Químico industrial de formação, é na condição de consultor empresarial que Ken O’Donnell lida com a busca de uma essência por trás da matéria. Mas nem tanto esotérico assim. Diretor para a América do Sul da organização Brahma Kumaris, que atua na área de desenvolvimento humano, O’Donnell está falando de valores, crenças e idéias que constituem a parte invisível, mas fundamental, de um iceberg. “A crise financeira é, de fato, uma crise de valores e de consciência”, marcada pela arrogância e pela ganância. Trabalhar no presente para melhorar o sistema em que vivemos e não destruí-lo, mais que uma forma de reduzir incertezas no futuro, é a receita da realização pessoal e profissional, diz o consultor, que também preside o conselho do Instituto Vivendo Valores.
Por Amália Safatle
Que trabalhos o senhor desenvolve no Instituto Vivendo Valores e quais seus objetivos?
O objetivo do instituto é aprofundar o tema de valores humanos nos diversos âmbitos. Começou com um programa para ensinar professores, especialmente da rede pública, a como trabalhar valores com as crianças – esse é um projeto realizado em quase 70 países, em parceria com o Unicef. Só no Brasil, esse programa deve ter chegado a 500 mil alunos. O programa também envolve monitores que trabalham com menores de rua, atua em hospitais para humanizar o atendimento médico, e em organizações corporativas.
Quais são esses valores, exatamente?
Nos hospitais, por exemplo, é a paciência com os pacientes. Mais sensibilidade, responsabilidade, carinho. Na escola, paz, limpeza, responsabilidade, liberdade, mas tudo isso de forma muito dinâmica e lúdica. E, nas organizações – este é um programa que levamos à frente em diversos países -, trabalhamos para que os valores deixem de ser considerados como objeto. Então, em vez de respeito, colocamos respeitar, em vez de liderança, ser líder, trabalhar em equipe, confiar, cultivar, dialogar, ser responsável, inovar, ser ético.
Momentos como este, de colapso financeiro com reflexos na economia e da consciência da crise ambiental global, são os mais propícios para reavaliar as formas como a sociedade se organizou e para questionar valores?
Momentos de crise são sempre grandes oportunidades para fazer uma reavaliação. Por exemplo, somos uma sociedade que descarta, desperdiça muito, e é extremamente antieconômica. Então, a forma pela qual levamos nossa economia acumulou uma dívida massiva. Aliás, a crise ecológica, se realmente passamos do limite, como afirmam os cientistas, vai deixar a crise financeira em segundo plano, pois ela é impagável. Então, precisamos de uma forma mais “barata” de fazer as coisas, mais eficiente, buscar saídas mais rápidas. Ser rápido e ser eficiente também são valores, e todos esses valores têm um impacto sistêmico. O problema não é apenas a parte visível de um iceberg, com base na qual você decide modificar os investimentos, injetar dinheiro, reorganizar isso, acumular aquilo. O problema é a parte debaixo do iceberg, que está levando o todo: são as crenças, são as idéias, entre as quais estão a cultura de desperdício, a cultura do ganhar rápido. A crise financeira, então, é, de fato, uma crise de valores, de consciência. E eu não vejo nenhuma mudança de direção a uma nova consciência neste momento. É a maior oportunidade da História para fazer isso, mas a arrogância reina, a ganância reina.
Mas as crises não levam a mudanças? E é sempre preciso que ocorram crises para que haja mudanças profundas?
Se você olhar a História, verá que as mudanças aconteceram por causa da necessidade. Nunca houve uma mudança significativa quando tudo estava indo bem. Muita gente está falando em uma linguagem apocalíptica, mas acredito no seguinte: ninguém sabe como será o mundo, estamos com uma grande nuvem no horizonte, mas o que eu, indivíduo, nas minhas relações no trabalho, posso fazer agora? Se eu melhorar minha condição em relação a tudo e as coisas em minha volta piorarem, certamente estarei preparado para enfrentar essa situação pior. Mas, se o futuro for melhor e eu não fizer nada, não poderei abraçá-lo. Então, sempre convém se preparar em termos de consciência. É urgente construir uma economia sustentável. O problema é que precisamos ter uma visão de longo prazo, para investir, por exemplo, em programas de energia alternativa, mesmo que hoje essa energia custe mais. Se de um lado a sustentabilidade fica em segundo plano, de outro, a força das circunstâncias é oportunidade para fazer outra coisa: apertar o cinto e investir naquilo que vai nos salvar.
Na sua opinião essas mudanças vêm apenas da pressão, da necessidade, ou dependem de uma evolução da consciência e de valores?
A pressão sempre antecede uma mudança de consciência. Não acredito que as pessoas mudem só por boa vontade, são poucas as que fazem isso. As próprias pessoas que falam muito de sustentabilidade, se você olhar sua forma de viver, não são exatamente sustentáveis. Como o ecologista que fuma. Nossos próprios hábitos têm de ser revistos neste momento. Temos pessoas assustadas e outras vendo o resultado de uma mentalidade que chegou a seu fim. Acho que essa crise vai acelerar o processo de mudanças, de busca de uma sociedade com menos desperdício. S pessoas mais inteligentes reconhecem que podem aproveitar o atual momento para mostrar esse outro lado.
Certamente haverá uma parada no desenvolvimento de carros, por exemplo, movidos a ar comprimido e outras tecnologias. Os que têm uma visão de curto prazo vão cortar gastos, mas os que têm a visão de longo prazo vão investir naquilo que acabará nos ajudando. Mas tudo isso passa por valores como a coragem, a determinação, a persistência, a frugalidade.
