Os esforços para evitar emissões do desmatamento começam a ganhar valor no mercado voluntário de carbono e carregam a promessa de benefícios socioambientais, mas o cenário é mais complexo nas negociações internacionais para criação de um mecanismo regulado
Por Flavia Pardini
Em dezembro de 2007 comemorou-se a entrada definitiva do desmatamento nas negociações para o regime climático que a partir de 2012 deve substituir o Protocolo de Kyoto. A redução da participação das florestas tropicais nas emissões de gases de efeito estufa faz sentido, não só por trazer para a ação os países do bloco dos “em desenvolvimento” – que, ao contrário dos desenvolvidos, não possuem meta de redução -, mas pela promessa de benefícios adicionais para comunidades e biodiversidade. Apesar disso, há desafios técnicos sobre como implementar o mecanismo batizado de Redd (Reduced Emissions from Deforestation and Degradation), além de discordância sobre como deve funcionar. A pedra no caminho é a mesma do restante do debate sobre as mudanças climáticas: o problema é global, a solução, não.
O ritmo vagaroso e as dificuldades nas negociações não impedem, entretanto, que os mercados voluntários esquentem os motores. Em fevereiro, a Merrill Lynch anunciou seu envolvimento com um projeto de redução de emissões de desmatamento na Indonésia.
Em março, um grupo de investidores britânicos fechou acordo com a Guiana para, em troca de arcar com parte dos custos de manutenção da reserva de Iwokrama, receber um percentual dos lucros que, espera-se, serão gerados pelos serviços ambientais.
Em abril, a rede de hotéis Marriott tornou público um acordo com o Estado do Amazonas para adquirir créditos de carbono gerados com ações de conservação na Reserva do Juma. Em junho, o governo de Madagascar anunciou entendimento com a Makira Carbon Company para comercializar créditos de redução de emissões por desmatamento. Considerado modelo, o Projeto de Ação Climática Noel Kempff, na Bolívia, gera créditos para seus financiadores: três empresas de energia e o governo boliviano.
Embora muitos projetos estejam em fase inicial, o mercado começa a se organizar. A Chicago Climate Exchange, um sistema de comercialização voluntário, aceita projetos de desmatamento. O Banco Mundial lançou o Forest Carbon Partnership Facility para apoiar os planos dos governos nacionais e testar projetos. Espera-se que os esquemas de negociação de emissões a serem estabelecidos nos EUA e na Austrália incluam créditos oriundos de redução de emissões de desmatamento. Enquanto isso, o Brasil anuncia a criação, em julho, de um fundo para receber doações de nações desenvolvidas – a primeira virá da Noruega.
Multiplicar benefícios
Ao evitar o desmatamento com o objetivo de reduzir emissões, é possível favorecer a biodiversidade – plantas e animais que habitam as florestas – e as comunidades locais, ao pagar para que prefiram manter a floresta em vez de fazer outro uso da terra. No mercado voluntário, a multiplicação de benefícios é bom negócio: gera ganho de imagem e reputação para quem compra os créditos e preço mais alto para quem desenvolve os projetos.
Para demonstrar que os benefícios existem, os projetos buscam certificação por padrões como os da Climate, Community and Biodiversity Alliance (CCBA), uma aliança de ONGs e empresas privadas. Dos cinco projetos validados pela CCBA, um tem um componente de Redd – o da Indonésia. Os demais são projetos de reflorestamento e recuperação florestal. Segundo Joanna Durbin, diretora da CCBA, cerca de 90 projetos indicaram que pretendem buscar a certificação, dos quais 40% possuem elementos de Redd, entre eles o do Amazonas.
São poucos os projetos que geram créditos e, no momento, a demanda é maior do que a oferta. “Os compradores se dispõem a pagar prêmio de 1 a 3 dólares por tonelada de carbono, bastante se comparado ao preço médio de 6 a 7 dólares (no mercado voluntário)”, diz Joanna. Ela credita o interesse em múltiplos benefícios a esforços de responsabilidade corporativa e à tentativa das empresas de evitar riscos à reputação com investimentos que causem danos socioambientais.
Desenhados para projetos florestais, os padrões da CCBA certificam os benefícios socioambientais, entretanto não possuem diretrizes para calcular e monitorar a redução de emissões por desmatamento. É possível usar como guia os padrões do Voluntary Carbon Standard e as diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), mas, no geral, falta metodologia de referência para os projetos de Redd.
“Ninguém sabe se eles serão bem-sucedidos, estão em fase de teste”, diz Charlotte Streck, diretora da consultoria holandesa Climate Focus e fundadora do think tank Avoided Deforestation Partners. “Mas este trabalho é muito importante para que se tenha uma melhor compreensão do que estamos fazendo.”
Por que as florestas
As incertezas técnicas contribuíram para deixar as florestas de fora do Protocolo de Kyoto, apesar de sua importância para os esforços de redução de emissões. Segundo o IPCC, o desmatamento contribuicom 15% a 20% das emissões totais de gases de efeito estufa. Globalmente, fica atrás apenas do setor de energia.
De outro lado, os ecossistemas terrestres absorvem cerca de 30% das emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento, e as florestas contribuem de forma importante, sustentam Josep Canadell e Michael Raupach, do Global Carbon Project, no artigo “Managing forests for climate change mitigation”, publicado na revista Science em junho. Segundo os pesquisadores, os 4 bilhões de hectares de ecossistemas florestais – 30% da área terrestre do globo – estocam o equivalente a duas vezes a quantidade de carbono na atmosfera.
Embora haja outras formas de mitigação por meio das florestas – reflorestamento; aumento da densidade de carbono de florestas existentes; e expansão do uso de produtos florestais que substituam, de maneira sustentável, a queima de combustíveis fósseis -, os pesquisadores apontam a redução das emissões decorrentes de desmatamento e degradação como a de maior potencial para “contribuir de maneira custo-efetiva” para a proteção do clima.
Para calcular custos, é preciso considerar os usos alternativos que poderiam ser dados à terra. “Desmatamento pode ser definido como conversão, a pressão sobre a terra para fins agrícolas”, diz Sven Wunder, economista do Center for International Forestry Research (Cifor). Em estudo recente, em parceria com Jan Börner, ele comparou o custo de oportunidade do Redd – quanto seria necessário desembolsar para evitar outros usos do solo – no Amazonas e em Mato Grosso. Concluiu que, com os preços atuais do carbono, cessar o desmatamento em quase todo o Amazonas e em dois terços das propriedades de Mato Grosso cadastradas pelo governo estadual custaria de US$ 330 milhões a US$ 1 bilhão. O resultado seria a redução das emissões de 360 milhões de toneladas em dez anos.
Os cálculos variam de acordo com premissas e métodos. O Woods Hole Research Center estima que o preço de evitar a emissão de 6,3 bilhões de toneladas de carbono na Amazônia brasileira, ao longo de 30 anos, seria de US$ 8,2 bilhões. O Relatório Stern indicou que evitar emissões do desmatamento no Brasil custaria entre US$ 1,2 bilhão e US$ 1,7 bilhão. Apesar das divergências, diz Wunder, os números mostram que o Redd, sob o atual preço do carbono, é competitivo em relação a outros usos da terra.
A redução do desmatamento em 10% globalmente poderia gerar financiamento por meio do mercado de carbono de US$ 2,2 bilhões a US$ 13,5 bilhões por ano, estimam Johannes Ebeling e Maï Yasué, em artigo publicado em fevereiro na Philosophical Transactions of the Royal Society B. Os valores excedem, e muito, o atual nível de financiamento para a proteção florestal e da biodiversidade em países em desenvolvimento.
Segundas intenções
Apesar dos sinais no mercado voluntário e da farta literatura sobre custos e benefícios, um mercado regulado de créditos de carbono gerados com a redução de emissões do desmatamento depende do entendimento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e entre as nações detentoras de floresta tropical.
“De um lado é muito encorajador, temos linguagem mais concreta em relação ao Redd do que em qualquer outra coisa (nas negociações) pós-Kyoto. Há uma decisão, um caminho a seguir, apoio às atividades- piloto”, diz Charlotte Streck. De outro lado, há o risco de, na pressa, criar um mecanismo que não funcione. “Suspeito que um número razoável de países está interessado no Redd como um elemento dentro de um acordo pós-Kyoto, em vez de em proteger as florestas em si. Há vários motivos secundários que os fazem avançar em um acordo sobre Redd.” As florestas entraram nas discussões na 11a Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCC, na sigla em inglês), em 2005, com uma proposta de Papua Nova Guiné e da Costa Rica. Na COP 13, em Bali em 2007, decidiu-se que o tema seria tratado dentro da Convenção e espera-se um acordo na 15a edição Da COP, em 2009 em Copenhague, junto com um entendimento para a redução global de emissões.
