No cerne da crise do sistema financeiro global está a mesma visão de curto prazo que impede as empresas de adotar estratégias e práticas da sustentabilidade, aponta Simon Zadek, chief executive da AccountAbility, organização que promove a prestacão de contas como caminho para o desenvolvimento sustentável. Para aproveitar a oportunidade única de mudar o mainstream, o movimento da sustentabilidade precisa influenciar, rapidamente, o pequeno grupo de pessoas que vai redesenhar o sistema financeiro. Já existem no mercado, lembra Zadek, experiências em que as decisões de investimento levam em conta a performance de longo prazo e os temas da sustentabilidade. É necessário alavancá-las.
Por Flavia Pardini
Quais os efeitos da crise financeira para a agenda da sustentabilidade?
A crise deixa boa parte da agenda da sustentabilidade sob estresse, em algumas instâncias, sob muito estresse. De outro lado, é um sintoma do mesmo conjunto de problemas que nos limita nas abordagens da sustentabilidade. Deveríamos vê-la como oportunidade de ir à raiz do problema.
Qual é a raiz do problema, na sua visão?
Se focarmos no setor empresarial e na maneira com que a economia cria resultados ligados à sustentabilidade, é crucialo papel da comunidade de investimentos em decidir o que as empresas podem ou não fazer. Sabemos que o comportamento dos traders – gestores de fundos -, que buscam resultados de curto prazo ao competir uns com os outros em vez de investir na criação de valor de longo prazo, é uma grande razão pela qual as empresas não podem abordar a sustentabilidade nas estratégias e práticas de negócio. O “curto-prazismo”, que limita a comunidade empresarial nas abordagens da sustentabilidade, é exatamente o mesmo que o desconto do risco que levou a comunidade de investimentos a essa bagunça em que se encontra. São uma mesma coisa. Da mesma forma que os gestores de fundos são incentivados a buscar resultados de curto prazo – parte das razões por que estavam dispostos a comprar hipotecas subprime, securitizá-las e passá-las para a frente -, eles demandam performance de curto prazo de empresas que em outras circunstâncias se concentrariam em investimentos de longo prazo em produtos e serviços para, por exemplo, um mundo onde há limite para as emissões de carbono.
De que maneira a crise pode nos levar à visão de longo prazo nos investimentos e a uma nova economia?
Esta é a primeira vez na minha vida que a comunidade de investimentos está tão enfraquecida que temos a oportunidade de forçá-la a mudar. A oportunidade é que, ao tomar o dinheiro de contribuintes e exigir o apoio dos cidadãos que elegem os governos, ela seja forçada a adotar mudanças nas práticas que, ao longo das últimas duas décadas ou mais, relutou em adotar. Este é o coração da oportunidade.
Isso requer que estejamos – contribuintes e eleitores – em sintonia com a agenda da sustentabilidade.
O senhor acha que esse é o caso?
Não acho, absolutamente não. O paradoxo é que temos uma oportunidade quase única, que ocorre uma vez na vida, e não estamos preparados para ela.
Isso é trágico!
Está certo, é trágico em vez de paradoxal. Os investimentos socialmente responsáveis, por exemplo, vêm sendo trabalhados há décadas, mas essa comunidade não tem as competências, a voz ou o processo coletivo necessários para influenciar temas como os bônus estruturados para os gestores de fundos, os problemas que permeiam a governança dos fundos de pensão ou os desafios postos pelo fato de que as agências de rating de crédito não são independentes ou suficientemente competentes.
Estamos em um momento em que, de um lado, gritamos sobre a necessidade de sustentabilidade – particularmente nas negociações sobre a mudança climática – e, de outro, um pequeno grupo de pessoas vai examinar a re-regulação da comunidade financeira sem qualquer consideração por temas da sustentabilidade. Zero. Se acrescentarmos o desafio do tempo, há a oportunidade de fazer mudanças durante o período em que essa comunidade está enfraquecida, mas, se as coisas forem bem, em dois ou três meses essa posição vai passar e será muito tarde.
Como influenciar esse pequeno grupo se ele nem pensa em sustentabilidade?
Conhecemos, coletivamente, as pessoas que dirigem a Securities and Exchange Commission, nos EUA, a Financial Services Authority, no Reino Unido, os líderes políticos, de Gordon Brown a Barack Obama, e outros que serão chave tanto no desenho técnico quanto na coragem política para fazer mudanças. A boa notícia é que, dez ou vinte anos atrás, as pessoas No movimento da sustentabilidade não conheciam as pessoas certas, mas agora conhecemos. Precisamos também enfatizar o paradoxo. Se examinar as edições do Financial Times do último mês, vai ver que não há um artigo sequer que faça a conexão. Não é só porque eles não sabem da conexão.