Para o senhor, quais são as principais falhas dos modelos vigentes de organização da sociedade?
Chegamos a esta situação principalmente por ganância e por arrogância. Muita gente queria ganhar dinheiro rápido, mesmo correndo o risco e sem garantia. Muita gente apostou suas economias de vida nisso. Nosso planeta dá suporte a mais de 6,5 bilhões de pessoas e vai abrigando 70 milhões a cada ano, e com um nível de consumo completamente desenfreado. Eu interpreto o que aconteceu como uma sacudida do sistema, uma mensagem dele próprio dizendo: “Olha, gente, não dá para continuar dessa forma”.
Então, os nossos esforços pela sustentabilidade ganharam um estímulo muito grande. Menos gente vai usar seus carros, e isso é ótimo. As pessoas não vão comprar tanta comida cara, e vão comprar a granel, por exemplo. Estamos questionando o que é sucesso hoje em dia. O sucesso verdadeiro é você estar bem consigo mesmo. Ter somente o que precisa, e não mais que isso. Isso é um sucesso.
Como os valores que estão por trás desta crise financeira se refletem na realização pessoal dos profissionais, na busca da felicidade?
Quanto mais conhecemos a nós mesmos e aos nossos valores, temos mais idéia do que somos capazes e para que servimos. Mas, se por várias razões não conseguimos expressar esses valores, a felicidade vai embora, ou pelo menos fica distante. Eu, por exemplo, tenho um traço artístico, sou músico, tenho uma sensibilidade musical, o que não deixa de ser um valor, uma coisa que eu valorizo. Agora imagine eu viver sem poder expressar essa musicalidade. A pessoa, ao conhecer o que tem de bom, de especial, o que pode oferecer ao mundo, quando encontra como e onde fazer isso, acaba se alinhando.
Como comunicar a um público de perfil empresarial a necessidade de buscar esses valores? Há uma resistência por parte dele por considerar essa conversa algo “piegas” ou “esotérico”, ou de livro de auto-ajuda?
Com certeza, se você começa a falar simplesmente sobre a importância de valores nas empresas, a reação é de ceticismo. Mas existem argumentos extremamente favoráveis à prática de valores nesse ambiente. As pesquisas do instituto Great Place to Work e outros mostram isto. A lista da “melhor empresa para trabalhar” sai todo ano em cerca de 30 países, inclusive no Brasil. Para entrar nessa lista, há uma pesquisa feita junto aos funcionários para saber o que eles chamam de “índice de confiança”, que é definido por cinco valores humanos. O primeiro é credibilidade – é quando os chefes fazem o que falam. O segundo é a imparcialidade – ser tratado pelo chefe sem favoritismo, sem corporativismo -, o terceiro, ser tratado com respeito, o quarto, ter orgulho pelo trabalho que faz, e o quinto, se há clima de camaradagem entre as pessoas que estão trabalhando juntas. Esses são indicadores de um bom lugar para trabalhar. As pesquisas que este instituto fez comparando 57 empresas que estavam na lista entre 1990 e 2000 nos EUA com outras 57 empresas parecidas que não entraram na lista, mostraram que os retornos financeiros das companhias do primeiro grupo foram quatro vezes maiores. Então, há argumentos para a prática de valores que são nitidamente financeiros.
Eu mesmo trabalhei em uma empresa no Brasil, a Nutrimental, na qual desenvolvemos vários valores durante quatro anos, e as vendas subiram 100%, o que parece pouco, mas o faturamento subiu 500%, pois o custo de operação foi reduzido enormemente. Passou a haver menos rotatividade, menos custos médicos, porque as pessoas não estavam tão estressadas, menos reuniões, mais trabalho, porque as pessoas decidiam mais rápido, melhores candidatos aparecendo para as vagas, menos absenteísmo. Então, essa é uma decisão extremamente racional.
Isso também é uma forma de governança?
Eu conheço empresas nas quais as reuniões acontecem com as pessoas em pé, pois as decisões são tomadas rapidamente. Já outras empresas vivem o tempo todo em reunião, e não fazem muito, e sim falam em fazer muita coisa. Então, é uma forma de governança, sim.
O objetivo final de toda essa discussão sobre valores é a busca da felicidade?
Qual atividade humana, mesmo as que são um conjunto de ilusões, não tem como objetivo buscar a felicidade? Ninguém busca deliberadamente ser triste. A tristeza acaba vindo quando não estamos fazendo as coisas da melhor forma que podemos.
O que se entende por felicidade e o que ela tem a ver com sustentabilidade?
A felicidade, de certa forma, é quando você está conseguindo se sustentar, de maneira auto-suficiente. É quando estou sobre meus pés, quando não dependo de ninguém, quando sou mais livre. A felicidade tem a ver com a liberdade. Agora, à medida que vou me vendendo e vou dependendo disso, daquilo, daquele objeto, a felicidade deixa de existir, vira preocupação.
Mas e a interdependência, que é um conceito fundamental da sustentabilidade e dos sistemas, não contradiz essa noção?
Tem razão em questionar isso, mas eu gosto de uma nova palavra que é a “inter-independência”, ou seja, estou livre, mas estou consciente das minhas interdependências. Se sou parte de um sistema, e estou fazendo algo para não destruí-lo – ou, ao contrário, se estou fazendo algo positivo para o meio – essa inter-independência se transforma na base da felicidade.
Na sua visão, a felicidade pode ser medida por meio de indicadores como a Felicidade Interna Bruta? Como no Butão?
