Sem mudar o ponto de partida – o modelo mental e a teoria econômica – não é possível enfrentar as causas do desastre socioambiental
Por Hugo Penteado*
Os cientistas deram o alerta: não é o planeta que está ameaçado, mas nossa espécie. O modelo mental dos últimos 50 anos, baseado no crescimento eterno – considerado possível graças à tecnologia e necessário ao bem-estar -, faz com que sejamos capazes de produzir em 1 ano o que levávamos 100 anos no século XIX. O materialismo, diz Lester Brown, cresce 6 vezes mais rápido do que o número de pessoas, causando desastres sociais e ambientais. Eis que surge a sustentabilidade para resolvê-los, mas sem mudar o ponto de partida.
Teorias econômicas falsas aderiram a esse modelo mental com propostas cegas e incompletas. É urgente avaliar os resultados socioambientais obtidos. Se vier, tal avaliação terá 40 anos de atraso, uma vez que foi desferida uma dura crítica – nunca refutada – nos anos 70 por Nicholas Georgescu-Roegen.
Georgescu-Roegen foi um grande contribuidor do pensamento econômico tradicional, sem ele a teoria de consumo não existiria. Mas, em sua crítica, previu antes de todos que o modelo mental produziria desastres ambientais e poderia deixar a Terra entregue à vida bacteriana. Depois de sua crítica, Georgescu-Roegen foi ignorado.
A humanidade não causa apenas o aquecimento global, mas também a maior extinção da vida dos últimos 65 milhões de anos. Tais desastres globais são apenas Dois dos problemas, há ainda os processos contínuos de perda de solo, água, reservas pesqueiras, florestas, contaminação, poluição. A Terra foi transformada em lixeira.
É desonesto do ponto de vista científico discutir a falta de certeza sobre as conseqüências desses problemas, em vez de enfrentar as causas do que poderá ser um desastre para a humanidade. E elas não oferecem dúvida. O sistema econômico está em conflito com a natureza: a natureza é circular e nós somos lineares, produzimos-consumimos-descartamos; a natureza é finita e nós submetemos nossas estruturas e populações ao crescimento infinito; a natureza é regenerativa, nossos sistemas são degenerativos.
Acreditamos piamente no mito de jogar fora, embora isso não exista. A degeneração ocorre com materiais da crosta que a natureza não vê há milhões de anos e, portanto, não regenera. Usamos componentes químicos, como pesticidas, que poluem e contaminam a água, o solo e o ar.
Rota de colisão
Ao ignorar a finitude planetária e manter o crescimento, entramos em uma rota de colisão perigosa. A herança mecanicista torna os processos econômicos reversíveis, previsíveis e neutros para o meio ambiente. Por isso é possível crescer sempre, como se não houvesse efeitos para o planeta e seus ecossistemas. A teoria do crescimento com base no processo tecnológico assume ainda que o ser humano é capaz de produzir outros fatores materiais que não os da natureza e que o capital produzido pelo homem é um perfeito substituto da natureza.
Tudo isso é falso. Segundo Charles Darwin, nada diferencia o ser humano dos demais animais; somos dependentes da natureza. Nossos corações só batem porque há seres vivos capazes de armazenar a energia do Sol. O ser humano não produz matéria nem energia. Tudo vem da natureza, inclusive as tecnologias. A termodinâmica mostrou que os processos econômicos são irreversíveis, imprevisíveis e alteram em definitivo a natureza. A teoria econômica dominante é falsa como explicação da realidade e suicida nas suas proposições.
Existe um claro limite ao crescimento e, mesmo que conseguíssemos uma fonte infinita de energia, como escreveu Jeremy Rifkin, não removeríamos a finitude do espaço territorial e dos serviços ecológicos. Para que todos se igualem ao consumo dos países ricos, precisaríamos de dez planetas. Só temos um. Sustentabilidade requer simplicidade, consumo solidário, distribuição, eficiência, requer ênfase em tecnologia para evitar problemas, e não para solucionar problemas.
O crescimento dos países ricos foi planetariamente possível porque fizeram isso sozinhos. Na hora em que todas as nações seguirem o mesmo modelo de descarte, desperdício, consumo excessivo, nossa espécie animal vai perecer. O comércio global supre os países ricos com recursos da natureza, tangíveis e intangíveis – a custo zero, uma vez que o sistema de preços não embute os custos ecológicos. O sistema de preços deriva de um conjunto de valores que assume que a espécie humana domina a natureza. Sem uma mudança geral de valores, não há como mudar o sistema de preços nem suas métricas, como o PIB.
Para resolver as tensões, a proposta é mais crescimento, supostamente para corrigir as desigualdades sociais. Na verdade, o crescimento hoje é um mecanismo de diferenciação social. O 1% mais rico dos Estados Unidos viu sua renda depois de impostos e da inflação crescer 73% entre 1970 e 1992, enquanto o quintil mais pobre perdeu 27% e o restante também teve queda na renda real. O índice de saúde social da Nordham University está em franco declínio desde 1970, embora o crescimento tenha continuado pujante. Estes e outros fatores se somam ao desastre ambiental que será global pela primeira vez na história da humanidade.
Isso por conta do comércio exterior, que permite que os países ricos e os populosos, como a China, exportem seu colapso ambiental para nações como o Brasil.
Ou mudamos, ou o planeta nos muda. Está na hora de reformar o modelo mental e revisar as teorias econômicas para melhorar o placar da sustentabilidade de todos nós. O tempo é cada vez mais curto.