“As negociações vêm caminhando aos poucos, não tão rápido quanto o desmatamento”, afirma Marcelo Rocha, pesquisador da USP que coordenou uma das mesas-redondas ligadas ao tema de “Uso da Terra, Mudanças no Uso da Terra e Florestas” na reunião dos órgãos técnicos da Convenção em junho, em Bonn. A questão florestal, segundo Rocha, é importante para os países com metas de redução, porque eles podem usar as florestas para diminuir o quanto precisam cortar no consumo de petróleo e outros combustíveis fósseis. Seja por meio das próprias florestas – com manejo florestalou reflorestamento -, seja de créditos gerados em países tropicais.
Mas há também as segundas intenções apontadas por Charlotte Streck, em especial no caso da União Européia (UE). “Trazer a China e a Índia para um acordo pós-Kyoto é uma prioridade para a UE. Eles não seriam capazes de tirar um compromisso destes países com o Redd, mas acho que querem desenvolver um modelo que possa depois ser aplicado a outros setores, industriais e de energia”, afirma a consultora.
Os países em desenvolvimento rejeitam metas para diminuir suas emissões, citando o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” que orienta a Convenção. Embora a China tenha assumido a liderança global das emissões, o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera decorre, em boa parte, de dois séculos de atividade industrial e consumo nas nações desenvolvidas. Quanto a florestas, a China tem posição confortável: graças ao reflorestamento, no ano 2000, o setor florestal compensou 21% das emissões chinesas.
Os EUA, à espera do presidente a ser eleito em novembro, continuam fora das negociações. “É evidente a precaução da UE em assumir metas ambiciosas enquanto os EUA não se posicionam”, diz Mariano Cenamo, secretário-executivo do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), que participou das reuniões em Bonn. Segundo ele, a delegação brasileira não gostaria de ver evolução na pauta de Redd sem que haja avanço no estabelecimento de metas mais duras para os países desenvolvidos.
Enquanto alguns, especialmente Papua Nova Guiné e países africanos, consideram vantajoso levantar recursos no mercado de carbono para o setor florestal, outros esperam compensação por esforços passados, caso da Índia. Em meio à diversidade de posições, o Brasil destaca-se por rejeitar mecanismos de mercado e defender que esforços para evitar o desmatamento sejam apoiados por doações a fundos voluntários a serem geridos pelos governos nacionais de países detentores de floresta tropical.
“Se nosso esforço for usado para que continue havendo emissões em outros lugares, a temperatura do planeta sobe e nós perdemos a Amazônia, porque a floresta seca, e perdemos a agricultura no sul do Brasil”, diz Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal. “É uma conta estúpida para o Brasil.”
Tem dono?
Até agora, as negociações parecem ter englobado pelo menos um elemento da posição brasileira: o mecanismo deverá abarcar nações inteiras em vez de financiar projetos. Isso resolve parcialmente o problema de vazamento, ou leakage: como impedir que, ao proteger a floresta em um local, o desmatamento ocorra mais ferozmente em outros locais. Sob um esquema nacional, os vazamentos estariam cobertos, uma vez que cada país seria responsável pela redução do desmatamento em seu território.
“Ao mesmo tempo, não faz sentido, porque o vazamento independe das fronteiras nacionais, as pessoas podem facilmente ir do Peru à Bolívia, por exemplo”, diz Charlotte Streck. “A única maneira de enfrentar completamente os vazamentos é ter um sistema global.” Como não há, a segunda melhor solução seria tornar o monitoramento condição para que projetos ou países recebam crédito pelas emissões evitadas.
Não há consenso sobre outros pontos importantes, como a linha de base a ser usada para medir as reduções, além de garantias de que elas serão permanentes. A linha de base corresponde ao desmatamento que ocorreria sem o mecanismo de Redd. Até agora, as negociações pendem para linhas de base nacionais construídas a partir da média histórica de desmatamento. “Essa abordagem favoreceria os países com altas taxas históricas de desmatamento, por exemplo, Brasil e Equador”, escrevem Ebeling e Yasué. Em contraste, nações que mantiveram ampla cobertura florestal, como Guiana e Suriname, e abaixaram ou reverteram a tendência de desflorestamento, como Chile e Costa Rica, ganhariam muito pouco.
O resultado é um incentivo perverso, dizem analistas, que beneficiaria quem mais desmatou, em vez de compensar os que se esforçaram para conservar. A contradição se repete internamente aos países, pois a idéia é pagar para que se deixe de converter a floresta em pasto ou plantação. Ou seja, os receptores do benefício nem sempre seriam os “guardiães” da floresta, mas justamente os hoje vistos como “vilões”.
Além disso, há a questão da legalidade. “Alguns proprietários de terras ainda têm reservas legais intactas, então, pode-se certamente pagar a eles”, diz Sven Wunder. “Mas o que fazer em relação às pessoas que desconsideraram a reserva legal? Talvez se possa oferecer incentivos para restabelecer sua legalidade, mas é preciso cuidar para não criar incentivo perverso.” Isso sem falar na problemática fundiária. “Se os direitos de propriedade não estão claros e você não sabe quem é o dono da floresta, a quem vai pagar?”, questiona Luca Tacconi, da Australian National University, que estuda a relação entre esquemas de pagamentos por serviços ambientais e meios de subsistência.
O Estado do Amazonas resolveu parcialmente o problema com a criação da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), instituição de direito privado que recebeu a titularidade dos produtos e serviços ambientais das Unidades de Conservação (UCs) estaduais e comercializará os créditos de Redd. “Os recursos arrecadados têm de ser investidos nas Ucs”, afirma Virgílio Viana, diretor da FAS.
A solução talvez não seja tão simples em grande parte da Amazônia e em outros países onde conflitos fundiários são a norma. Para Roberto Waack, presidente do conselho internacional do Forest Stewardship Council, se o mercado de Redd deslanchar, a Amazônia corre o risco de assistir a uma nova modalidade de especulação fundiária, desta vez com a floresta em pé. Ele teme um processo de desagregação cultural e social na região caso as comunidades locais fiquem à margem da nova economia da floresta.
As populações tradicionais manifestaram-se contra o mecanismo e protestaram por não terem sido consultadas no processo de elaboração do fundo do Banco Mundial. “Os esquemas para evitar o desmatamento podem ser uma ameaça às comunidades tradicionais se algum outro receber o direito das áreas que ocupam”, diz Tacconi. “Quando um esquema pode trazer dinheiro, atores externos tentam tomar o controle das áreas que podem gerar renda.”
Regularizar a situação fundiária, desenvolver políticas de conservação, aprovar legislação, fortalecer a fiscalização, garantir a repartição de benefícios, gerar capacidade técnica para medir e monitorar Emissões – esses são apenas alguns dos desafios aos governos centrais. “No momento, parece que, se os países tiverem um pouco mais de dinheiro, vão parar o desmatamento”, diz Charlotte Streck. “É uma ilusão, é preciso muito mais do que dar dinheiro aos governos.” Ela defende o chamado nested approach, em que as esferas regional e local têm garantias de acesso ao financiamento.
A decisão, no fim, é sobre como usar a terra, lembra Joanna Durbin. “Pode-se produzir soja ou redução de emissões e biodiversidade. É uma maneira de manejar a terra para produzir uma commodity que, por acaso, tem potencial de apoiar outros serviços ambientais”, diz. Mas, no momento em que a redução de emissões se torna commodity, mudam as regras do jogo. “Os recursos fluiriam para os países mais competitivos em termos de preço e capacidade de implementar os esquemas”, alerta Tacconi, lembrando que, no caso do MDL, o principal beneficiário foi a China, com projetos de captura de HFC-23. Da mesma forma, os benefícios para o desenvolvimento sustentável podem ficar em segundo plano no caso do Redd.
Para Sven Wunder, é melhor não sobrecarregar o mecanismo com muitos objetivos. “Já será suficientemente difícil fazer um bom trabalho em cessar o desmatamento.”
