Os mercados ambientais crescem rapidamente e começam a “monetizar” ativos naturais, diz David Brand, diretor da New Forests, empresa australiana de environmental asset management
Por Flavia Pardini
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O mundo financeiro finalmente enxerga valor em ecossistemas como as florestas tropicais. O nascente mercado para conservação, impulsionado por esquemas voluntários de redução de emissões de gases de efeito estufa, toma forma em alguns projetos pioneiros. A australiana New Forests criou um banco para a biodiversidade na Malásia. Na Guiana, em troca de arcar com parte dos custos para manter a floresta, uma empresa de private equity lucra com a venda de serviços ambientais. Na ilha de Sumatra, na Indonésia, a Merrill Lynch investe para reduzir o desmatamento e gerar créditos de carbono, tornando o mecanismo de REDD (Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação) uma realidade.
Existem mercados para conservação hoje no mundo? O mercado falha em proteger as florestas tropicais porque o valor da soja, da carne, do óleo de palma (conhecido no Brasil como azeite de dendê, é extraído da palmeira Elaeis guineensis e constitui o pilar de economias no Sudeste Asiático, na África central e oeste, e na América Central) e de outras safras de commodities agrícolas está disparando, enquanto as florestas não têm valor. Isso levou a muito desmatamento nos últimos anos. O que vemos agora, porém, é muito interesse em gerar sinais de preços, ou de mercado, que levarão à criação de valor para a conservação das florestas. Parece que, com a ênfase nos projetos de REDD, com a COP em Bali (a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em dezembro, incluiu as florestas nas negociações sobre redução de gases de efeito estufa), e o interesse no mercado voluntário de carbono, é uma época interessante para acordos pioneiros nessa área.
Então não se trata de um mercado, mas de iniciativas? É um mercado, mas relativamente “estreito” (com poucos compradores e vendedores), ainda nascente. Mas o crescimento desses mercados voluntários é enorme – em 2007 o movimento foi de 40 milhões de toneladas de carbono e estima-se que ultrapassará 100 milhões de toneladas em 2008. Algumas iniciativas pioneiras tentam criar valor para a biodiversidade, é o que fizemos em Sabah (estado da Malásia), e para serviços ambientais, caso do projeto na Guiana. Há um certo número de modelos comerciais que competem entre si e começam a sair do papel.
É preciso uma abordagem comercial? Outras formas de dar valor à conservação não funcionam? Pode-se regular, mas aí tem o problema de fiscalizar. Podem-se usar fundos filantrópicos, mas a quantidade total de investimento privado ultrapassa qualquer quantia que seríamos capazes de obter de fundações ou investidores filantrópicos. Por fim, podem-se criar estruturas que permitam investimento direto de capital em conservação. O que as pessoas estão descobrindo é que essa terceira rota é a única sustentável: para proteger alguma coisa, ela tem que ter valor.
Isso porque nossa sociedade opera desta maneira,com o sistema financeiro permeando tudo. O mercado é como uma mão, vai agarrando continuamente, e, se a floresta como um ecossistema natural não tem valor, vai estar constantemente sob pressão para ser convertida em algo com uso econômico maior.
Há estimativas do custo de preservar as florestas tropicais – o Relatório Stern fala em US$ 15 bilhões por ano. Quanto podem render em termos de serviços ambientais ou retorno aos investidores? Apresentamos um paper na COP que avalia as fronteiras nas florestas tropicais: a conversão da Amazônia em pastagem, da floresta de Papua Nova Guiné em plantações de palmeira para óleo, e a produção de madeira na República Democrática do Congo. Em todos os casos, mesmo com preços modestos do carbono, entre 5 e 10 dólares por tonelada de CO2, a floresta seria mais valiosa como estoque de carbono do que se fosse convertida em commodities agrícolas.Se o preço do carbono chegar a 5 a 10 dólares, haveria uma mudança, e as pessoas, agindo de maneira economicamente racional, conservariam a floresta em vez de derrubá-la. Neste momento, porque não há mercado para o carbono a esse preço, as florestas continuam substituídas por gado, plantações de palmeiras, de soja e usadas como fonte de madeira.
Espera-se que o mercado chegue a esse preço? Está mudando rapidamente. Acabo de negociar preços para um projeto que prevê a venda de créditos de REDD, e o mercado de varejo de carbono falava em pagar de 4 a 8 dólares por tonelada. Está próximo, mas não temos volume. Estamos nos primeiros estágios do mercado, desenvolvendo os projetos pioneiros. Se trouxéssemos 50 milhões de toneladas de carbono, o mercado não compraria tudo e o preço colapsaria.