Acho que sim, pois mesmo com base em temas subjetivos podemos criar critérios. Por exemplo, eu reúno minha equipe e entre nós definimos quais são os indicadores de uma relação harmoniosa. Pode ser, por exemplo, o número de vezes que a gente grita uns com os outros, o número de vezes que a gente elogia conscientemente uns aos outros.
E também posso fazer isso individualmente: como vou definir felicidade para mim mesmo? Significa que me sinto bem comigo, que estou fazendo alguma coisa útil para o mundo, que nos meus relacionamentos estou conseguindo corresponder às necessidades verdadeiras dos outros. E posso fazer isso em grupo: “Gente, o que é ser feliz aqui na nossa equipe?” Aí todos opinam e vamos colocar essas definições em uma carta de princípios e ações.
A incerteza em relação ao futuro é uma das causas de sofrimento? Se o futuro é sempre incerto, como se pode sentir felicidade?
Volto a dizer o que disse antes. Eu não sei o que é o futuro, se será pior ou melhor. Se for pior, estou fazendo meu esforço para melhorar o relacionamento comigo mesmo e com os outros. E, se for melhor, estarei ainda mais preparado. Independente de futuro, se estou fazendo esforços, isso me ajuda agora mesmo. Então, não tenho a nada a perder melhorando. Em vez de ficar sofrendo pela incerteza do futuro, é melhor concentrar-se no presente, pois o futuro não está apenas nas minhas mãos. Eu faço o melhor que posso hoje, e isso também acaba reduzindo as incertezas sobre o futuro.
Por Amália Safatle
Químico industrial de formação, é na condição de consultor empresarial que Ken O’Donnell lida com a busca de uma essência por trás da matéria. Mas nem tanto esotérico assim. Diretor para a América do Sul da organização Brahma Kumaris, que atua na área de desenvolvimento humano, O’Donnell está falando de valores, crenças e idéias que constituem a parte invisível, mas fundamental, de um iceberg. “A crise financeira é, de fato, uma crise de valores e de consciência”, marcada pela arrogância e pela ganância. Trabalhar no presente para melhorar o sistema em que vivemos e não destruí-lo, mais que uma forma de reduzir incertezas no futuro, é a receita da realização pessoal e profissional, diz o consultor, que também preside o conselho do Instituto Vivendo Valores.
Que trabalhos o senhor desenvolve no Instituto Vivendo Valores e quais seus objetivos? O objetivo do instituto é aprofundar o tema de valores humanos nos diversos âmbitos. Começou com um programa para ensinar professores, especialmente da rede pública, a como trabalhar valores com as crianças – esse é um projeto realizado em quase 70 países, em parceria com o Unicef. Só no Brasil, esse programa deve ter chegado a 500 mil alunos. O programa também envolve monitores que trabalham com menores de rua, atua em hospitais para humanizar o atendimento médico, e em organizações corporativas.
Quais são esses valores, exatamente? Nos hospitais, por exemplo, é a paciência com os pacientes. Mais sensibilidade, responsabilidade, carinho. Na escola, paz, limpeza, responsabilidade, liberdade, mas tudo isso de forma muito dinâmica e lúdica. E, nas organizações – este é um programa que levamos à frente em diversos países -, trabalhamos para que os valores deixem de ser considerados como objeto. Então, em vez de respeito, colocamos respeitar, em vez de liderança, ser líder, trabalhar em equipe, confiar, cultivar, dialogar, ser responsável, inovar, ser ético.
Momentos como este, de colapso financeiro com reflexos na economia e da consciência da crise ambiental global, são os mais propícios para reavaliar as formas como a sociedade se organizou e para questionar valores? Momentos de crise são sempre grandes oportunidades para fazer uma reavaliação. Por exemplo, somos uma sociedade que descarta, desperdiça muito, e é extremamente antieconômica. Então, a forma pela qual levamos nossa economia acumulou uma dívida massiva. Aliás, a crise ecológica, se realmente passamos do limite, como afirmam os cientistas, vai deixar a crise financeira em segundo plano, pois ela é impagável. Então, precisamos de uma forma mais “barata” de fazer as coisas, mais eficiente, buscar saídas mais rápidas. Ser rápido e ser eficiente também são valores, e todos esses valores têm um impacto sistêmico. O problema não é apenas a parte visível de um iceberg, com base na qual você decide modificar os investimentos, injetar dinheiro, reorganizar isso, acumular aquilo. O problema é a parte debaixo do iceberg, que está levando o todo: são as crenças, são as idéias, entre as quais estão a cultura de desperdício, a cultura do ganhar rápido. A crise financeira, então, é, de fato, uma crise de valores, de consciência. E eu não vejo nenhuma mudança de direção a uma nova consciência neste momento. É a maior oportunidade da História para fazer isso, mas a arrogância reina, a ganância reina.
Mas as crises não levam a mudanças? E é sempre preciso que ocorram crises para que haja mudanças profundas? Se você olhar a História, verá que as mudanças aconteceram por causa da necessidade. Nunca houve uma mudança significativa quando tudo estava indo bem. Muita gente está falando em uma linguagem apocalíptica, mas acredito no seguinte: ninguém sabe como será o mundo, estamos com uma grande nuvem no horizonte, mas o que eu, indivíduo, nas minhas relações no trabalho, posso fazer agora? Se eu melhorar minha condição em relação a tudo e as coisas em minha volta piorarem, certamente estarei preparado para enfrentar essa situação pior. Mas, se o futuro for melhor e eu não fizer nada, não poderei abraçá-lo. Então, sempre convém se preparar em termos de consciência. É urgente construir uma economia sustentável. O problema é que precisamos ter uma visão de longo prazo, para investir, por exemplo, em programas de energia alternativa, mesmo que hoje essa energia custe mais. Se de um lado a sustentabilidade fica em segundo plano, de outro, a força das circunstâncias é oportunidade para fazer outra coisa: apertar o cinto e investir naquilo que vai nos salvar.
