados também, por representantes do Iclei – Governos Locais pela Sustentabilidade e da FGV, casos concretos nacionais e internacionais.
Um bom exemplo é o projeto “Cidades Amigas da Amazônia”, do Greenpeace, que abarca quase uma centena de municípios. Essas cidades, ao aderir ao programa, comprometem-se a assumir meta de eliminar a compra de madeira ilegal. O projeto põe o tema da ecolicitação – ou licitação sustentável – na ordem do dia dos governos municipais e dá visibilidade ao tema na mídia. Estimula ainda a consciência dos tomadores de decisão na esfera pública a respeito do desmatamento ilegal e incentiva a compra de madeira oriunda de manejo sustentável, com o cumprimento da legislação ambiental sobre corte e transporte desse insumo.
A reação dos deputados em geral foi favorável: as compras sustentáveis são capazes de impulsionar as economias locais se boa parte dos produtos e serviços procurados pelos governos tiver origem nos próprios municípios.
QUEM COMPRA DECIDE
O Poder Executivo coleciona experiências positivas no campo das compras sustentáveis. Os governos do estado e do município de São Paulo, pioneiros no debate e na formulação de políticas públicas, adotaram normas obrigando a compra de madeira de origem legal e criaram mecanismos de fiscalização para garantir que a entrada e comercialização do produto em seu território tenha procedência autorizada e legal. Hoje se concentram no setor de construção civil, buscando garantir que os insumos para as obras públicas, em particular as de habitação popular, atendam a critérios de sustentabilidade ambiental.
O cimento proveniente da reciclagem do entulho de obras, a madeira de origem legal e manejo sustentável, os equipamentos hidráulicos que economizam água e as lâmpadas eficientes no uso de energia são alguns produtos considerados nas iniciativas desses governos. O município de São Paulo passou a obrigar o uso de equipamento solar para aquecimento de água em empreendimentos de grande porte e em estabelecimentos públicos como creches e hospitais. A iniciativa faz todo sentido em uma cidade ensolarada durante quase 80% do ano.
Outros órgãos públicos, como o Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e o Ministério Público do Estado de São Paulo – que já adota práticas sustentáveis em suas compras – têm promovido debates para conscientizar seus agentes. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo prepara-se para o processo. Exemplo pioneiro no Judiciário foi dado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da Região Sul do País, na compra de papel reciclado para uso interno e correspondência.
O Iclei, com apoio do governo britânico, criou um fórum nacional para intercâmbio de informações e experiências no tema das licitações sustentáveis, com participação dos governos de Minas Gerais, do estado e do município de São Paulo e das prefeituras de Betim e Porto Alegre. Em breve, a Bahia deve aderir. Esse espaço se insere em programa internacional do Iclei, que alimenta o processo de discussão e formulação de políticas e soluções para o consumo e a produção sustentáveis, no âmbito do Grupo de Trabalho de Marrakech, criado pelo Conselho de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Com tantas experiências e a demanda da sociedade, resta aos congressistas aprovar as alterações na Lei no 8.666 para tornar as licitações mais sustentáveis.
Rachel Biderman é Coordenadora do Programa de Consumo Sustentável do Gvces.
PUBLICIDADE