Sua empresa é responsável por um projeto pioneiro na Malásia. Como vai funcionar? Exportamos o modelo do Banco para Espécies Ameaçadas dos Estados Unidos para a Malásia. O Banco de Conservação de Habitat da Reserva Florestal de Malua tem 34 mil hectares de floresta tropical. Houve atividade madeireira na região desde 1970: um terço da área foimuito danificado, em outro terço foram retiradas apenas as árvores grandes, e no último terço nunca houve exploração de madeira. Pelo acordo, o governo do estado de Sabah entra com a terra, e cessa as atividades madeireiras na região a partir de 31 de dezembro de 2007. Nós entramos com US$ 10 milhões para reabilitar as áreas exploradas e protegê-las de qualquer exploração ou conversão futuras. Criamos um comitê assessor com representantes de ONGs e instituições científicas que vai elaborar e pôr em prática um plano de manejo e conservação permanente para a área. Aquela região tem a maior densidade de orangotango do mundo, o rinoceronte-de-sumatra – uma espécie de 30 milhões de anos quase extinta – foi visto ali, há o elefante pigmeu de Bórneu, o macaco gibão, o urso-malaio. A área vai ser dividida em unidades de 100 metros quadrados, cada crédito vai custar aproximadamente US$ 7,50, e o que as pessoas estarão efetivamente comprando é uma unidade de reabilitação e proteção permanente de floresta tropical. A idéia inicial era vender os créditos para a indústria de óleo de palma: se a empresa planta um hectare de palmeira, que produziria 5,6 toneladas de óleo de palma cru por ano, por 25 anos, ao comprar um crédito de nosso banco para cada tonelada produzida, durante toda a vida da plantação, estaria patrocinando a reabilitação e a proteção de um hectare de floresta.
É como uma compensação? Dizemos que é um crédito. Se os compradores quiserem usar como compensação, têm que apresentar dessa maneira.
Essa era a idéia inicial, o que mudou? Há demanda vindo de lugares insuspeitados, de indústrias, empresas de bens de consumo, agências de turismo e viagens, gente que tem uma cadeia de fornecimento.
Como o esquema gera retorno sobre o investimento? É uma joint venture 50-50, o governo entra com a terra, nós entramos com US$ 10 milhões – dizemos que o valor da opção sobre a terra é de US$ 10 milhões. Quando os créditos forem vendidos, 20% da receita vai para um fundo do tipo “endowment” (que administra os recursos, mantendo o principal intacto), gerido por um trustee em perpetuidade. Esse fundo pagará um dividendo, para sempre, para o manejo da conservação da área, com capacidade para investir em educação, saúde, desenvolvimento das comunidades da região, e monitorar a conservação. Retirados os primeiros 20% para o fundo, depois são pagos todos os custos do empreendimento, e o restante é o lucro, que vai 50-50 para nossos clientes e o governo.
Quem são seus clientes? Eu os chamaria de investidores em private equity muito espertos.
De onde são? Internacionais. Temos escritórios na Austrália, em San Francisco, em Washington DC e clientes em todo o mundo.
Quanto será possível remunerá-los pelo investimento? Eles terão um retorno muito bom se vendermos os créditos. Pode chegar, em termos reais, a uma taxa de retorno interna de 30% ou 40%. É um negócio de alto risco e alto retorno.
O risco é de não vender os créditos ou há algum risco relacionado à conservação da área? É o risco financeiro de que não sejamos capazes de vender os créditos. Mas estamos confiantes, fizemos pesquisa de mercado e há demanda por esses créditos. Vamos vender.
Como são comercializados? Para vender, criamos o que se chama de um documento de especificação do produto, e levamos ao mercado. Podemos vender por meio de corretores, temos também uma lista de empresas-alvo com quem vamos conversar.
Esse acordo é semelhante ao fechado pela Canopy Capital com serviços ambientais na Guiana? Não, o modelo da Guiana é diferente. Assim como o projeto de REDD em Sumatra, em que a Fauna and Flora International vendeu créditos de redução de emissões por desmatamento para a Merrill Lynch (por US$ 9 milhões). Temos um negócio com biodiversidade, há um acordo com carbono, e o da Guiana com serviços ambientais. São três tipos diferentes de modelos novos e interessantes.