Tentamos oferecer material a esses veículos de mídia, mas eles não aceitam. A discussão sobre a regulação financeira já está na mídia, controlada por um pequeno número de pessoas, “os especialistas”. Já existe um monopólio do conhecimento por parte das mesmas pessoas que há dois anos decidiam as virtudes do sistema financeiro. Então, primeiro precisamos enfatizar a conexão para uma audiência ampla, não só por meio de pequenas revistas de responsabilidade corporativa.
Em segundo lugar, precisamos alertar rapidamente aqueles que trabalham no lado das políticas de que é o momento de agir. Em terceiro lugar, há pessoas – espero ser uma delas – tentando unir rapidamente as duas agendas. Em quarto lugar, precisamos pensar no que queremos que a nova estrutura regulatória adote. Não é suficiente dizer: “Queremos que ela aborde a sustentabilidade”. Comentários abstratos são coisa de dez anos atrás, temos que saber precisamente as mudanças que queremos.
Então, no meio dessa oportunidade extraordinária, também somos desafiados sobre se temos as respostas certas. Acho que temos várias das respostas, mas certamente há trabalho a ser feito rapidamente. Não há muito tempo, acordaremos em janeiro e a oportunidade de mudar a comunidade de investimentos provavelmente terá desaparecido.
Se isso acontecer, quais as conseqüências de as agendas do mundo financeiro e da sustentabilidade continuarem separadas?
Vamos examinar o exemplo da mudança climática. Estamos no meio de uma negociação complexa sobre algo que vai além do Protocolo de Kyoto. Possivelmente, a mais complicada negociação que a comunidade global já tentou. Parte do desafio é como gerar trilhões de dólares para produzir reduções das emissões de carbono. Nem milhões nem bilhões, trilhões. As pessoas que trabalham com mudança climática estão ocupadas, pensando: “Podemos criar mercados de carbono, usar impostos, taxar o combustível de aviação…” Todos estão centrados em como criar as finanças do carbono.
A ironia é que o que realmente precisamos é direcionar o principal veículo de financiamento do planeta – o mercado de capitais – para uma abordagem de investimento que precifique o carbono de maneira diferente. Em primeira instância, significa concentrar-se na criação de valor de longo prazo, ao fazer com que mais e mais empresas incluam o preço do carbono em seus cálculos. Se não conectarmos esses dois mundos, acordaremos em janeiro sem que trilhões de dólares no mercado de capitais respondam à mudança climática, e estaremos ainda tentando levantar outros trilhões com os contribuintes mais sensíveis à mudança climática.
Do outro lado, temos a oportunidade de acordar em janeiro, fevereiro ou março, com um alinhamento muito maior entre onde realmente está o dinheiro – que é o mercado de capitais – e a real necessidade – neste caso, a redução das emissões de carbono.
Qual o papel nesse cenário dos negociadores do sucessor do Protocolo de Kyoto?
Na semana passada estive em Paris com negociadores de países desenvolvidos e de países emergentes avançados. Tivemos justamente esta conversa, e a preocupação deles, com razão, era de que a crise financeira distrairia a atenção do processo político sobre a necessidade de alcançar um acordo climático e tornaria mais difícil destravar recursos para pagar pelo acordo.
Oferecemos em troca a perspectiva que acabei de expor. Eles disseram: “Esse é um assunto do qual não sabemos nada, para o qual não temos mandato e que não podemos trazer para as negociações, pois elas não podem dar conta dele”. Um dos negociadores estava sentado no mesmo corredor em que a equipe financeira de seu país se reunia, e ele destacou a ironia de ele e seus colegas estarem completamente separados ao lidar com temas profundamente conectados.
Nosso desafio é conectar, encorajar os negociadores a ver a oportunidade, não de trazer o tema para as negociações, pois isso é muito pouco provável a esta altura, mas de criar consciência na esfera dos governos, especialmente os governos do Norte que terão que pagar a conta da mudança climática, sobre a oportunidade de a re-regulação financeira ajudá-los a pagar essa conta.
Qual é o papel dos países em desenvolvimento, particularmente o Brasil?
Quando os líderes políticos da China, Índia, Brasil, África do Sul e outros dizem aos cidadãos do Norte que “vocês criaram o problema, vocês paguem para se livrar dele”, acho que há uma dose de verdade. Mas, se nos prendermos a esse ponto, como diria Al Gore, ninguém terá muito desenvolvimento.