Os esforços para evitar emissões do desmatamento começam a ganhar valor no mercado voluntário de carbono e carregam a promessa de benefícios socioambientais, mas o cenário é mais complexo nas negociações internacionais para criação de um mecanismo regulado
Por Flavia Pardini
Em dezembro de 2007 comemorou-se a entrada definitiva do desmatamento nas negociações para o regime climático que a partir de 2012 deve substituir o Protocolo de Kyoto. A redução da participação das florestas tropicais nas emissões de gases de efeito estufa faz sentido, não só por trazer para a ação os países do bloco dos “em desenvolvimento” – que, ao contrário dos desenvolvidos, não possuem meta de redução -, mas pela promessa de benefícios adicionais para comunidades e biodiversidade. Apesar disso, há desafios técnicos sobre como implementar o mecanismo batizado de Redd (Reduced Emissions from Deforestation and Degradation), além de discordância sobre como deve funcionar. A pedra no caminho é a mesma do restante do debate sobre as mudanças climáticas: o problema é global, a solução, não.
O ritmo vagaroso e as dificuldades nas negociações não impedem, entretanto, que os mercados voluntários esquentem os motores. Em fevereiro, a Merrill Lynch anunciou seu envolvimento com um projeto de redução de emissões de desmatamento na Indonésia.
Em março, um grupo de investidores britânicos fechou acordo com a Guiana para, em troca de arcar com parte dos custos de manutenção da reserva de Iwokrama, receber um percentual dos lucros que, espera-se, serão gerados pelos serviços ambientais.
Em abril, a rede de hotéis Marriott tornou público um acordo com o Estado do Amazonas para adquirir créditos de carbono gerados com ações de conservação na Reserva do Juma. Em junho, o governo de Madagascar anunciou entendimento com a Makira Carbon Company para comercializar créditos de redução de emissões por desmatamento. Considerado modelo, o Projeto de Ação Climática Noel Kempff, na Bolívia, gera créditos para seus financiadores: três empresas de energia e o governo boliviano.
Embora muitos projetos estejam em fase inicial, o mercado começa a se organizar. A Chicago Climate Exchange, um sistema de comercialização voluntário, aceita projetos de desmatamento. O Banco Mundial lançou o Forest Carbon Partnership Facility para apoiar os planos dos governos nacionais e testar projetos. Espera-se que os esquemas de negociação de emissões a serem estabelecidos nos EUA e na Austrália incluam créditos oriundos de redução de emissões de desmatamento. Enquanto isso, o Brasil anuncia a criação, em julho, de um fundo para receber doações de nações desenvolvidas – a primeira virá da Noruega.
Multiplicar benefícios
Ao evitar o desmatamento com o objetivo de reduzir emissões, é possível favorecer a biodiversidade – plantas e animais que habitam as florestas – e as comunidades locais, ao pagar para que prefiram manter a floresta em vez de fazer outro uso da terra. No mercado voluntário, a multiplicação de benefícios é bom negócio: gera ganho de imagem e reputação para quem compra os créditos e preço mais alto para quem desenvolve os projetos.
Para demonstrar que os benefícios existem, os projetos buscam certificação por padrões como os da Climate, Community and Biodiversity Alliance (CCBA), uma aliança de ONGs e empresas privadas. Dos cinco projetos validados pela CCBA, um tem um componente de Redd – o da Indonésia. Os demais são projetos de reflorestamento e recuperação florestal. Segundo Joanna Durbin, diretora da CCBA, cerca de 90 projetos indicaram que pretendem buscar a certificação, dos quais 40% possuem elementos de Redd, entre eles o do Amazonas.
São poucos os projetos que geram créditos e, no momento, a demanda é maior do que a oferta. “Os compradores se dispõem a pagar prêmio de 1 a 3 dólares por tonelada de carbono, bastante se comparado ao preço médio de 6 a 7 dólares (no mercado voluntário)”, diz Joanna. Ela credita o interesse em múltiplos benefícios a esforços de responsabilidade corporativa e à tentativa das empresas de evitar riscos à reputação com investimentos que causem danos socioambientais.
Desenhados para projetos florestais, os padrões da CCBA certificam os benefícios socioambientais, entretanto não possuem diretrizes para calcular e monitorar a redução de emissões por desmatamento. É possível usar como guia os padrões do Voluntary Carbon Standard e as diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), mas, no geral, falta metodologia de referência para os projetos de Redd.
“Ninguém sabe se eles serão bem-sucedidos, estão em fase de teste”, diz Charlotte Streck, diretora da consultoria holandesa Climate Focus e fundadora do think tank Avoided Deforestation Partners. “Mas este trabalho é muito importante para que se tenha uma melhor compreensão do que estamos fazendo.”
Por que as florestas
As incertezas técnicas contribuíram para deixar as florestas de fora do Protocolo de Kyoto, apesar de sua importância para os esforços de redução de emissões. Segundo o IPCC, o desmatamento contribuicom 15% a 20% das emissões totais de gases de efeito estufa. Globalmente, fica atrás apenas do setor de energia.
De outro lado, os ecossistemas terrestres absorvem cerca de 30% das emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento, e as florestas contribuem de forma importante, sustentam Josep Canadell e Michael Raupach, do Global Carbon Project, no artigo “Managing forests for climate change mitigation”, publicado na revista Science em junho. Segundo os pesquisadores, os 4 bilhões de hectares de ecossistemas florestais – 30% da área terrestre do globo – estocam o equivalente a duas vezes a quantidade de carbono na atmosfera.
Embora haja outras formas de mitigação por meio das florestas – reflorestamento; aumento da densidade de carbono de florestas existentes; e expansão do uso de produtos florestais que substituam, de maneira sustentável, a queima de combustíveis fósseis -, os pesquisadores apontam a redução das emissões decorrentes de desmatamento e degradação como a de maior potencial para “contribuir de maneira custo-efetiva” para a proteção do clima.
Para calcular custos, é preciso considerar os usos alternativos que poderiam ser dados à terra. “Desmatamento pode ser definido como conversão, a pressão sobre a terra para fins agrícolas”, diz Sven Wunder, economista do Center for International Forestry Research (Cifor). Em estudo recente, em parceria com Jan Börner, ele comparou o custo de oportunidade do Redd – quanto seria necessário desembolsar para evitar outros usos do solo – no Amazonas e em Mato Grosso. Concluiu que, com os preços atuais do carbono, cessar o desmatamento em quase todo o Amazonas e em dois terços das propriedades de Mato Grosso cadastradas pelo governo estadual custaria de US$ 330 milhões a US$ 1 bilhão. O resultado seria a redução das emissões de 360 milhões de toneladas em dez anos.
Os cálculos variam de acordo com premissas e métodos. O Woods Hole Research Center estima que o preço de evitar a emissão de 6,3 bilhões de toneladas de carbono na Amazônia brasileira, ao longo de 30 anos, seria de US$ 8,2 bilhões. O Relatório Stern indicou que evitar emissões do desmatamento no Brasil custaria entre US$ 1,2 bilhão e US$ 1,7 bilhão. Apesar das divergências, diz Wunder, os números mostram que o Redd, sob o atual preço do carbono, é competitivo em relação a outros usos da terra.
A redução do desmatamento em 10% globalmente poderia gerar financiamento por meio do mercado de carbono de US$ 2,2 bilhões a US$ 13,5 bilhões por ano, estimam Johannes Ebeling e Maï Yasué, em artigo publicado em fevereiro na Philosophical Transactions of the Royal Society B. Os valores excedem, e muito, o atual nível de financiamento para a proteção florestal e da biodiversidade em países em desenvolvimento.
Segundas intenções
Apesar dos sinais no mercado voluntário e da farta literatura sobre custos e benefícios, um mercado regulado de créditos de carbono gerados com a redução de emissões do desmatamento depende do entendimento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e entre as nações detentoras de floresta tropical.
“De um lado é muito encorajador, temos linguagem mais concreta em relação ao Redd do que em qualquer outra coisa (nas negociações) pós-Kyoto. Há uma decisão, um caminho a seguir, apoio às atividades- piloto”, diz Charlotte Streck. De outro lado, há o risco de, na pressa, criar um mecanismo que não funcione. “Suspeito que um número razoável de países está interessado no Redd como um elemento dentro de um acordo pós-Kyoto, em vez de em proteger as florestas em si. Há vários motivos secundários que os fazem avançar em um acordo sobre Redd.” As florestas entraram nas discussões na 11a Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCC, na sigla em inglês), em 2005, com uma proposta de Papua Nova Guiné e da Costa Rica. Na COP 13, em Bali em 2007, decidiu-se que o tema seria tratado dentro da Convenção e espera-se um acordo na 15a edição Da COP, em 2009 em Copenhague, junto com um entendimento para a redução global de emissões.