Há algo acontecendo no Brasil? Há algumas propostas e projetos, mas não posso falar sobre aqueles em que estou envolvido. A grande questão é que o Brasil argumenta que deveria haver um fundo governamental. O governo do Brasil diz: tenho esta quantidade de floresta, se reduzir as taxas de desmatamento, recebo créditos que posso vender no mercado internacional. Mas a comunidade financeira não gosta disso, queremos fazer projetos em que podemos ter os direitos, que podemos monetizar e vender. Então há a dúvida: se eu for ao Brasil, fizer um projeto independente, e o governo vier e declarar que todos os créditos são estatais, eu perco tudo.
É uma incerteza de ordem política? Sim.
Há também incerteza porque o mecanismo de REDD depende de negociações internacionais em curso? Isso pode afetar os mercados que estão nascendo? Minha opinião é que os negócios de REDD estão se desenvolvendo fora de Kyoto (das regras a serem estabelecidas pelos países que ratificaram o Protocolo de Kyoto e negociam, no momento, seu substituto). O processo de Kyoto é muito lento, não é o jogo do momento. Por exemplo, a Austrália está costurando acordos bilaterais com Papua Nova Guiné e Indonésia para importar diretamente os créditos de REDD para o esquema de negociação de emissões australiano; nos EUA, a proposta de lei Lieberman- Warner (que prevê metas de redução de emissões de gases de efeito estufa) permite que os créditos de REDD sejam importados; na Califórnia é possível usar créditos de conservação florestal; há o padrão voluntário de carbono que tem um componente de REDD; há diversos mercados de varejo, a Chicago Climate Exchange, vários padrões e mecanismos de REDD estão sendo desenvolvidos. As regras de Kyoto podem estar disponíveis em dois anos, mas você sabe como é o processo de Kyoto, é como esperar tinta secar. Outros mecanismos estão correndo por fora. Não é diferente do que em outras áreas, é um mercado caótico, mas é por isso que as pessoas ganham dinheiro, porque é confuso, difícil, tecnicamente desafiador. Tivemos que contratar gente com MBA, ph.D., pessoas com grande capacidade financeira, mas também gente que sabe modelar o conteúdo de carbono nas árvores.
Os leigos têm a sensação de que o mercado financeiro lida com papel, desconectado do mundo real. Neste caso trabalha para algo concreto, a conservação da floresta, da biodiversidade? Quando a floresta não tinha valor, era invisível para o mercado, e o que o mercado fazia era simplesmente tirá-la do caminho, consumi-la, desperdiçá-la. Agora que ela tem valor, é diferente, as pessoas vão investir nela, tentar recuperá-la, melhorá-la. Minha visão é de que nossa companhia vai crescer e se tornar um fundo global de infraestrutura natural, assumindo grandes posições em estoques de carbono, florestas, ativos da biodiversidade, bancos de água etc. Esses serão ativos com um valor enorme à medida que o crescimento da economia global dobra e redobra, em que o peso da economia sobre os ecossistemas cresce.
Na sua opinião, o Brasil está ficando para trás? Sim, foi o que argumentei com o ministro-chefe de Sabah. A região é semelhante ao Brasil, pois há forte pressão da agricultura de commodities para converter a floresta, criar empregos para as pessoas nas plantações etc. Mas eles também entendem que há uma enorme percepção internacional de valor naquelas florestas, e a questão é como “monetizá-la”. Eu argumentei em favor de um modelo Silicon Valley, em que nós desenvolvemos um banco de biodiversidade, uma empresa holandesa tem um projeto de recuperação florestal, um financista suíço tem um projeto de REDD. São negócios pequenos e inovadores competindo com idéias e modelos financeiros, alguns vão dar certo, outros não, alguns vão proliferar, mas desse processo de criatividade saem muitas oportunidades de negócios. Pelo jeito o Brasil está fechando a porta para isso.
Há uma preocupação em perder a soberania sobre a Amazônia com esse tipo de abordagem. É preferível dar a floresta para a Cargill cortar e converter em soja? Países como o Brasil podem ser as superpotências desses mercados ambientais que se abrem, da mesma maneira que San Francisco é o centro da cena tecnológica e da internet. Lugares como o Brasil, Bornéu e a África tropical têm ativos super premium nesse campo e o fato de que não estão na liderança das tentativas de monetizá-los parece uma loucura.