Na sua opinião essas mudanças vêm apenas da pressão, da necessidade, ou dependem de uma evolução da consciência e de valores? A pressão sempre antecede uma mudança de consciência. Não acredito que as pessoas mudem só por boa vontade, são poucas as que fazem isso. As próprias pessoas que falam muito de sustentabilidade, se você olhar sua forma de viver, não são exatamente sustentáveis. Como o ecologista que fuma. Nossos próprios hábitos têm de ser revistos neste momento. Temos pessoas assustadas e outras vendo o resultado de uma mentalidade que chegou a seu fim. Acho que essa crise vai acelerar o processo de mudanças, de busca de uma sociedade com menos desperdício. As pessoas mais inteligentes reconhecem que podem aproveitar o atual momento para mostrar esse outro lado. Certamente haverá uma parada no desenvolvimento de carros, por exemplo, movidos a ar comprimido e outras tecnologias. Os que têm uma visão de curto prazo vão cortar gastos, mas os que têm a visão de longo prazo vão investir naquilo que acabará nos ajudando. Mas tudo isso passa por valores como a coragem, a determinação, a persistência, a frugalidade.
Para o senhor, quais são as principais falhas dos modelos vigentes de organização da sociedade? Chegamos a esta situação principalmente por ganância e por arrogância. Muita gente queria ganhar dinheiro rápido, mesmo correndo o risco e sem garantia. Muita gente apostou suas economias de vida nisso. Nosso planeta dá suporte a mais de 6,5 bilhões de pessoas e vai abrigando 70 milhões a cada ano, e com um nível de consumo completamente desenfreado. Eu interpreto o que aconteceu como uma sacudida do sistema, uma mensagem dele próprio dizendo: “Olha, gente, não dá para continuar dessa forma”. Então, os nossos esforços pela sustentabilidade ganharam um estímulo muito grande. Menos gente vai usar seus carros, e isso é ótimo. As pessoas não vão comprar tanta comida cara, e vão comprar a granel, por exemplo. Estamos questionando o que é sucesso hoje em dia. O sucesso verdadeiro é você estar bem consigo mesmo. Ter somente o que precisa, e não mais que isso. Isso é um sucesso.
Como os valores que estão por trás desta crise financeira se refletem na realização pessoal dos profissionais, na busca da felicidade? Quanto mais conhecemos a nós mesmos e aos nossos valores, temos mais idéia do que somos capazes e para que servimos. Mas, se por várias razões não conseguimos expressar esses valores, a felicidade vai embora, ou pelo menos fica distante. Eu, por exemplo, tenho um traço artístico, sou músico, tenho uma sensibilidade musical, o que não deixa de ser um valor, uma coisa que eu valorizo. Agora imagine eu viver sem poder expressar essa musicalidade. A pessoa, ao conhecer o que tem de bom, de especial, o que pode oferecer ao mundo, quando encontra como e onde fazer isso, acaba se alinhando. Como comunicar a um público de perfil empresarial a necessidade de buscar esses valores? Há uma resistência por parte dele por considerar essa conversa algo “piegas” ou “esotérico”, ou de livro de auto-ajuda? Com certeza, se você começa a falar simplesmente sobre a importância de valores nas empresas, a reação é de ceticismo. Mas existem argumentos extremamente favoráveis à prática de valores nesse ambiente. As pesquisas do instituto Great Place to Work e outros mostram isto. A lista da “melhor empresa para trabalhar” sai todo ano em cerca de 30 países, inclusive no Brasil. Para entrar nessa lista, há uma pesquisa feita junto aos funcionários para saber o que eles chamam de “índice de confiança”, que é definido por cinco valores humanos. O primeiro é credibilidade – é quando os chefes fazem o que falam. O segundo é a imparcialidade – ser tratado pelo chefe sem favoritismo, sem corporativismo -, o terceiro, ser tratado com respeito, o quarto, ter orgulho pelo trabalho que faz, e o quinto, se há clima de camaradagem entre as pessoas que estão trabalhando juntas. Esses são indicadores de um bom lugar para trabalhar. As pesquisas que este instituto fez comparando 57 empresas que estavam na lista entre 1990 e 2000 nos EUA com outras 57 empresas parecidas que não entraram na lista, mostraram que os retornos financeiros das companhias do primeiro grupo foram quatro vezes maiores. Então, há argumentos para a prática de valores que são nitidamente financeiros. Eu mesmo trabalhei em uma empresa no Brasil, a Nutrimental, na qual desenvolvemos vários valores durante quatro anos, e as vendas subiram 100%, o que parece pouco, mas o faturamento subiu 500%, pois o custo de operação foi reduzido enormemente. Passou a haver menos rotatividade, menos custos médicos, porque as pessoas não estavam tão estressadas, menos reuniões, mais trabalho, porque as pessoas decidiam mais rápido, melhores candidatos aparecendo para as vagas, menos absenteísmo. Então, essa é uma decisão extremamente racional.
Isso também é uma forma de governança? Eu conheço empresas nas quais as reuniões acontecem com as pessoas em pé, pois as decisões são tomadas rapidamente. Já outras empresas vivem o tempo todo em reunião, e não fazem muito, e sim falam em fazer muita coisa. Então, é uma forma de governança, sim.