“As negociações vêm caminhando aos poucos, não tão rápido quanto o desmatamento”, afirma Marcelo Rocha, pesquisador da USP que coordenou uma das mesas-redondas ligadas ao tema de “Uso da Terra, Mudanças no Uso da Terra e Florestas” na reunião dos órgãos técnicos da Convenção em junho, em Bonn. A questão florestal, segundo Rocha, é importante para os países com metas de redução, porque eles podem usar as florestas para diminuir o quanto precisam cortar no consumo de petróleo e outros combustíveis fósseis. Seja por meio das próprias florestas – com manejo florestalou reflorestamento -, seja de créditos gerados em países tropicais.
Mas há também as segundas intenções apontadas por Charlotte Streck, em especial no caso da União Européia (UE). “Trazer a China e a Índia para um acordo pós-Kyoto é uma prioridade para a UE. Eles não seriam capazes de tirar um compromisso destes países com o Redd, mas acho que querem desenvolver um modelo que possa depois ser aplicado a outros setores, industriais e de energia”, afirma a consultora.
Os países em desenvolvimento rejeitam metas para diminuir suas emissões, citando o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” que orienta a Convenção. Embora a China tenha assumido a liderança global das emissões, o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera decorre, em boa parte, de dois séculos de atividade industrial e consumo nas nações desenvolvidas. Quanto a florestas, a China tem posição confortável: graças ao reflorestamento, no ano 2000, o setor florestal compensou 21% das emissões chinesas.
Os EUA, à espera do presidente a ser eleito em novembro, continuam fora das negociações. “É evidente a precaução da UE em assumir metas ambiciosas enquanto os EUA não se posicionam”, diz Mariano Cenamo, secretário-executivo do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), que participou das reuniões em Bonn. Segundo ele, a delegação brasileira não gostaria de ver evolução na pauta de Redd sem que haja avanço no estabelecimento de metas mais duras para os países desenvolvidos.
Enquanto alguns, especialmente Papua Nova Guiné e países africanos, consideram vantajoso levantar recursos no mercado de carbono para o setor florestal, outros esperam compensação por esforços passados, caso da Índia. Em meio à diversidade de posições, o Brasil destaca-se por rejeitar mecanismos de mercado e defender que esforços para evitar o desmatamento sejam apoiados por doações a fundos voluntários a serem geridos pelos governos nacionais de países detentores de floresta tropical.
“Se nosso esforço for usado para que continue havendo emissões em outros lugares, a temperatura do planeta sobe e nós perdemos a Amazônia, porque a floresta seca, e perdemos a agricultura no sul do Brasil”, diz Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal. “É uma conta estúpida para o Brasil.”
Tem dono?
Até agora, as negociações parecem ter englobado pelo menos um elemento da posição brasileira: o mecanismo deverá abarcar nações inteiras em vez de financiar projetos. Isso resolve parcialmente o problema de vazamento, ou leakage: como impedir que, ao proteger a floresta em um local, o desmatamento ocorra mais ferozmente em outros locais. Sob um esquema nacional, os vazamentos estariam cobertos, uma vez que cada país seria responsável pela redução do desmatamento em seu território.
“Ao mesmo tempo, não faz sentido, porque o vazamento independe das fronteiras nacionais, as pessoas podem facilmente ir do Peru à Bolívia, por exemplo”, diz Charlotte Streck. “A única maneira de enfrentar completamente os vazamentos é ter um sistema global.” Como não há, a segunda melhor solução seria tornar o monitoramento condição para que projetos ou países recebam crédito pelas emissões evitadas.
Não há consenso sobre outros pontos importantes, como a linha de base a ser usada para medir as reduções, além de garantias de que elas serão permanentes. A linha de base corresponde ao desmatamento que ocorreria sem o mecanismo de Redd. Até agora, as negociações pendem para linhas de base nacionais construídas a partir da média histórica de desmatamento. “Essa abordagem favoreceria os países com altas taxas históricas de desmatamento, por exemplo, Brasil e Equador”, escrevem Ebeling e Yasué. Em contraste, nações que mantiveram ampla cobertura florestal, como Guiana e Suriname, e abaixaram ou reverteram a tendência de desflorestamento, como Chile e Costa Rica, ganhariam muito pouco.
O resultado é um incentivo perverso, dizem analistas, que beneficiaria quem mais desmatou, em vez de compensar os que se esforçaram para conservar. A contradição se repete internamente aos países, pois a idéia é pagar para que se deixe de converter a floresta em pasto ou plantação. Ou seja, os receptores do benefício nem sempre seriam os “guardiães” da floresta, mas justamente os hoje vistos como “vilões”.
Além disso, há a questão da legalidade. “Alguns proprietários de terras ainda têm reservas legais intactas, então, pode-se certamente pagar a eles”, diz Sven Wunder. “Mas o que fazer em relação às pessoas que desconsideraram a reserva legal? Talvez se possa oferecer incentivos para restabelecer sua legalidade, mas é preciso cuidar para não criar incentivo perverso.” Isso sem falar na problemática fundiária. “Se os direitos de propriedade não estão claros e você não sabe quem é o dono da floresta, a quem vai pagar?”, questiona Luca Tacconi, da Australian National University, que estuda a relação entre esquemas de pagamentos por serviços ambientais e meios de subsistência.
O Estado do Amazonas resolveu parcialmente o problema com a criação da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), instituição de direito privado que recebeu a titularidade dos produtos e serviços ambientais das Unidades de Conservação (UCs) estaduais e comercializará os créditos de Redd. “Os recursos arrecadados têm de ser investidos nas Ucs”, afirma Virgílio Viana, diretor da FAS.
A solução talvez não seja tão simples em grande parte da Amazônia e em outros países onde conflitos fundiários são a norma. Para Roberto Waack, presidente do conselho internacional do Forest Stewardship Council, se o mercado de Redd deslanchar, a Amazônia corre o risco de assistir a uma nova modalidade de especulação fundiária, desta vez com a floresta em pé. Ele teme um processo de desagregação cultural e social na região caso as comunidades locais fiquem à margem da nova economia da floresta.
As populações tradicionais manifestaram-se contra o mecanismo e protestaram por não terem sido consultadas no processo de elaboração do fundo do Banco Mundial. “Os esquemas para evitar o desmatamento podem ser uma ameaça às comunidades tradicionais se algum outro receber o direito das áreas que ocupam”, diz Tacconi. “Quando um esquema pode trazer dinheiro, atores externos tentam tomar o controle das áreas que podem gerar renda.”
Regularizar a situação fundiária, desenvolver políticas de conservação, aprovar legislação, fortalecer a fiscalização, garantir a repartição de benefícios, gerar capacidade técnica para medir e monitorar Emissões – esses são apenas alguns dos desafios aos governos centrais. “No momento, parece que, se os países tiverem um pouco mais de dinheiro, vão parar o desmatamento”, diz Charlotte Streck. “É uma ilusão, é preciso muito mais do que dar dinheiro aos governos.” Ela defende o chamado nested approach, em que as esferas regional e local têm garantias de acesso ao financiamento.
A decisão, no fim, é sobre como usar a terra, lembra Joanna Durbin. “Pode-se produzir soja ou redução de emissões e biodiversidade. É uma maneira de manejar a terra para produzir uma commodity que, por acaso, tem potencial de apoiar outros serviços ambientais”, diz. Mas, no momento em que a redução de emissões se torna commodity, mudam as regras do jogo. “Os recursos fluiriam para os países mais competitivos em termos de preço e capacidade de implementar os esquemas”, alerta Tacconi, lembrando que, no caso do MDL, o principal beneficiário foi a China, com projetos de captura de HFC-23. Da mesma forma, os benefícios para o desenvolvimento sustentável podem ficar em segundo plano no caso do Redd.
Para Sven Wunder, é melhor não sobrecarregar o mecanismo com muitos objetivos. “Já será suficientemente difícil fazer um bom trabalho em cessar o desmatamento.”