Os mercados ambientais crescem rapidamente e começam a “monetizar” ativos naturais, diz David Brand, diretor da New Forests, empresa australiana de environmental asset management
Por Flavia Pardini
O mundo financeiro finalmente enxerga valor em ecossistemas como as florestas tropicais. O nascente mercado para conservação, impulsionado por esquemas voluntários de redução de emissões de gases de efeito estufa, toma forma em alguns projetos pioneiros. A australiana New Forests criou um banco para a biodiversidade na Malásia. Na Guiana, em troca de arcar com parte dos custos para manter a floresta, uma empresa de private equity lucra com a venda de serviços ambientais. Na ilha de Sumatra, na Indonésia, a Merrill Lynch investe para reduzir o desmatamento e gerar créditos de carbono, tornando o mecanismo de REDD (Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação) uma realidade.
Existem mercados para conservação hoje no mundo? O mercado falha em proteger as florestas tropicais porque o valor da soja, da carne, do óleo de palma (conhecido no Brasil como azeite de dendê, é extraído da palmeira Elaeis guineensis e constitui o pilar de economias no Sudeste Asiático, na África central e oeste, e na América Central) e de outras safras de commodities agrícolas está disparando, enquanto as florestas não têm valor. Isso levou a muito desmatamento nos últimos anos. O que vemos agora, porém, é muito interesse em gerar sinais de preços, ou de mercado, que levarão à criação de valor para a conservação das florestas. Parece que, com a ênfase nos projetos de REDD, com a COP em Bali (a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em dezembro, incluiu as florestas nas negociações sobre redução de gases de efeito estufa), e o interesse no mercado voluntário de carbono, é uma época interessante para acordos pioneiros nessa área.
Então não se trata de um mercado, mas de iniciativas? É um mercado, mas relativamente “estreito” (com poucos compradores e vendedores), ainda nascente. Mas o crescimento desses mercados voluntários é enorme – em 2007 o movimento foi de 40 milhões de toneladas de carbono e estima-se que ultrapassará 100 milhões de toneladas em 2008. Algumas iniciativas pioneiras tentam criar valor para a biodiversidade, é o que fizemos em Sabah (estado da Malásia), e para serviços ambientais, caso do projeto na Guiana. Há um certo número de modelos comerciais que competem entre si e começam a sair do papel.
É preciso uma abordagem comercial? Outras formas de dar valor à conservação não funcionam? Pode-se regular, mas aí tem o problema de fiscalizar. Podem-se usar fundos filantrópicos, mas a quantidade total de investimento privado ultrapassa qualquer quantia que seríamos capazes de obter de fundações ou investidores filantrópicos. Por fim, podem-se criar estruturas que permitam investimento direto de capital em conservação. O que as pessoas estão descobrindo é que essa terceira rota é a única sustentável: para proteger alguma coisa, ela tem que ter valor.
Isso porque nossa sociedade opera desta maneira,com o sistema financeiro permeando tudo. O mercado é como uma mão, vai agarrando continuamente, e, se a floresta como um ecossistema natural não tem valor, vai estar constantemente sob pressão para ser convertida em algo com uso econômico maior.
Há estimativas do custo de preservar as florestas tropicais – o Relatório Stern fala em US$ 15 bilhões por ano. Quanto podem render em termos de serviços ambientais ou retorno aos investidores? Apresentamos um paper na COP que avalia as fronteiras nas florestas tropicais: a conversão da Amazônia em pastagem, da floresta de Papua Nova Guiné em plantações de palmeira para óleo, e a produção de madeira na República Democrática do Congo. Em todos os casos, mesmo com preços modestos do carbono, entre 5 e 10 dólares por tonelada de CO2, a floresta seria mais valiosa como estoque de carbono do que se fosse convertida em commodities agrícolas.Se o preço do carbono chegar a 5 a 10 dólares, haveria uma mudança, e as pessoas, agindo de maneira economicamente racional, conservariam a floresta em vez de derrubá-la. Neste momento, porque não há mercado para o carbono a esse preço, as florestas continuam substituídas por gado, plantações de palmeiras, de soja e usadas como fonte de madeira.
Espera-se que o mercado chegue a esse preço? Está mudando rapidamente. Acabo de negociar preços para um projeto que prevê a venda de créditos de REDD, e o mercado de varejo de carbono falava em pagar de 4 a 8 dólares por tonelada. Está próximo, mas não temos volume. Estamos nos primeiros estágios do mercado, desenvolvendo os projetos pioneiros. Se trouxéssemos 50 milhões de toneladas de carbono, o mercado não compraria tudo e o preço colapsaria.
