O livro Os Novos Capitalistas – A influência dos investidores-cidadãos nas decisões das empresas – mostra como a diluição da propriedade das companhias e a disseminação dos fundos de pensão podem transformar a economia
Com menos de 150 anos, a moderna sociedade privada por ações é uma das criações de maior impacto na história da humanidade: provocou não apenas a cisão entre pessoas físicas e jurídicas, mas entre o capital – os capitalistas, seus recursos e empresas – e o trabalho – os trabalhadores e sua mão-de-obra.
A necessidade de atingir objetivos corporativos e financeiros justificaram a busca por brechas legais, a manipulação de balanços, a compra de influência política, a adoção de práticas trabalhistas desumanas e a agressão ao meio ambiente. Em resposta, o Estado criou normas e punições para empresas que, com objetivos de curto prazo e foco no interesse de poucos, agem de forma “amoral”. Sobre a Sarbanes-Oxley, uma das mais recentes, William Niskanen, chairman do Cato Institute, disse: “É claro que esta lei não acaba com a corrupção. Só obriga as empresas a procurar mais furos na lei”. E assim foi no século XX: uma dicotomia aparentemente sem solução entre gananciosos e coitadinhos, o curto e o longo prazo, o lucro máximo e o bem comum.
Os autores de Os Novos Capitalistas – ativistas da boa governança empresarial nos EUA com larga experiência no mercado financeiro – dizem que é chegada a hora de fugir desse beco sem saída, do debate entre esquerda nacionalista e direita liberal, cheio de convicções sobre as limitações de cada lado e sem propostas integradoras.
O FUTURO É O MESMO
A diluição da propriedade das sociedades de capital aberto – “empresas públicas”, na acepção americana, diferente do conceito brasileiro – tornou o cidadão comum dono do capital e das empresas que o utilizam. A melhoria da renda e da expectativa de vida, além da falência dos sistemas públicos de previdência, levou ao Capitalismo fundo de pensão”: resolvidas as preocupações do dia-a-dia, os trabalhadores passaram a montar fundos de investimento que garantissem sua aposentadoria. Em 2004, tais fundos – os chamados investidores institucionais – detinham quase 70% das mil maiores companhias americanas.
Os resultados de curto prazo, a qualquer preço, não condizem com a estratégia do aposentado do Arkansas ou do operário de Detroit: garantir o futuro. O novo padrão de responsabilidade exigido das empresas inclui a geração de lucros crescentes, mas também realistas e sustentados ao longo do tempo.
Um exemplo de como a pressão pode ser saudável ocorreu na General Electric em 2002: uma coalizão de fundos religiosos, com participação acionária ínfima, pressionou a GE por informações sobre a emissão de gases e poluição em suas fábricas.
Inicialmente rejeitada pelos executivos, a proposta foi para a assembléia de acionistas, ganhou força e levou a GE a rever os processos produtivos. Foi o estopim do programa Ecomagination, hoje responsável por receitas de mais de US$ 20 bilhões.
ECONOMIA CIVIL
O capital continua sendo a força motriz. Os autores lembram que “sem lucro não há pensão”, referindo-se ao economista Milton Friedman, que dizia que “a responsabilidade social de uma empresa é maximizar seu lucro”. No contexto anterior, do capital concentrado, a frase era tomada pelos ativistas como o mantra do liberalismo. Hoje, sabendo que o lucro pertence a milhões de investidores-cidadãos e garante sua renda futura, Friedman pode levar o crédito.
O rompimento da dualidade capital trabalho e a evolução da sociedade civil resultam na busca por um ambiente de transparência e confiança no âmbito dos negócios, fazendo surgir a economia e a empresa civis. O novo ecossistema capitalista é sustentado por uma rede de agentes:
– Os indivíduos comuns que possuem ações e despertam para o poder de atuação coletiva – os “novos capitalistas”
-Os investidores institucionais, incentivados a criar e administrar portfólios de forma responsável
– Os conselhos de administração, no qual alguns desses investidores influenciam a atuação das empresas
-As empresas e seus executivos, que adotam valores, práticas e processos lucrativos, socialmente corretos e ambientalmente responsáveis
-Os influenciadores: órgãos de regulação, ONGs e imprensa, que monitoram o comportamento das empresas.
O maior entrave na transição para a economia civil é a falta de consciência dos investidores sobre seu poder para influir nas organizações. Ao transferir a gestão de seus investimentos a terceiros, assumem postura passiva e aguardam o retorno. Os autores clamam por um “capitalismo ativista”, em que os agentes exigem práticas de governança e sustentabilidade e criam uma tensão saudável e integradora entre capital e bem comum. A expressão provoca estranhamento, como se capital/lucro e ativismo/cidadania fossem água e óleo.
A dicotomia ainda existe, mas não por muito tempo. A Energy Tomorrow, associação de empresas dos setores de energia e petróleo, criou a campanha “Do you own an oil company?” (em tradução livre, “você é dono de uma petroleira?), em que destaca o fato de que milhões de famílias são os verdadeiros donos, por meio de seus fundos de pensão, das empresas petrolíferas. Para os ativistas, indica que há maneiras mais efetivas de atuar do que panfletar pelas ruas.
Os Novos Capitalistas pretende ter abrangência global, mas acaba restrito ao mercado americano, onde o cidadão comum tem a prática de investir parte da poupança em ações graças a uma história de confiança nas instituições e nas empresas, amadurecida à base de cracks, bolhas e falências.
No Brasil, a cultura acionária e a diluição da propriedade das empresas ainda estão em formação, mas são inexoráveis.
*Diretor de produtos da Thymus Branding
Stephen Davis, Jon Lukomnik, David Pitt-Watson. Os Novos Capitalistas – A influência dos investidores-cidadãos nas decisões das empresas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.