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Os esforços para evitar emissões do desmatamento começam a ganhar valor no mercado voluntário de carbono e carregam a promessa de benefícios socioambientais, mas o cenário é mais complexo nas negociações internacionais para criação de um mecanismo regulado
Por Flavia Pardini
Em dezembro de 2007 comemorou-se a entrada definitiva do desmatamento nas negociações para o regime climático que a partir de 2012 deve substituir o Protocolo de Kyoto. A redução da participação das florestas tropicais nas emissões de gases de efeito estufa faz sentido, não só por trazer para a ação os países do bloco dos “em desenvolvimento” – que, ao contrário dos desenvolvidos, não possuem meta de redução -, mas pela promessa de benefícios adicionais para comunidades e biodiversidade. Apesar disso, há desafios técnicos sobre como implementar o mecanismo batizado de Redd (Reduced Emissions from Deforestation and Degradation), além de discordância sobre como deve funcionar. A pedra no caminho é a mesma do restante do debate sobre as mudanças climáticas: o problema é global, a solução, não.
O ritmo vagaroso e as dificuldades nas negociações não impedem, entretanto, que os mercados voluntários esquentem os motores. Em fevereiro, a Merrill Lynch anunciou seu envolvimento com um projeto de redução de emissões de desmatamento na Indonésia.
Em março, um grupo de investidores britânicos fechou acordo com a Guiana para, em troca de arcar com parte dos custos de manutenção da reserva de Iwokrama, receber um percentual dos lucros que, espera-se, serão gerados pelos serviços ambientais.
Em abril, a rede de hotéis Marriott tornou público um acordo com o Estado do Amazonas para adquirir créditos de carbono gerados com ações de conservação na Reserva do Juma. Em junho, o governo de Madagascar anunciou entendimento com a Makira Carbon Company para comercializar créditos de redução de emissões por desmatamento. Considerado modelo, o Projeto de Ação Climática Noel Kempff, na Bolívia, gera créditos para seus financiadores: três empresas de energia e o governo boliviano.
Embora muitos projetos estejam em fase inicial, o mercado começa a se organizar. A Chicago Climate Exchange, um sistema de comercialização voluntário, aceita projetos de desmatamento. O Banco Mundial lançou o Forest Carbon Partnership Facility para apoiar os planos dos governos nacionais e testar projetos. Espera-se que os esquemas de negociação de emissões a serem estabelecidos nos EUA e na Austrália incluam créditos oriundos de redução de emissões de desmatamento. Enquanto isso, o Brasil anuncia a criação, em julho, de um fundo para receber doações de nações desenvolvidas – a primeira virá da Noruega.
Multiplicar benefícios
Ao evitar o desmatamento com o objetivo de reduzir emissões, é possível favorecer a biodiversidade – plantas e animais que habitam as florestas – e as comunidades locais, ao pagar para que prefiram manter a floresta em vez de fazer outro uso da terra. No mercado voluntário, a multiplicação de benefícios é bom negócio: gera ganho de imagem e reputação para quem compra os créditos e preço mais alto para quem desenvolve os projetos.
Para demonstrar que os benefícios existem, os projetos buscam certificação por padrões como os da Climate, Community and Biodiversity Alliance (CCBA), uma aliança de ONGs e empresas privadas. Dos cinco projetos validados pela CCBA, um tem um componente de Redd – o da Indonésia. Os demais são projetos de reflorestamento e recuperação florestal. Segundo Joanna Durbin, diretora da CCBA, cerca de 90 projetos indicaram que pretendem buscar a certificação, dos quais 40% possuem elementos de Redd, entre eles o do Amazonas.
São poucos os projetos que geram créditos e, no momento, a demanda é maior do que a oferta. “Os compradores se dispõem a pagar prêmio de 1 a 3 dólares por tonelada de carbono, bastante se comparado ao preço médio de 6 a 7 dólares (no mercado voluntário)”, diz Joanna. Ela credita o interesse em múltiplos benefícios a esforços de responsabilidade corporativa e à tentativa das empresas de evitar riscos à reputação com investimentos que causem danos socioambientais.
Desenhados para projetos florestais, os padrões da CCBA certificam os benefícios socioambientais, entretanto não possuem diretrizes para calcular e monitorar a redução de emissões por desmatamento. É possível usar como guia os padrões do Voluntary Carbon Standard e as diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), mas, no geral, falta metodologia de referência para os projetos de Redd.
“Ninguém sabe se eles serão bem-sucedidos, estão em fase de teste”, diz Charlotte Streck, diretora da consultoria holandesa Climate Focus e fundadora do think tank Avoided Deforestation Partners. “Mas este trabalho é muito importante para que se tenha uma melhor compreensão do que estamos fazendo.”
Por que as florestas
As incertezas técnicas contribuíram para deixar as florestas de fora do Protocolo de Kyoto, apesar de sua importância para os esforços de redução de emissões. Segundo o IPCC, o desmatamento contribuicom 15% a 20% das emissões totais de gases de efeito estufa. Globalmente, fica atrás apenas do setor de energia.
De outro lado, os ecossistemas terrestres absorvem cerca de 30% das emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento, e as florestas contribuem de forma importante, sustentam Josep Canadell e Michael Raupach, do Global Carbon Project, no artigo “Managing forests for climate change mitigation”, publicado na revista Science em junho. Segundo os pesquisadores, os 4 bilhões de hectares de ecossistemas florestais – 30% da área terrestre do globo – estocam o equivalente a duas vezes a quantidade de carbono na atmosfera.
Embora haja outras formas de mitigação por meio das florestas – reflorestamento; aumento da densidade de carbono de florestas existentes; e expansão do uso de produtos florestais que substituam, de maneira sustentável, a queima de combustíveis fósseis -, os pesquisadores apontam a redução das emissões decorrentes de desmatamento e degradação como a de maior potencial para “contribuir de maneira custo-efetiva” para a proteção do clima.
Para calcular custos, é preciso considerar os usos alternativos que poderiam ser dados à terra. “Desmatamento pode ser definido como conversão, a pressão sobre a terra para fins agrícolas”, diz Sven Wunder, economista do Center for International Forestry Research (Cifor). Em estudo recente, em parceria com Jan Börner, ele comparou o custo de oportunidade do Redd – quanto seria necessário desembolsar para evitar outros usos do solo – no Amazonas e em Mato Grosso. Concluiu que, com os preços atuais do carbono, cessar o desmatamento em quase todo o Amazonas e em dois terços das propriedades de Mato Grosso cadastradas pelo governo estadual custaria de US$ 330 milhões a US$ 1 bilhão. O resultado seria a redução das emissões de 360 milhões de toneladas em dez anos.
Os cálculos variam de acordo com premissas e métodos. O Woods Hole Research Center estima que o preço de evitar a emissão de 6,3 bilhões de toneladas de carbono na Amazônia brasileira, ao longo de 30 anos, seria de US$ 8,2 bilhões. O Relatório Stern indicou que evitar emissões do desmatamento no Brasil custaria entre US$ 1,2 bilhão e US$ 1,7 bilhão. Apesar das divergências, diz Wunder, os números mostram que o Redd, sob o atual preço do carbono, é competitivo em relação a outros usos da terra.
A redução do desmatamento em 10% globalmente poderia gerar financiamento por meio do mercado de carbono de US$ 2,2 bilhões a US$ 13,5 bilhões por ano, estimam Johannes Ebeling e Maï Yasué, em artigo publicado em fevereiro na Philosophical Transactions of the Royal Society B. Os valores excedem, e muito, o atual nível de financiamento para a proteção florestal e da biodiversidade em países em desenvolvimento.
Segundas intenções
Apesar dos sinais no mercado voluntário e da farta literatura sobre custos e benefícios, um mercado regulado de créditos de carbono gerados com a redução de emissões do desmatamento depende do entendimento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e entre as nações detentoras de floresta tropical.
“De um lado é muito encorajador, temos linguagem mais concreta em relação ao Redd do que em qualquer outra coisa (nas negociações) pós-Kyoto. Há uma decisão, um caminho a seguir, apoio às atividades- piloto”, diz Charlotte Streck. De outro lado, há o risco de, na pressa, criar um mecanismo que não funcione. “Suspeito que um número razoável de países está interessado no Redd como um elemento dentro de um acordo pós-Kyoto, em vez de em proteger as florestas em si. Há vários motivos secundários que os fazem avançar em um acordo sobre Redd.” As florestas entraram nas discussões na 11a Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCC, na sigla em inglês), em 2005, com uma proposta de Papua Nova Guiné e da Costa Rica. Na COP 13, em Bali em 2007, decidiu-se que o tema seria tratado dentro da Convenção e espera-se um acordo na 15a edição Da COP, em 2009 em Copenhague, junto com um entendimento para a redução global de emissões.