Não posso imaginar um país como o Brasil dizendo: “Estamos dispostos a reduzir nossa taxa de crescimento econômico em nome do controle climático”. Simplesmente porque não acredito que o mundo funcione dessa maneira, e talvez isso esteja correto. O desafio é inverter a pergunta: “Sob quais circunstâncias uma sociedade como o Brasil pode buscar o caminho da prosperidade de baixo carbono?”
Temos que começar de um ponto diferente, o movimento da sustentabilidade começa com “isso é o que precisa ser reduzido”, é o que pessoas, comunidades e países precisam fazer, e alguém tem de pagar para compensar a dor. Acho que essa lógica não vai nos levar a muitos resultados. Temos que reverter a lógica e perguntar que tipos de investimentos serão necessários para gerar esse resultado e como isso pode ser co-financiado entre o Brasil e os outros. Não é um jogo de palavras, é uma mudança real na lente da análise.
A crise financeira trouxe à luz uma crise do movimento da sustentabilidade, já que é preciso mudar a abordagem?
A comunidade de investidores socialmente responsáveis, há uma década, estava centrada principalmente nos filtros negativos (exclusão de setores como os de armas, cigarros e bebidas dos investimentos). O mesmo movimento há cinco ou dois anos havia amadurecido incrivelmente e centrava-se no papel dos temas da sustentabilidade na gestão de risco, o que o traz para perto do processo de investimento do mainstream.
Acho que, se enfrentássemos a situação atual daqui a cinco anos, talvez o movimento da responsabilidade corporativa ou da sustentabilidade estivesse em melhores condições de lidar com ela. É que aconteceu bem antes que tivéssemos as competências e o foco para lidar com esses temas tão diretamente. Não acho que trilhamos o caminho errado, apenas não crescemos rápido o suficiente. Como a oportunidade nos aparece agora, estamos pouco preparados.
O senhor falou do link entre investimentos e as empresas. Há também um problema de governança corporativa?
Muito tempo e esforço têm sido gastos para melhorar a governança corporativa, mas vemos que a estrutura dos incentivos aos gestores seniores em grande parte da comunidade empresarial continua concentrada sobre os resultados de curto prazo. Embora haja melhoras na governança, conselhos melhores, mais independentes, relatórios melhores, não vemos as mudanças nas estruturas de incentivos em direção a um alinhamento com a performance de longo prazo e os resultados da sustentabilidade.
Esta é a primeira parte. A segunda é que, se os investidores dizem “vamos julgar você pelos seus resultados trimestrais, e pouco além disso”, não surpreende que os conselhos e os gestores estejam ocupados em produzir resultados nessa escala de tempo. Então, a questão é por que a comunidade de investimentos está centrada no curto prazo. Parte do problema está na comunidade dos gestores de fundos e não tem a ver só com bônus mais altos, mas uma estrutura totalmente perversa de bônus que beneficia os gestores individuais por meio da negociação, e não dos investimentos de longo prazo.
Esse comportamento e essa estrutura são fomentados pelos mandatos que os fundos de pensão dão aos gestores, que exigem que eles demonstrem resultados de curto prazo em relação ao mercado. Se imaginarmos uma cadeia de valor dos investimentos, essa mentalidade vai desde a empresa que recebe o dinheiro até o fundo de pensão ou a seguradora de onde o dinheiro sai.
Defendo que as grandes reformas em governança devem ser feitas no topo da cadeia, ou seja, na governança dos fundos de pensão, para permitir que os verdadeiros “fazedores” de capital, você e eu, pessoas que possuem apólices de seguro ou recebem aposentadoria, influenciem de uma maneira mais profunda o que é feito com nosso dinheiro. Essas são as mudanças que vão levar os trustees de nosso dinheiro a dar mandatos aos gestores de fundos para forçá-los a buscar a performance de longo prazo, o que vai mudar a estratégia de investimento, impelir as empresas a centrar-se em temas de longo prazo e alterar a estrutura de incentivos dos gestores seniores. Em outras palavras, não há sentido em apenas tentar consertar o que uma empresa faz, o problema está mais em cima.
Soa simples, mas é uma tarefa imensa, não?
Há exemplos interessantes, como o Generation Investment Management, fundo que Al Gore e David Blood – que era do Goldman Sachs – lançaram há cinco anos. Chegaram ao mercado sem recursos, construíram um fundo de US$ 5 bilhões, convenceram seus clientes, que são fundos de pensão e pessoas ricas, a colocar dinheiro no Generation sem garantias de performance de curto prazo, com uma visão de longo prazo.
