Ela pode prescindir da durabilidade das organizações, ao contrário da crença geral. E nada impede que requeira choques freqüentes de destruição criativa
Embora campeiem debates sobre a noção de sustentabilidade em quase todas as áreas do conhecimento, eles obrigatoriamente têm suas raízes nas reflexões de duas disciplinas consideradas científicas: Ecologia e Economia. Na primeira, não demorou a surgir oposição à inocente idéia de que a sustentabilidade ecossistêmica corresponderia a um suposto “equilíbrio”.
Controvérsia que, com ainda mais rapidez, desembocou em solução de compromisso, com a ascensão do conceito de resiliência: a capacidade que um sistema tem de enfrentar distúrbios mantendo suas funções e estrutura. Isto é, sua habilidade de absorver choques, a eles se adequar, e mesmo deles tirar benefícios, por adaptação e reorganização. Um ecossistema se sustenta se continuar resiliente, por mais distante que esteja do equilíbrio imaginário.
Foi essa convergência teórica que permitiu a passagem da antiga noção de capacidade de suporte para a comparação entre a biocapacidade de um território e as pressões a que são submetidos seus ecossistemas, pelo aumento do consumo de energia e matéria por sociedades humanas e suas decorrentes poluições. Comparação que dá base à pegada ecológica como indicador de fácil compreensão, e cada vez mais legitimado, para mostrar a distância em que se pode estar da sustentabilidade ambiental.
Nada parecido ocorreu no âmbito da economia, onde só pioram as divergências entre três concepções bem diferentes. Para começar, a conhecida colisão entre a sustentabilidade “fraca” e a “forte”. A primeira toma como condição necessária e suficiente a regrinha de que cada geração legue à seguinte a somatória de três tipos de capital que considera inteiramente intercambiáveis ou intersubstituíveis: o propriamente dito, o natural/ecológico, e o humano/social. Na contramão está a sustentabilidade “forte”, que destaca a obrigatoriedade de que pelo menos os serviços do “capital natural” sejam mantidos constantes.
Uma crucial variante dessa segunda corrente rejeita o que em ambas mais há de comum: a ênfase nos estoques. Com o mesmo foco nos fluxos que há meio século viabilizou o surgimento e padronização do sistema de contabilidade nacional e que permitiu a mensuração do produto anual de cada país, cuja versão interna (PIB) se tornou o barômetro do desempenho socioeconômico.
Suas mazelas foram severamente criticadas, principalmente por só considerar atividades mercantis e ignorar a depreciação de recursos naturais e humanos. O que justamente provocou o atual processo de busca por correções e extensões com o objetivo de transformá-lo em indicador de prosperidade sustentável.
É contra todas as anteriores que se ergue a perspectiva biofísica, por negar que a Economia seja um sistema autônomo, e entendê-la como subsistema inteiramente dependente da evolução darwiniana e da Segunda Lei da Termodinâmica, sobre a inexorável entropia. Nessa visão, só pode haver sustentabilidade com minimização dos fluxos de energia e matéria que atravessam esse subsistema, e a decorrente necessidade de desvincular avanços sociais qualitativos de infindáveis aumentos quantitativos da produção e do consumo.
Sem indicador ou resposta
Tal algaravia explica a ausência de um indicador econômico que desfrute de mínima aceitação. O Banco Mundial está dando forte apoio à abordagem da sustentabilidade fraca em suas tentativas de estimar o que seria uma “poupança genuína” de cada país. Em paralelo, uma significativa rede de ONGs respalda a variante da prosperidade sustentável, em seus esforços para calcular um “indicador de progresso genuíno“. E o balanço dessas e de outras propostas alternativas sugere que nenhum indicador, por melhor que possa ser, vai conseguir revelar simultaneamente o grau de sustentabilidade do processo socioeconômico e o grau de qualidade de vida que dele decorre (leia mais em Sustainable Development Indicators in Ecological Economics, de Philip Lawn, London: Edward Elgar, 2006).
Então, não há resposta simples, e muito menos definitiva, para a indagação que intitula este artigo. O que as ponderações acima aconselham é que se tome muito cuidado com os vulgares abusos que estão sendo cometidos com o termo sustentabilidade.
Claro, nada poderá interditar seu uso em outros contextos, muito menos proibir o emprego metafórico que já se consolidou. Por exemplo, para se dizer de forma breve que o comportamento de uma empresa, de uma família, ou mesmo de um indivíduo, segue código ético de responsabilidade socioambiental. Ou que tal código foi observado na produção e comercialização de alguma mercadoria ou serviço.
Todavia, é preciso admitir que a sustentabilidade possa prescindir da durabilidade das organizações, e particularmente das empresas, ao contrário da crença que se generaliza. Pode ocorrer exatamente o inverso. Nada impede que sustentabilidade sistêmica da sociedade freqüentemente requeira renovadores choques de destruição criativa. Como nos ecossistemas, o que está em risco é sua resiliência, e não a durabilidade específica de seus indivíduos, grupos, ou mesmo espécies. Pelo menos é o que sugerem a evolução darwiniana e a moderna teoria da complexidade.
* Professor titular do Departamento de Economia da FEA-USP, pesquisador associado do Capability & Sustainability Centre, da Universidade de Cambridge, e autor, com Lia Zatz, do livro para jovens Desenvolvimento Sustentável: Que bicho é esse? (Autores Associados, 2008). www.zeeli.pro.br