“As negociações vêm caminhando aos poucos, não tão rápido quanto o desmatamento”, afirma Marcelo Rocha, pesquisador da USP que coordenou uma das mesas-redondas ligadas ao tema de “Uso da Terra, Mudanças no Uso da Terra e Florestas” na reunião dos órgãos técnicos da Convenção em junho, em Bonn. A questão florestal, segundo Rocha, é importante para os países com metas de redução, porque eles podem usar as florestas para diminuir o quanto precisam cortar no consumo de petróleo e outros combustíveis fósseis. Seja por meio das próprias florestas – com manejo florestalou reflorestamento -, seja de créditos gerados em países tropicais.
Mas há também as segundas intenções apontadas por Charlotte Streck, em especial no caso da União Européia (UE). “Trazer a China e a Índia para um acordo pós-Kyoto é uma prioridade para a UE. Eles não seriam capazes de tirar um compromisso destes países com o Redd, mas acho que querem desenvolver um modelo que possa depois ser aplicado a outros setores, industriais e de energia”, afirma a consultora.
Os países em desenvolvimento rejeitam metas para diminuir suas emissões, citando o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” que orienta a Convenção. Embora a China tenha assumido a liderança global das emissões, o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera decorre, em boa parte, de dois séculos de atividade industrial e consumo nas nações desenvolvidas. Quanto a florestas, a China tem posição confortável: graças ao reflorestamento, no ano 2000, o setor florestal compensou 21% das emissões chinesas.
Os EUA, à espera do presidente a ser eleito em novembro, continuam fora das negociações. “É evidente a precaução da UE em assumir metas ambiciosas enquanto os EUA não se posicionam”, diz Mariano Cenamo, secretário-executivo do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), que participou das reuniões em Bonn. Segundo ele, a delegação brasileira não gostaria de ver evolução na pauta de Redd sem que haja avanço no estabelecimento de metas mais duras para os países desenvolvidos.
Enquanto alguns, especialmente Papua Nova Guiné e países africanos, consideram vantajoso levantar recursos no mercado de carbono para o setor florestal, outros esperam compensação por esforços passados, caso da Índia. Em meio à diversidade de posições, o Brasil destaca-se por rejeitar mecanismos de mercado e defender que esforços para evitar o desmatamento sejam apoiados por doações a fundos voluntários a serem geridos pelos governos nacionais de países detentores de floresta tropical.
“Se nosso esforço for usado para que continue havendo emissões em outros lugares, a temperatura do planeta sobe e nós perdemos a Amazônia, porque a floresta seca, e perdemos a agricultura no sul do Brasil”, diz Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal. “É uma conta estúpida para o Brasil.”
Tem dono?
Até agora, as negociações parecem ter englobado pelo menos um elemento da posição brasileira: o mecanismo deverá abarcar nações inteiras em vez de financiar projetos. Isso resolve parcialmente o problema de vazamento, ou leakage: como impedir que, ao proteger a floresta em um local, o desmatamento ocorra mais ferozmente em outros locais. Sob um esquema nacional, os vazamentos estariam cobertos, uma vez que cada país seria responsável pela redução do desmatamento em seu território.
“Ao mesmo tempo, não faz sentido, porque o vazamento independe das fronteiras nacionais, as pessoas podem facilmente ir do Peru à Bolívia, por exemplo”, diz Charlotte Streck. “A única maneira de enfrentar completamente os vazamentos é ter um sistema global.” Como não há, a segunda melhor solução seria tornar o monitoramento condição para que projetos ou países recebam crédito pelas emissões evitadas.
Não há consenso sobre outros pontos importantes, como a linha de base a ser usada para medir as reduções, além de garantias de que elas serão permanentes. A linha de base corresponde ao desmatamento que ocorreria sem o mecanismo de Redd. Até agora, as negociações pendem para linhas de base nacionais construídas a partir da média histórica de desmatamento. “Essa abordagem favoreceria os países com altas taxas históricas de desmatamento, por exemplo, Brasil e Equador”, escrevem Ebeling e Yasué. Em contraste, nações que mantiveram ampla cobertura florestal, como Guiana e Suriname, e abaixaram ou reverteram a tendência de desflorestamento, como Chile e Costa Rica, ganhariam muito pouco.
O resultado é um incentivo perverso, dizem analistas, que beneficiaria quem mais desmatou, em vez de compensar os que se esforçaram para conservar. A contradição se repete internamente aos países, pois a idéia é pagar para que se deixe de converter a floresta em pasto ou plantação. Ou seja, os receptores do benefício nem sempre seriam os “guardiães” da floresta, mas justamente os hoje vistos como “vilões”.
Além disso, há a questão da legalidade. “Alguns proprietários de terras ainda têm reservas legais intactas, então, pode-se certamente pagar a eles”, diz Sven Wunder. “Mas o que fazer em relação às pessoas que desconsideraram a reserva legal? Talvez se possa oferecer incentivos para restabelecer sua legalidade, mas é preciso cuidar para não criar incentivo perverso.” Isso sem falar na problemática fundiária. “Se os direitos de propriedade não estão claros e você não sabe quem é o dono da floresta, a quem vai pagar?”, questiona Luca Tacconi, da Australian National University, que estuda a relação entre esquemas de pagamentos por serviços ambientais e meios de subsistência.
O Estado do Amazonas resolveu parcialmente o problema com a criação da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), instituição de direito privado que recebeu a titularidade dos produtos e serviços ambientais das Unidades de Conservação (UCs) estaduais e comercializará os créditos de Redd. “Os recursos arrecadados têm de ser investidos nas Ucs”, afirma Virgílio Viana, diretor da FAS.
A solução talvez não seja tão simples em grande parte da Amazônia e em outros países onde conflitos fundiários são a norma. Para Roberto Waack, presidente do conselho internacional do Forest Stewardship Council, se o mercado de Redd deslanchar, a Amazônia corre o risco de assistir a uma nova modalidade de especulação fundiária, desta vez com a floresta em pé. Ele teme um processo de desagregação cultural e social na região caso as comunidades locais fiquem à margem da nova economia da floresta.
As populações tradicionais manifestaram-se contra o mecanismo e protestaram por não terem sido consultadas no processo de elaboração do fundo do Banco Mundial. “Os esquemas para evitar o desmatamento podem ser uma ameaça às comunidades tradicionais se algum outro receber o direito das áreas que ocupam”, diz Tacconi. “Quando um esquema pode trazer dinheiro, atores externos tentam tomar o controle das áreas que podem gerar renda.”
Regularizar a situação fundiária, desenvolver políticas de conservação, aprovar legislação, fortalecer a fiscalização, garantir a repartição de benefícios, gerar capacidade técnica para medir e monitorar Emissões – esses são apenas alguns dos desafios aos governos centrais. “No momento, parece que, se os países tiverem um pouco mais de dinheiro, vão parar o desmatamento”, diz Charlotte Streck. “É uma ilusão, é preciso muito mais do que dar dinheiro aos governos.” Ela defende o chamado nested approach, em que as esferas regional e local têm garantias de acesso ao financiamento.
A decisão, no fim, é sobre como usar a terra, lembra Joanna Durbin. “Pode-se produzir soja ou redução de emissões e biodiversidade. É uma maneira de manejar a terra para produzir uma commodity que, por acaso, tem potencial de apoiar outros serviços ambientais”, diz. Mas, no momento em que a redução de emissões se torna commodity, mudam as regras do jogo. “Os recursos fluiriam para os países mais competitivos em termos de preço e capacidade de implementar os esquemas”, alerta Tacconi, lembrando que, no caso do MDL, o principal beneficiário foi a China, com projetos de captura de HFC-23. Da mesma forma, os benefícios para o desenvolvimento sustentável podem ficar em segundo plano no caso do Redd.
Para Sven Wunder, é melhor não sobrecarregar o mecanismo com muitos objetivos. “Já será suficientemente difícil fazer um bom trabalho em cessar o desmatamento.”