[:en]
Químico industrial de formação, é na condição de consultor empresarial que Ken O’Donnell lida com a busca de uma essência por trás da matéria. Mas nem tanto esotérico assim. Diretor para a América do Sul da organização Brahma Kumaris, que atua na área de desenvolvimento humano, O’Donnell está falando de valores, crenças e idéias que constituem a parte invisível, mas fundamental, de um iceberg. “A crise financeira é, de fato, uma crise de valores e de consciência”, marcada pela arrogância e pela ganância. Trabalhar no presente para melhorar o sistema em que vivemos e não destruí-lo, mais que uma forma de reduzir incertezas no futuro, é a receita da realização pessoal e profissional, diz o consultor, que também preside o conselho do Instituto Vivendo Valores.
Por Amália Safatle
Que trabalhos o senhor desenvolve no Instituto Vivendo Valores e quais seus objetivos?
O objetivo do instituto é aprofundar o tema de valores humanos nos diversos âmbitos. Começou com um programa para ensinar professores, especialmente da rede pública, a como trabalhar valores com as crianças – esse é um projeto realizado em quase 70 países, em parceria com o Unicef. Só no Brasil, esse programa deve ter chegado a 500 mil alunos. O programa também envolve monitores que trabalham com menores de rua, atua em hospitais para humanizar o atendimento médico, e em organizações corporativas.
Quais são esses valores, exatamente?
Nos hospitais, por exemplo, é a paciência com os pacientes. Mais sensibilidade, responsabilidade, carinho. Na escola, paz, limpeza, responsabilidade, liberdade, mas tudo isso de forma muito dinâmica e lúdica. E, nas organizações – este é um programa que levamos à frente em diversos países -, trabalhamos para que os valores deixem de ser considerados como objeto. Então, em vez de respeito, colocamos respeitar, em vez de liderança, ser líder, trabalhar em equipe, confiar, cultivar, dialogar, ser responsável, inovar, ser ético.
Momentos como este, de colapso financeiro com reflexos na economia e da consciência da crise ambiental global, são os mais propícios para reavaliar as formas como a sociedade se organizou e para questionar valores?
Momentos de crise são sempre grandes oportunidades para fazer uma reavaliação. Por exemplo, somos uma sociedade que descarta, desperdiça muito, e é extremamente antieconômica. Então, a forma pela qual levamos nossa economia acumulou uma dívida massiva. Aliás, a crise ecológica, se realmente passamos do limite, como afirmam os cientistas, vai deixar a crise financeira em segundo plano, pois ela é impagável. Então, precisamos de uma forma mais “barata” de fazer as coisas, mais eficiente, buscar saídas mais rápidas. Ser rápido e ser eficiente também são valores, e todos esses valores têm um impacto sistêmico. O problema não é apenas a parte visível de um iceberg, com base na qual você decide modificar os investimentos, injetar dinheiro, reorganizar isso, acumular aquilo. O problema é a parte debaixo do iceberg, que está levando o todo: são as crenças, são as idéias, entre as quais estão a cultura de desperdício, a cultura do ganhar rápido. A crise financeira, então, é, de fato, uma crise de valores, de consciência. E eu não vejo nenhuma mudança de direção a uma nova consciência neste momento. É a maior oportunidade da História para fazer isso, mas a arrogância reina, a ganância reina.
Mas as crises não levam a mudanças? E é sempre preciso que ocorram crises para que haja mudanças profundas?
Se você olhar a História, verá que as mudanças aconteceram por causa da necessidade. Nunca houve uma mudança significativa quando tudo estava indo bem. Muita gente está falando em uma linguagem apocalíptica, mas acredito no seguinte: ninguém sabe como será o mundo, estamos com uma grande nuvem no horizonte, mas o que eu, indivíduo, nas minhas relações no trabalho, posso fazer agora? Se eu melhorar minha condição em relação a tudo e as coisas em minha volta piorarem, certamente estarei preparado para enfrentar essa situação pior. Mas, se o futuro for melhor e eu não fizer nada, não poderei abraçá-lo. Então, sempre convém se preparar em termos de consciência. É urgente construir uma economia sustentável. O problema é que precisamos ter uma visão de longo prazo, para investir, por exemplo, em programas de energia alternativa, mesmo que hoje essa energia custe mais. Se de um lado a sustentabilidade fica em segundo plano, de outro, a força das circunstâncias é oportunidade para fazer outra coisa: apertar o cinto e investir naquilo que vai nos salvar.
Na sua opinião essas mudanças vêm apenas da pressão, da necessidade, ou dependem de uma evolução da consciência e de valores?
A pressão sempre antecede uma mudança de consciência. Não acredito que as pessoas mudem só por boa vontade, são poucas as que fazem isso. As próprias pessoas que falam muito de sustentabilidade, se você olhar sua forma de viver, não são exatamente sustentáveis. Como o ecologista que fuma. Nossos próprios hábitos têm de ser revistos neste momento. Temos pessoas assustadas e outras vendo o resultado de uma mentalidade que chegou a seu fim. Acho que essa crise vai acelerar o processo de mudanças, de busca de uma sociedade com menos desperdício. S pessoas mais inteligentes reconhecem que podem aproveitar o atual momento para mostrar esse outro lado.
Certamente haverá uma parada no desenvolvimento de carros, por exemplo, movidos a ar comprimido e outras tecnologias. Os que têm uma visão de curto prazo vão cortar gastos, mas os que têm a visão de longo prazo vão investir naquilo que acabará nos ajudando. Mas tudo isso passa por valores como a coragem, a determinação, a persistência, a frugalidade.