Sua empresa é responsável por um projeto pioneiro na Malásia. Como vai funcionar? Exportamos o modelo do Banco para Espécies Ameaçadas dos Estados Unidos para a Malásia. O Banco de Conservação de Habitat da Reserva Florestal de Malua tem 34 mil hectares de floresta tropical. Houve atividade madeireira na região desde 1970: um terço da área foimuito danificado, em outro terço foram retiradas apenas as árvores grandes, e no último terço nunca houve exploração de madeira. Pelo acordo, o governo do estado de Sabah entra com a terra, e cessa as atividades madeireiras na região a partir de 31 de dezembro de 2007. Nós entramos com US$ 10 milhões para reabilitar as áreas exploradas e protegê-las de qualquer exploração ou conversão futuras. Criamos um comitê assessor com representantes de ONGs e instituições científicas que vai elaborar e pôr em prática um plano de manejo e conservação permanente para a área. Aquela região tem a maior densidade de orangotango do mundo, o rinoceronte-de-sumatra – uma espécie de 30 milhões de anos quase extinta – foi visto ali, há o elefante pigmeu de Bórneu, o macaco gibão, o urso-malaio. A área vai ser dividida em unidades de 100 metros quadrados, cada crédito vai custar aproximadamente US$ 7,50, e o que as pessoas estarão efetivamente comprando é uma unidade de reabilitação e proteção permanente de floresta tropical. A idéia inicial era vender os créditos para a indústria de óleo de palma: se a empresa planta um hectare de palmeira, que produziria 5,6 toneladas de óleo de palma cru por ano, por 25 anos, ao comprar um crédito de nosso banco para cada tonelada produzida, durante toda a vida da plantação, estaria patrocinando a reabilitação e a proteção de um hectare de floresta.
É como uma compensação? Dizemos que é um crédito. Se os compradores quiserem usar como compensação, têm que apresentar dessa maneira.
Essa era a idéia inicial, o que mudou? Há demanda vindo de lugares insuspeitados, de indústrias, empresas de bens de consumo, agências de turismo e viagens, gente que tem uma cadeia de fornecimento.
Como o esquema gera retorno sobre o investimento? É uma joint venture 50-50, o governo entra com a terra, nós entramos com US$ 10 milhões – dizemos que o valor da opção sobre a terra é de US$ 10 milhões. Quando os créditos forem vendidos, 20% da receita vai para um fundo do tipo “endowment” (que administra os recursos, mantendo o principal intacto), gerido por um trustee em perpetuidade. Esse fundo pagará um dividendo, para sempre, para o manejo da conservação da área, com capacidade para investir em educação, saúde, desenvolvimento das comunidades da região, e monitorar a conservação. Retirados os primeiros 20% para o fundo, depois são pagos todos os custos do empreendimento, e o restante é o lucro, que vai 50-50 para nossos clientes e o governo.
Quem são seus clientes? Eu os chamaria de investidores em private equity muito espertos.
De onde são? Internacionais. Temos escritórios na Austrália, em San Francisco, em Washington DC e clientes em todo o mundo.
Quanto será possível remunerá-los pelo investimento? Eles terão um retorno muito bom se vendermos os créditos. Pode chegar, em termos reais, a uma taxa de retorno interna de 30% ou 40%. É um negócio de alto risco e alto retorno.
O risco é de não vender os créditos ou há algum risco relacionado à conservação da área? É o risco financeiro de que não sejamos capazes de vender os créditos. Mas estamos confiantes, fizemos pesquisa de mercado e há demanda por esses créditos. Vamos vender.
Como são comercializados? Para vender, criamos o que se chama de um documento de especificação do produto, e levamos ao mercado. Podemos vender por meio de corretores, temos também uma lista de empresas-alvo com quem vamos conversar.
Esse acordo é semelhante ao fechado pela Canopy Capital com serviços ambientais na Guiana? Não, o modelo da Guiana é diferente. Assim como o projeto de REDD em Sumatra, em que a Fauna and Flora International vendeu créditos de redução de emissões por desmatamento para a Merrill Lynch (por US$ 9 milhões). Temos um negócio com biodiversidade, há um acordo com carbono, e o da Guiana com serviços ambientais. São três tipos diferentes de modelos novos e interessantes.