Os esforços para evitar emissões do desmatamento começam a ganhar valor no mercado voluntário de carbono e carregam a promessa de benefícios socioambientais, mas o cenário é mais complexo nas negociações internacionais para criação de um mecanismo regulado
Por Flavia Pardini
Em dezembro de 2007 comemorou-se a entrada definitiva do desmatamento nas negociações para o regime climático que a partir de 2012 deve substituir o Protocolo de Kyoto. A redução da participação das florestas tropicais nas emissões de gases de efeito estufa faz sentido, não só por trazer para a ação os países do bloco dos “em desenvolvimento” – que, ao contrário dos desenvolvidos, não possuem meta de redução -, mas pela promessa de benefícios adicionais para comunidades e biodiversidade. Apesar disso, há desafios técnicos sobre como implementar o mecanismo batizado de Redd (Reduced Emissions from Deforestation and Degradation), além de discordância sobre como deve funcionar. A pedra no caminho é a mesma do restante do debate sobre as mudanças climáticas: o problema é global, a solução, não.
O ritmo vagaroso e as dificuldades nas negociações não impedem, entretanto, que os mercados voluntários esquentem os motores. Em fevereiro, a Merrill Lynch anunciou seu envolvimento com um projeto de redução de emissões de desmatamento na Indonésia.
Em março, um grupo de investidores britânicos fechou acordo com a Guiana para, em troca de arcar com parte dos custos de manutenção da reserva de Iwokrama, receber um percentual dos lucros que, espera-se, serão gerados pelos serviços ambientais.
Em abril, a rede de hotéis Marriott tornou público um acordo com o Estado do Amazonas para adquirir créditos de carbono gerados com ações de conservação na Reserva do Juma. Em junho, o governo de Madagascar anunciou entendimento com a Makira Carbon Company para comercializar créditos de redução de emissões por desmatamento. Considerado modelo, o Projeto de Ação Climática Noel Kempff, na Bolívia, gera créditos para seus financiadores: três empresas de energia e o governo boliviano.
Embora muitos projetos estejam em fase inicial, o mercado começa a se organizar. A Chicago Climate Exchange, um sistema de comercialização voluntário, aceita projetos de desmatamento. O Banco Mundial lançou o Forest Carbon Partnership Facility para apoiar os planos dos governos nacionais e testar projetos. Espera-se que os esquemas de negociação de emissões a serem estabelecidos nos EUA e na Austrália incluam créditos oriundos de redução de emissões de desmatamento. Enquanto isso, o Brasil anuncia a criação, em julho, de um fundo para receber doações de nações desenvolvidas – a primeira virá da Noruega.
Multiplicar benefícios
Ao evitar o desmatamento com o objetivo de reduzir emissões, é possível favorecer a biodiversidade – plantas e animais que habitam as florestas – e as comunidades locais, ao pagar para que prefiram manter a floresta em vez de fazer outro uso da terra. No mercado voluntário, a multiplicação de benefícios é bom negócio: gera ganho de imagem e reputação para quem compra os créditos e preço mais alto para quem desenvolve os projetos.
Para demonstrar que os benefícios existem, os projetos buscam certificação por padrões como os da Climate, Community and Biodiversity Alliance (CCBA), uma aliança de ONGs e empresas privadas. Dos cinco projetos validados pela CCBA, um tem um componente de Redd – o da Indonésia. Os demais são projetos de reflorestamento e recuperação florestal. Segundo Joanna Durbin, diretora da CCBA, cerca de 90 projetos indicaram que pretendem buscar a certificação, dos quais 40% possuem elementos de Redd, entre eles o do Amazonas.
São poucos os projetos que geram créditos e, no momento, a demanda é maior do que a oferta. “Os compradores se dispõem a pagar prêmio de 1 a 3 dólares por tonelada de carbono, bastante se comparado ao preço médio de 6 a 7 dólares (no mercado voluntário)”, diz Joanna. Ela credita o interesse em múltiplos benefícios a esforços de responsabilidade corporativa e à tentativa das empresas de evitar riscos à reputação com investimentos que causem danos socioambientais.
Desenhados para projetos florestais, os padrões da CCBA certificam os benefícios socioambientais, entretanto não possuem diretrizes para calcular e monitorar a redução de emissões por desmatamento. É possível usar como guia os padrões do Voluntary Carbon Standard e as diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), mas, no geral, falta metodologia de referência para os projetos de Redd.
“Ninguém sabe se eles serão bem-sucedidos, estão em fase de teste”, diz Charlotte Streck, diretora da consultoria holandesa Climate Focus e fundadora do think tank Avoided Deforestation Partners. “Mas este trabalho é muito importante para que se tenha uma melhor compreensão do que estamos fazendo.”
Por que as florestas
As incertezas técnicas contribuíram para deixar as florestas de fora do Protocolo de Kyoto, apesar de sua importância para os esforços de redução de emissões. Segundo o IPCC, o desmatamento contribuicom 15% a 20% das emissões totais de gases de efeito estufa. Globalmente, fica atrás apenas do setor de energia.
De outro lado, os ecossistemas terrestres absorvem cerca de 30% das emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento, e as florestas contribuem de forma importante, sustentam Josep Canadell e Michael Raupach, do Global Carbon Project, no artigo “Managing forests for climate change mitigation”, publicado na revista Science em junho. Segundo os pesquisadores, os 4 bilhões de hectares de ecossistemas florestais – 30% da área terrestre do globo – estocam o equivalente a duas vezes a quantidade de carbono na atmosfera.
Embora haja outras formas de mitigação por meio das florestas – reflorestamento; aumento da densidade de carbono de florestas existentes; e expansão do uso de produtos florestais que substituam, de maneira sustentável, a queima de combustíveis fósseis -, os pesquisadores apontam a redução das emissões decorrentes de desmatamento e degradação como a de maior potencial para “contribuir de maneira custo-efetiva” para a proteção do clima.
Para calcular custos, é preciso considerar os usos alternativos que poderiam ser dados à terra. “Desmatamento pode ser definido como conversão, a pressão sobre a terra para fins agrícolas”, diz Sven Wunder, economista do Center for International Forestry Research (Cifor). Em estudo recente, em parceria com Jan Börner, ele comparou o custo de oportunidade do Redd – quanto seria necessário desembolsar para evitar outros usos do solo – no Amazonas e em Mato Grosso. Concluiu que, com os preços atuais do carbono, cessar o desmatamento em quase todo o Amazonas e em dois terços das propriedades de Mato Grosso cadastradas pelo governo estadual custaria de US$ 330 milhões a US$ 1 bilhão. O resultado seria a redução das emissões de 360 milhões de toneladas em dez anos.
Os cálculos variam de acordo com premissas e métodos. O Woods Hole Research Center estima que o preço de evitar a emissão de 6,3 bilhões de toneladas de carbono na Amazônia brasileira, ao longo de 30 anos, seria de US$ 8,2 bilhões. O Relatório Stern indicou que evitar emissões do desmatamento no Brasil custaria entre US$ 1,2 bilhão e US$ 1,7 bilhão. Apesar das divergências, diz Wunder, os números mostram que o Redd, sob o atual preço do carbono, é competitivo em relação a outros usos da terra.
A redução do desmatamento em 10% globalmente poderia gerar financiamento por meio do mercado de carbono de US$ 2,2 bilhões a US$ 13,5 bilhões por ano, estimam Johannes Ebeling e Maï Yasué, em artigo publicado em fevereiro na Philosophical Transactions of the Royal Society B. Os valores excedem, e muito, o atual nível de financiamento para a proteção florestal e da biodiversidade em países em desenvolvimento.
Segundas intenções
Apesar dos sinais no mercado voluntário e da farta literatura sobre custos e benefícios, um mercado regulado de créditos de carbono gerados com a redução de emissões do desmatamento depende do entendimento entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e entre as nações detentoras de floresta tropical.
“De um lado é muito encorajador, temos linguagem mais concreta em relação ao Redd do que em qualquer outra coisa (nas negociações) pós-Kyoto. Há uma decisão, um caminho a seguir, apoio às atividades- piloto”, diz Charlotte Streck. De outro lado, há o risco de, na pressa, criar um mecanismo que não funcione. “Suspeito que um número razoável de países está interessado no Redd como um elemento dentro de um acordo pós-Kyoto, em vez de em proteger as florestas em si. Há vários motivos secundários que os fazem avançar em um acordo sobre Redd.” As florestas entraram nas discussões na 11a Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCC, na sigla em inglês), em 2005, com uma proposta de Papua Nova Guiné e da Costa Rica. Na COP 13, em Bali em 2007, decidiu-se que o tema seria tratado dentro da Convenção e espera-se um acordo na 15a edição Da COP, em 2009 em Copenhague, junto com um entendimento para a redução global de emissões.