Para o senhor, quais são as principais falhas dos modelos vigentes de organização da sociedade?
Chegamos a esta situação principalmente por ganância e por arrogância. Muita gente queria ganhar dinheiro rápido, mesmo correndo o risco e sem garantia. Muita gente apostou suas economias de vida nisso. Nosso planeta dá suporte a mais de 6,5 bilhões de pessoas e vai abrigando 70 milhões a cada ano, e com um nível de consumo completamente desenfreado. Eu interpreto o que aconteceu como uma sacudida do sistema, uma mensagem dele próprio dizendo: “Olha, gente, não dá para continuar dessa forma”.
Então, os nossos esforços pela sustentabilidade ganharam um estímulo muito grande. Menos gente vai usar seus carros, e isso é ótimo. As pessoas não vão comprar tanta comida cara, e vão comprar a granel, por exemplo. Estamos questionando o que é sucesso hoje em dia. O sucesso verdadeiro é você estar bem consigo mesmo. Ter somente o que precisa, e não mais que isso. Isso é um sucesso.
Como os valores que estão por trás desta crise financeira se refletem na realização pessoal dos profissionais, na busca da felicidade?
Quanto mais conhecemos a nós mesmos e aos nossos valores, temos mais idéia do que somos capazes e para que servimos. Mas, se por várias razões não conseguimos expressar esses valores, a felicidade vai embora, ou pelo menos fica distante. Eu, por exemplo, tenho um traço artístico, sou músico, tenho uma sensibilidade musical, o que não deixa de ser um valor, uma coisa que eu valorizo. Agora imagine eu viver sem poder expressar essa musicalidade. A pessoa, ao conhecer o que tem de bom, de especial, o que pode oferecer ao mundo, quando encontra como e onde fazer isso, acaba se alinhando.
Como comunicar a um público de perfil empresarial a necessidade de buscar esses valores? Há uma resistência por parte dele por considerar essa conversa algo “piegas” ou “esotérico”, ou de livro de auto-ajuda?
Com certeza, se você começa a falar simplesmente sobre a importância de valores nas empresas, a reação é de ceticismo. Mas existem argumentos extremamente favoráveis à prática de valores nesse ambiente. As pesquisas do instituto Great Place to Work e outros mostram isto. A lista da “melhor empresa para trabalhar” sai todo ano em cerca de 30 países, inclusive no Brasil. Para entrar nessa lista, há uma pesquisa feita junto aos funcionários para saber o que eles chamam de “índice de confiança”, que é definido por cinco valores humanos. O primeiro é credibilidade – é quando os chefes fazem o que falam. O segundo é a imparcialidade – ser tratado pelo chefe sem favoritismo, sem corporativismo -, o terceiro, ser tratado com respeito, o quarto, ter orgulho pelo trabalho que faz, e o quinto, se há clima de camaradagem entre as pessoas que estão trabalhando juntas. Esses são indicadores de um bom lugar para trabalhar. As pesquisas que este instituto fez comparando 57 empresas que estavam na lista entre 1990 e 2000 nos EUA com outras 57 empresas parecidas que não entraram na lista, mostraram que os retornos financeiros das companhias do primeiro grupo foram quatro vezes maiores. Então, há argumentos para a prática de valores que são nitidamente financeiros.
Eu mesmo trabalhei em uma empresa no Brasil, a Nutrimental, na qual desenvolvemos vários valores durante quatro anos, e as vendas subiram 100%, o que parece pouco, mas o faturamento subiu 500%, pois o custo de operação foi reduzido enormemente. Passou a haver menos rotatividade, menos custos médicos, porque as pessoas não estavam tão estressadas, menos reuniões, mais trabalho, porque as pessoas decidiam mais rápido, melhores candidatos aparecendo para as vagas, menos absenteísmo. Então, essa é uma decisão extremamente racional.
Isso também é uma forma de governança?
Eu conheço empresas nas quais as reuniões acontecem com as pessoas em pé, pois as decisões são tomadas rapidamente. Já outras empresas vivem o tempo todo em reunião, e não fazem muito, e sim falam em fazer muita coisa. Então, é uma forma de governança, sim.
O objetivo final de toda essa discussão sobre valores é a busca da felicidade?
Qual atividade humana, mesmo as que são um conjunto de ilusões, não tem como objetivo buscar a felicidade? Ninguém busca deliberadamente ser triste. A tristeza acaba vindo quando não estamos fazendo as coisas da melhor forma que podemos.
O que se entende por felicidade e o que ela tem a ver com sustentabilidade?
A felicidade, de certa forma, é quando você está conseguindo se sustentar, de maneira auto-suficiente. É quando estou sobre meus pés, quando não dependo de ninguém, quando sou mais livre. A felicidade tem a ver com a liberdade. Agora, à medida que vou me vendendo e vou dependendo disso, daquilo, daquele objeto, a felicidade deixa de existir, vira preocupação.
Mas e a interdependência, que é um conceito fundamental da sustentabilidade e dos sistemas, não contradiz essa noção?
Tem razão em questionar isso, mas eu gosto de uma nova palavra que é a “inter-independência”, ou seja, estou livre, mas estou consciente das minhas interdependências. Se sou parte de um sistema, e estou fazendo algo para não destruí-lo – ou, ao contrário, se estou fazendo algo positivo para o meio – essa inter-independência se transforma na base da felicidade.
Na sua visão, a felicidade pode ser medida por meio de indicadores como a Felicidade Interna Bruta? Como no Butão?