* Economista e autor do livro Ecoeconomia – Uma nova abordagem (Editora Lazuli, 2003)[:en]
Sem mudar o ponto de partida – o modelo mental e a teoria econômica – não é possível enfrentar as causas do desastre socioambiental
Por Hugo Penteado*
Os cientistas deram o alerta: não é o planeta que está ameaçado, mas nossa espécie. O modelo mental dos últimos 50 anos, baseado no crescimento eterno – considerado possível graças à tecnologia e necessário ao bem-estar -, faz com que sejamos capazes de produzir em 1 ano o que levávamos 100 anos no século XIX. O materialismo, diz Lester Brown, cresce 6 vezes mais rápido do que o número de pessoas, causando desastres sociais e ambientais. Eis que surge a sustentabilidade para resolvê-los, mas sem mudar o ponto de partida.
Teorias econômicas falsas aderiram a esse modelo mental com propostas cegas e incompletas. É urgente avaliar os resultados socioambientais obtidos. Se vier, tal avaliação terá 40 anos de atraso, uma vez que foi desferida uma dura crítica – nunca refutada – nos anos 70 por Nicholas Georgescu-Roegen.
Georgescu-Roegen foi um grande contribuidor do pensamento econômico tradicional, sem ele a teoria de consumo não existiria. Mas, em sua crítica, previu antes de todos que o modelo mental produziria desastres ambientais e poderia deixar a Terra entregue à vida bacteriana. Depois de sua crítica, Georgescu-Roegen foi ignorado.
A humanidade não causa apenas o aquecimento global, mas também a maior extinção da vida dos últimos 65 milhões de anos. Tais desastres globais são apenas Dois dos problemas, há ainda os processos contínuos de perda de solo, água, reservas pesqueiras, florestas, contaminação, poluição. A Terra foi transformada em lixeira.
É desonesto do ponto de vista científico discutir a falta de certeza sobre as conseqüências desses problemas, em vez de enfrentar as causas do que poderá ser um desastre para a humanidade. E elas não oferecem dúvida. O sistema econômico está em conflito com a natureza: a natureza é circular e nós somos lineares, produzimos-consumimos-descartamos; a natureza é finita e nós submetemos nossas estruturas e populações ao crescimento infinito; a natureza é regenerativa, nossos sistemas são degenerativos.
Acreditamos piamente no mito de jogar fora, embora isso não exista. A degeneração ocorre com materiais da crosta que a natureza não vê há milhões de anos e, portanto, não regenera. Usamos componentes químicos, como pesticidas, que poluem e contaminam a água, o solo e o ar.
Rota de colisão
Ao ignorar a finitude planetária e manter o crescimento, entramos em uma rota de colisão perigosa. A herança mecanicista torna os processos econômicos reversíveis, previsíveis e neutros para o meio ambiente. Por isso é possível crescer sempre, como se não houvesse efeitos para o planeta e seus ecossistemas. A teoria do crescimento com base no processo tecnológico assume ainda que o ser humano é capaz de produzir outros fatores materiais que não os da natureza e que o capital produzido pelo homem é um perfeito substituto da natureza.
Tudo isso é falso. Segundo Charles Darwin, nada diferencia o ser humano dos demais animais; somos dependentes da natureza. Nossos corações só batem porque há seres vivos capazes de armazenar a energia do Sol. O ser humano não produz matéria nem energia. Tudo vem da natureza, inclusive as tecnologias. A termodinâmica mostrou que os processos econômicos são irreversíveis, imprevisíveis e alteram em definitivo a natureza. A teoria econômica dominante é falsa como explicação da realidade e suicida nas suas proposições.
Existe um claro limite ao crescimento e, mesmo que conseguíssemos uma fonte infinita de energia, como escreveu Jeremy Rifkin, não removeríamos a finitude do espaço territorial e dos serviços ecológicos. Para que todos se igualem ao consumo dos países ricos, precisaríamos de dez planetas. Só temos um. Sustentabilidade requer simplicidade, consumo solidário, distribuição, eficiência, requer ênfase em tecnologia para evitar problemas, e não para solucionar problemas.
O crescimento dos países ricos foi planetariamente possível porque fizeram isso sozinhos. Na hora em que todas as nações seguirem o mesmo modelo de descarte, desperdício, consumo excessivo, nossa espécie animal vai perecer. O comércio global supre os países ricos com recursos da natureza, tangíveis e intangíveis – a custo zero, uma vez que o sistema de preços não embute os custos ecológicos. O sistema de preços deriva de um conjunto de valores que assume que a espécie humana domina a natureza. Sem uma mudança geral de valores, não há como mudar o sistema de preços nem suas métricas, como o PIB.
Para resolver as tensões, a proposta é mais crescimento, supostamente para corrigir as desigualdades sociais. Na verdade, o crescimento hoje é um mecanismo de diferenciação social. O 1% mais rico dos Estados Unidos viu sua renda depois de impostos e da inflação crescer 73% entre 1970 e 1992, enquanto o quintil mais pobre perdeu 27% e o restante também teve queda na renda real. O índice de saúde social da Nordham University está em franco declínio desde 1970, embora o crescimento tenha continuado pujante. Estes e outros fatores se somam ao desastre ambiental que será global pela primeira vez na história da humanidade.
Isso por conta do comércio exterior, que permite que os países ricos e os populosos, como a China, exportem seu colapso ambiental para nações como o Brasil.
Ou mudamos, ou o planeta nos muda. Está na hora de reformar o modelo mental e revisar as teorias econômicas para melhorar o placar da sustentabilidade de todos nós. O tempo é cada vez mais curto.
* Economista e autor do livro Ecoeconomia – Uma nova abordagem (Editora Lazuli, 2003)