Há algo acontecendo no Brasil? Há algumas propostas e projetos, mas não posso falar sobre aqueles em que estou envolvido. A grande questão é que o Brasil argumenta que deveria haver um fundo governamental. O governo do Brasil diz: tenho esta quantidade de floresta, se reduzir as taxas de desmatamento, recebo créditos que posso vender no mercado internacional. Mas a comunidade financeira não gosta disso, queremos fazer projetos em que podemos ter os direitos, que podemos monetizar e vender. Então há a dúvida: se eu for ao Brasil, fizer um projeto independente, e o governo vier e declarar que todos os créditos são estatais, eu perco tudo.
É uma incerteza de ordem política? Sim.
Há também incerteza porque o mecanismo de REDD depende de negociações internacionais em curso? Isso pode afetar os mercados que estão nascendo? Minha opinião é que os negócios de REDD estão se desenvolvendo fora de Kyoto (das regras a serem estabelecidas pelos países que ratificaram o Protocolo de Kyoto e negociam, no momento, seu substituto). O processo de Kyoto é muito lento, não é o jogo do momento. Por exemplo, a Austrália está costurando acordos bilaterais com Papua Nova Guiné e Indonésia para importar diretamente os créditos de REDD para o esquema de negociação de emissões australiano; nos EUA, a proposta de lei Lieberman- Warner (que prevê metas de redução de emissões de gases de efeito estufa) permite que os créditos de REDD sejam importados; na Califórnia é possível usar créditos de conservação florestal; há o padrão voluntário de carbono que tem um componente de REDD; há diversos mercados de varejo, a Chicago Climate Exchange, vários padrões e mecanismos de REDD estão sendo desenvolvidos. As regras de Kyoto podem estar disponíveis em dois anos, mas você sabe como é o processo de Kyoto, é como esperar tinta secar. Outros mecanismos estão correndo por fora. Não é diferente do que em outras áreas, é um mercado caótico, mas é por isso que as pessoas ganham dinheiro, porque é confuso, difícil, tecnicamente desafiador. Tivemos que contratar gente com MBA, ph.D., pessoas com grande capacidade financeira, mas também gente que sabe modelar o conteúdo de carbono nas árvores.
Os leigos têm a sensação de que o mercado financeiro lida com papel, desconectado do mundo real. Neste caso trabalha para algo concreto, a conservação da floresta, da biodiversidade? Quando a floresta não tinha valor, era invisível para o mercado, e o que o mercado fazia era simplesmente tirá-la do caminho, consumi-la, desperdiçá-la. Agora que ela tem valor, é diferente, as pessoas vão investir nela, tentar recuperá-la, melhorá-la. Minha visão é de que nossa companhia vai crescer e se tornar um fundo global de infraestrutura natural, assumindo grandes posições em estoques de carbono, florestas, ativos da biodiversidade, bancos de água etc. Esses serão ativos com um valor enorme à medida que o crescimento da economia global dobra e redobra, em que o peso da economia sobre os ecossistemas cresce.
Na sua opinião, o Brasil está ficando para trás? Sim, foi o que argumentei com o ministro-chefe de Sabah. A região é semelhante ao Brasil, pois há forte pressão da agricultura de commodities para converter a floresta, criar empregos para as pessoas nas plantações etc. Mas eles também entendem que há uma enorme percepção internacional de valor naquelas florestas, e a questão é como “monetizá-la”. Eu argumentei em favor de um modelo Silicon Valley, em que nós desenvolvemos um banco de biodiversidade, uma empresa holandesa tem um projeto de recuperação florestal, um financista suíço tem um projeto de REDD. São negócios pequenos e inovadores competindo com idéias e modelos financeiros, alguns vão dar certo, outros não, alguns vão proliferar, mas desse processo de criatividade saem muitas oportunidades de negócios. Pelo jeito o Brasil está fechando a porta para isso.
Há uma preocupação em perder a soberania sobre a Amazônia com esse tipo de abordagem. É preferível dar a floresta para a Cargill cortar e converter em soja? Países como o Brasil podem ser as superpotências desses mercados ambientais que se abrem, da mesma maneira que San Francisco é o centro da cena tecnológica e da internet. Lugares como o Brasil, Bornéu e a África tropical têm ativos super premium nesse campo e o fato de que não estão na liderança das tentativas de monetizá-los parece uma loucura.
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