“As negociações vêm caminhando aos poucos, não tão rápido quanto o desmatamento”, afirma Marcelo Rocha, pesquisador da USP que coordenou uma das mesas-redondas ligadas ao tema de “Uso da Terra, Mudanças no Uso da Terra e Florestas” na reunião dos órgãos técnicos da Convenção em junho, em Bonn. A questão florestal, segundo Rocha, é importante para os países com metas de redução, porque eles podem usar as florestas para diminuir o quanto precisam cortar no consumo de petróleo e outros combustíveis fósseis. Seja por meio das próprias florestas – com manejo florestalou reflorestamento -, seja de créditos gerados em países tropicais.
Mas há também as segundas intenções apontadas por Charlotte Streck, em especial no caso da União Européia (UE). “Trazer a China e a Índia para um acordo pós-Kyoto é uma prioridade para a UE. Eles não seriam capazes de tirar um compromisso destes países com o Redd, mas acho que querem desenvolver um modelo que possa depois ser aplicado a outros setores, industriais e de energia”, afirma a consultora.
Os países em desenvolvimento rejeitam metas para diminuir suas emissões, citando o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” que orienta a Convenção. Embora a China tenha assumido a liderança global das emissões, o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera decorre, em boa parte, de dois séculos de atividade industrial e consumo nas nações desenvolvidas. Quanto a florestas, a China tem posição confortável: graças ao reflorestamento, no ano 2000, o setor florestal compensou 21% das emissões chinesas.
Os EUA, à espera do presidente a ser eleito em novembro, continuam fora das negociações. “É evidente a precaução da UE em assumir metas ambiciosas enquanto os EUA não se posicionam”, diz Mariano Cenamo, secretário-executivo do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), que participou das reuniões em Bonn. Segundo ele, a delegação brasileira não gostaria de ver evolução na pauta de Redd sem que haja avanço no estabelecimento de metas mais duras para os países desenvolvidos.
Enquanto alguns, especialmente Papua Nova Guiné e países africanos, consideram vantajoso levantar recursos no mercado de carbono para o setor florestal, outros esperam compensação por esforços passados, caso da Índia. Em meio à diversidade de posições, o Brasil destaca-se por rejeitar mecanismos de mercado e defender que esforços para evitar o desmatamento sejam apoiados por doações a fundos voluntários a serem geridos pelos governos nacionais de países detentores de floresta tropical.
“Se nosso esforço for usado para que continue havendo emissões em outros lugares, a temperatura do planeta sobe e nós perdemos a Amazônia, porque a floresta seca, e perdemos a agricultura no sul do Brasil”, diz Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal. “É uma conta estúpida para o Brasil.”
Tem dono?
Até agora, as negociações parecem ter englobado pelo menos um elemento da posição brasileira: o mecanismo deverá abarcar nações inteiras em vez de financiar projetos. Isso resolve parcialmente o problema de vazamento, ou leakage: como impedir que, ao proteger a floresta em um local, o desmatamento ocorra mais ferozmente em outros locais. Sob um esquema nacional, os vazamentos estariam cobertos, uma vez que cada país seria responsável pela redução do desmatamento em seu território.
“Ao mesmo tempo, não faz sentido, porque o vazamento independe das fronteiras nacionais, as pessoas podem facilmente ir do Peru à Bolívia, por exemplo”, diz Charlotte Streck. “A única maneira de enfrentar completamente os vazamentos é ter um sistema global.” Como não há, a segunda melhor solução seria tornar o monitoramento condição para que projetos ou países recebam crédito pelas emissões evitadas.
Não há consenso sobre outros pontos importantes, como a linha de base a ser usada para medir as reduções, além de garantias de que elas serão permanentes. A linha de base corresponde ao desmatamento que ocorreria sem o mecanismo de Redd. Até agora, as negociações pendem para linhas de base nacionais construídas a partir da média histórica de desmatamento. “Essa abordagem favoreceria os países com altas taxas históricas de desmatamento, por exemplo, Brasil e Equador”, escrevem Ebeling e Yasué. Em contraste, nações que mantiveram ampla cobertura florestal, como Guiana e Suriname, e abaixaram ou reverteram a tendência de desflorestamento, como Chile e Costa Rica, ganhariam muito pouco.
O resultado é um incentivo perverso, dizem analistas, que beneficiaria quem mais desmatou, em vez de compensar os que se esforçaram para conservar. A contradição se repete internamente aos países, pois a idéia é pagar para que se deixe de converter a floresta em pasto ou plantação. Ou seja, os receptores do benefício nem sempre seriam os “guardiães” da floresta, mas justamente os hoje vistos como “vilões”.
Além disso, há a questão da legalidade. “Alguns proprietários de terras ainda têm reservas legais intactas, então, pode-se certamente pagar a eles”, diz Sven Wunder. “Mas o que fazer em relação às pessoas que desconsideraram a reserva legal? Talvez se possa oferecer incentivos para restabelecer sua legalidade, mas é preciso cuidar para não criar incentivo perverso.” Isso sem falar na problemática fundiária. “Se os direitos de propriedade não estão claros e você não sabe quem é o dono da floresta, a quem vai pagar?”, questiona Luca Tacconi, da Australian National University, que estuda a relação entre esquemas de pagamentos por serviços ambientais e meios de subsistência.
O Estado do Amazonas resolveu parcialmente o problema com a criação da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), instituição de direito privado que recebeu a titularidade dos produtos e serviços ambientais das Unidades de Conservação (UCs) estaduais e comercializará os créditos de Redd. “Os recursos arrecadados têm de ser investidos nas Ucs”, afirma Virgílio Viana, diretor da FAS.
A solução talvez não seja tão simples em grande parte da Amazônia e em outros países onde conflitos fundiários são a norma. Para Roberto Waack, presidente do conselho internacional do Forest Stewardship Council, se o mercado de Redd deslanchar, a Amazônia corre o risco de assistir a uma nova modalidade de especulação fundiária, desta vez com a floresta em pé. Ele teme um processo de desagregação cultural e social na região caso as comunidades locais fiquem à margem da nova economia da floresta.
As populações tradicionais manifestaram-se contra o mecanismo e protestaram por não terem sido consultadas no processo de elaboração do fundo do Banco Mundial. “Os esquemas para evitar o desmatamento podem ser uma ameaça às comunidades tradicionais se algum outro receber o direito das áreas que ocupam”, diz Tacconi. “Quando um esquema pode trazer dinheiro, atores externos tentam tomar o controle das áreas que podem gerar renda.”
Regularizar a situação fundiária, desenvolver políticas de conservação, aprovar legislação, fortalecer a fiscalização, garantir a repartição de benefícios, gerar capacidade técnica para medir e monitorar Emissões – esses são apenas alguns dos desafios aos governos centrais. “No momento, parece que, se os países tiverem um pouco mais de dinheiro, vão parar o desmatamento”, diz Charlotte Streck. “É uma ilusão, é preciso muito mais do que dar dinheiro aos governos.” Ela defende o chamado nested approach, em que as esferas regional e local têm garantias de acesso ao financiamento.
A decisão, no fim, é sobre como usar a terra, lembra Joanna Durbin. “Pode-se produzir soja ou redução de emissões e biodiversidade. É uma maneira de manejar a terra para produzir uma commodity que, por acaso, tem potencial de apoiar outros serviços ambientais”, diz. Mas, no momento em que a redução de emissões se torna commodity, mudam as regras do jogo. “Os recursos fluiriam para os países mais competitivos em termos de preço e capacidade de implementar os esquemas”, alerta Tacconi, lembrando que, no caso do MDL, o principal beneficiário foi a China, com projetos de captura de HFC-23. Da mesma forma, os benefícios para o desenvolvimento sustentável podem ficar em segundo plano no caso do Redd.
Para Sven Wunder, é melhor não sobrecarregar o mecanismo com muitos objetivos. “Já será suficientemente difícil fazer um bom trabalho em cessar o desmatamento.”
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