Acho que sim, pois mesmo com base em temas subjetivos podemos criar critérios. Por exemplo, eu reúno minha equipe e entre nós definimos quais são os indicadores de uma relação harmoniosa. Pode ser, por exemplo, o número de vezes que a gente grita uns com os outros, o número de vezes que a gente elogia conscientemente uns aos outros.
E também posso fazer isso individualmente: como vou definir felicidade para mim mesmo? Significa que me sinto bem comigo, que estou fazendo alguma coisa útil para o mundo, que nos meus relacionamentos estou conseguindo corresponder às necessidades verdadeiras dos outros. E posso fazer isso em grupo: “Gente, o que é ser feliz aqui na nossa equipe?” Aí todos opinam e vamos colocar essas definições em uma carta de princípios e ações.
A incerteza em relação ao futuro é uma das causas de sofrimento? Se o futuro é sempre incerto, como se pode sentir felicidade?
Volto a dizer o que disse antes. Eu não sei o que é o futuro, se será pior ou melhor. Se for pior, estou fazendo meu esforço para melhorar o relacionamento comigo mesmo e com os outros. E, se for melhor, estarei ainda mais preparado. Independente de futuro, se estou fazendo esforços, isso me ajuda agora mesmo. Então, não tenho a nada a perder melhorando. Em vez de ficar sofrendo pela incerteza do futuro, é melhor concentrar-se no presente, pois o futuro não está apenas nas minhas mãos. Eu faço o melhor que posso hoje, e isso também acaba reduzindo as incertezas sobre o futuro.
Químico industrial de formação, é na condição de consultor empresarial que Ken O’Donnell lida com a busca de uma essência por trás da matéria. Mas nem tanto esotérico assim. Diretor para a América do Sul da organização Brahma Kumaris, que atua na área de desenvolvimento humano, O’Donnell está falando de valores, crenças e idéias que constituem a parte invisível, mas fundamental, de um iceberg. “A crise financeira é, de fato, uma crise de valores e de consciência”, marcada pela arrogância e pela ganância. Trabalhar no presente para melhorar o sistema em que vivemos e não destruí-lo, mais que uma forma de reduzir incertezas no futuro, é a receita da realização pessoal e profissional, diz o consultor, que também preside o conselho do Instituto Vivendo Valores.
Que trabalhos o senhor desenvolve no Instituto Vivendo Valores e quais seus objetivos? O objetivo do instituto é aprofundar o tema de valores humanos nos diversos âmbitos. Começou com um programa para ensinar professores, especialmente da rede pública, a como trabalhar valores com as crianças – esse é um projeto realizado em quase 70 países, em parceria com o Unicef. Só no Brasil, esse programa deve ter chegado a 500 mil alunos. O programa também envolve monitores que trabalham com menores de rua, atua em hospitais para humanizar o atendimento médico, e em organizações corporativas.
Quais são esses valores, exatamente? Nos hospitais, por exemplo, é a paciência com os pacientes. Mais sensibilidade, responsabilidade, carinho. Na escola, paz, limpeza, responsabilidade, liberdade, mas tudo isso de forma muito dinâmica e lúdica. E, nas organizações – este é um programa que levamos à frente em diversos países -, trabalhamos para que os valores deixem de ser considerados como objeto. Então, em vez de respeito, colocamos respeitar, em vez de liderança, ser líder, trabalhar em equipe, confiar, cultivar, dialogar, ser responsável, inovar, ser ético.
Momentos como este, de colapso financeiro com reflexos na economia e da consciência da crise ambiental global, são os mais propícios para reavaliar as formas como a sociedade se organizou e para questionar valores? Momentos de crise são sempre grandes oportunidades para fazer uma reavaliação. Por exemplo, somos uma sociedade que descarta, desperdiça muito, e é extremamente antieconômica. Então, a forma pela qual levamos nossa economia acumulou uma dívida massiva. Aliás, a crise ecológica, se realmente passamos do limite, como afirmam os cientistas, vai deixar a crise financeira em segundo plano, pois ela é impagável. Então, precisamos de uma forma mais “barata” de fazer as coisas, mais eficiente, buscar saídas mais rápidas. Ser rápido e ser eficiente também são valores, e todos esses valores têm um impacto sistêmico. O problema não é apenas a parte visível de um iceberg, com base na qual você decide modificar os investimentos, injetar dinheiro, reorganizar isso, acumular aquilo. O problema é a parte debaixo do iceberg, que está levando o todo: são as crenças, são as idéias, entre as quais estão a cultura de desperdício, a cultura do ganhar rápido. A crise financeira, então, é, de fato, uma crise de valores, de consciência. E eu não vejo nenhuma mudança de direção a uma nova consciência neste momento. É a maior oportunidade da História para fazer isso, mas a arrogância reina, a ganância reina.
Mas as crises não levam a mudanças? E é sempre preciso que ocorram crises para que haja mudanças profundas? Se você olhar a História, verá que as mudanças aconteceram por causa da necessidade. Nunca houve uma mudança significativa quando tudo estava indo bem. Muita gente está falando em uma linguagem apocalíptica, mas acredito no seguinte: ninguém sabe como será o mundo, estamos com uma grande nuvem no horizonte, mas o que eu, indivíduo, nas minhas relações no trabalho, posso fazer agora? Se eu melhorar minha condição em relação a tudo e as coisas em minha volta piorarem, certamente estarei preparado para enfrentar essa situação pior. Mas, se o futuro for melhor e eu não fizer nada, não poderei abraçá-lo. Então, sempre convém se preparar em termos de consciência. É urgente construir uma economia sustentável. O problema é que precisamos ter uma visão de longo prazo, para investir, por exemplo, em programas de energia alternativa, mesmo que hoje essa energia custe mais. Se de um lado a sustentabilidade fica em segundo plano, de outro, a força das circunstâncias é oportunidade para fazer outra coisa: apertar o cinto e investir naquilo que vai nos salvar.
Na sua opinião essas mudanças vêm apenas da pressão, da necessidade, ou dependem de uma evolução da consciência e de valores? A pressão sempre antecede uma mudança de consciência. Não acredito que as pessoas mudem só por boa vontade, são poucas as que fazem isso. As próprias pessoas que falam muito de sustentabilidade, se você olhar sua forma de viver, não são exatamente sustentáveis. Como o ecologista que fuma. Nossos próprios hábitos têm de ser revistos neste momento. Temos pessoas assustadas e outras vendo o resultado de uma mentalidade que chegou a seu fim. Acho que essa crise vai acelerar o processo de mudanças, de busca de uma sociedade com menos desperdício. As pessoas mais inteligentes reconhecem que podem aproveitar o atual momento para mostrar esse outro lado. Certamente haverá uma parada no desenvolvimento de carros, por exemplo, movidos a ar comprimido e outras tecnologias. Os que têm uma visão de curto prazo vão cortar gastos, mas os que têm a visão de longo prazo vão investir naquilo que acabará nos ajudando. Mas tudo isso passa por valores como a coragem, a determinação, a persistência, a frugalidade.
Para o senhor, quais são as principais falhas dos modelos vigentes de organização da sociedade? Chegamos a esta situação principalmente por ganância e por arrogância. Muita gente queria ganhar dinheiro rápido, mesmo correndo o risco e sem garantia. Muita gente apostou suas economias de vida nisso. Nosso planeta dá suporte a mais de 6,5 bilhões de pessoas e vai abrigando 70 milhões a cada ano, e com um nível de consumo completamente desenfreado. Eu interpreto o que aconteceu como uma sacudida do sistema, uma mensagem dele próprio dizendo: “Olha, gente, não dá para continuar dessa forma”. Então, os nossos esforços pela sustentabilidade ganharam um estímulo muito grande. Menos gente vai usar seus carros, e isso é ótimo. As pessoas não vão comprar tanta comida cara, e vão comprar a granel, por exemplo. Estamos questionando o que é sucesso hoje em dia. O sucesso verdadeiro é você estar bem consigo mesmo. Ter somente o que precisa, e não mais que isso. Isso é um sucesso.
Como os valores que estão por trás desta crise financeira se refletem na realização pessoal dos profissionais, na busca da felicidade? Quanto mais conhecemos a nós mesmos e aos nossos valores, temos mais idéia do que somos capazes e para que servimos. Mas, se por várias razões não conseguimos expressar esses valores, a felicidade vai embora, ou pelo menos fica distante. Eu, por exemplo, tenho um traço artístico, sou músico, tenho uma sensibilidade musical, o que não deixa de ser um valor, uma coisa que eu valorizo. Agora imagine eu viver sem poder expressar essa musicalidade. A pessoa, ao conhecer o que tem de bom, de especial, o que pode oferecer ao mundo, quando encontra como e onde fazer isso, acaba se alinhando. Como comunicar a um público de perfil empresarial a necessidade de buscar esses valores? Há uma resistência por parte dele por considerar essa conversa algo “piegas” ou “esotérico”, ou de livro de auto-ajuda? Com certeza, se você começa a falar simplesmente sobre a importância de valores nas empresas, a reação é de ceticismo. Mas existem argumentos extremamente favoráveis à prática de valores nesse ambiente. As pesquisas do instituto Great Place to Work e outros mostram isto. A lista da “melhor empresa para trabalhar” sai todo ano em cerca de 30 países, inclusive no Brasil. Para entrar nessa lista, há uma pesquisa feita junto aos funcionários para saber o que eles chamam de “índice de confiança”, que é definido por cinco valores humanos. O primeiro é credibilidade – é quando os chefes fazem o que falam. O segundo é a imparcialidade – ser tratado pelo chefe sem favoritismo, sem corporativismo -, o terceiro, ser tratado com respeito, o quarto, ter orgulho pelo trabalho que faz, e o quinto, se há clima de camaradagem entre as pessoas que estão trabalhando juntas. Esses são indicadores de um bom lugar para trabalhar. As pesquisas que este instituto fez comparando 57 empresas que estavam na lista entre 1990 e 2000 nos EUA com outras 57 empresas parecidas que não entraram na lista, mostraram que os retornos financeiros das companhias do primeiro grupo foram quatro vezes maiores. Então, há argumentos para a prática de valores que são nitidamente financeiros. Eu mesmo trabalhei em uma empresa no Brasil, a Nutrimental, na qual desenvolvemos vários valores durante quatro anos, e as vendas subiram 100%, o que parece pouco, mas o faturamento subiu 500%, pois o custo de operação foi reduzido enormemente. Passou a haver menos rotatividade, menos custos médicos, porque as pessoas não estavam tão estressadas, menos reuniões, mais trabalho, porque as pessoas decidiam mais rápido, melhores candidatos aparecendo para as vagas, menos absenteísmo. Então, essa é uma decisão extremamente racional.
Isso também é uma forma de governança? Eu conheço empresas nas quais as reuniões acontecem com as pessoas em pé, pois as decisões são tomadas rapidamente. Já outras empresas vivem o tempo todo em reunião, e não fazem muito, e sim falam em fazer muita coisa. Então, é uma forma de governança, sim.
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