E o resultado é que o Generation pode não apenas centrar-se em temas da sustentabilidade como resultado, mas entendê-los como chave para a performance de longo prazo. A performance do Generation supera a do mercado consistentemente a cada ano, desde que foi estabelecido. Para fazer isso, tiveram que convencer os trustees dos fundos de pensão e pessoas ricas a não fazer o que normalmente fazem, que é se balizar pela performance de curto prazo. Há exemplos no mercado que demonstram claramente como a alocação de capital – em outras palavras, as decisões de investimento – pode funcionar de maneira diferente. Não temos que imaginar, ou inventar, já existe no mercado. O que temos de fazer é alavancar isso de forma que influencie o que a parte principal da comunidade de investimentos faz.
O senhor está otimista de que se pode fazer isso na janela de tempo que se apresenta?
Sempre me pergunto se o otimismo é uma característica do caráter de alguém ou uma escolha estratégica. Sou otimista por escolha, acredito que a mudança é possível, porque vemos que ela ocorreu ao longo da história. Estou muito preocupado que o nível de mudança que é preciso agora, e a velocidade com que deve ocorrer, exerça tanta pressão sobre as instituições existentes para que sejam flexíveis que será muito difícil alcançá-lo.
Não porque a cobiça é parte da natureza humana ou coisa do gênero, acho tudo isso uma bobagem sem sentido, mas simplesmente porque nossas instituições foram construídas para enfrentar um mundo diferente, o Goldman Sachs, as Nações Unidas ou a Oxfam. O desafio é ou transformar os objetivos dessas instituições, suas capacidades e seu ritmo de mudança ou criar novas instituições. Vemos isso com a Organização Mundial do Comércio (OMC) – é difícil imaginar que ela volte a fazer qualquer acordo progressista.
Pode alcançar um acordo, mas seria em nível tão baixo que acabaria desinteressante. A razão pela qual a AccountAbility tem esse nome é porque acreditamos que, para mudar o foco das organizações, é preciso recriar as formas de exigir a prestação de contas. Seja da OMC, seja da General Electric.
É mudar a forma de ver o mundo?
Há um ditado em inglês que diz que “se tudo o que você vê é um prego, então tudo o que procura é um martelo”. É preciso “re-entender” o problema, não a solução. Se entendemos o problema de forma diferente, então não pegamos o martelo, pegamos alguma outra coisa. e acharmos que o problema da mudança climática é a necessidade de criar as finanças do carbono, tentaremos desenhar instituições que façam isso.
Mas, se pensarmos que o problema, pelo menos em parte, é que a comunidade de investimentos foi construída de maneira errada, vamos nos concentrar nisso também. É extremamente importante repensar o problema.
Por enquanto isso não acontece. O Accountability Rating de 2007, por exemplo, mostra que, embora as empresas prestem contas, isso não Está ligado a uma melhor performance financeira.
Absolutamente. Vemos empresas que lidam com os direitos humanos de maneira mais efetiva, são mais transparentes do que nunca, engajam-se com stakeholders diversos, mas os mercados não as recompensam por isso. Temos que enfrentar esse fato, não podemos, como uma comunidade ou um movimento, continuar gritando “faça o bem e você será lucrativo!”, porque está claro que essa é uma interpretação equivocada ou da história ou da nossa situação atual.
O senhor mencionou Barack Obama. Quão crucial é a eleição americana para a mudança que precisa ocorrer?
Não sou americano, não estou nos EUA e não faço parte do processo político – eu colocaria estes três alertas, para começar. Aparentemente tanto Obama quanto (John) McCain têm visão mais progressista da mudança climática do que a atual administração, mas parece mais provável que Obama tenha o potencial para uma abordagem para mudar o jogo. E que McCain, embora mais progressista que Bush, manteria a mesma base para as negociações. Os desafios para quem quer que seja eleito são o que é possível fazer no atual clima econômico e o quão rapidamente terá de tomar uma posição. O eleito em 4 de novembro fará o discurso de posse em 20 de janeiro e, nesse tempo, terá de decidir para onde quer ir nos grandes temas, as prioridades.
Tornar a mudança climática prioridade, mesmo na agenda de Obama, será desafiador, embora possível. Levar a comunidade que apóia Obama a ver que a reregulação financeira deve levar em conta a lente mais ampla da sustentabilidade é possível, mas desafiador. Há uma oportunidade, mas, se a Índia, por exemplo, não estiver disposta a jogar – e no momento não está muito engajada -, fica difícil um acordo. O mesmo com a China, é preciso haver um acordo simultâneo entre as duas grandes economias, porque a China não se mexe sem os EUA e os EUA são cautelosos em se mexer em qualquer direção sem a China a bordo.
Embora o mercado de carbono esteja separado do centro da crise, há rumores de uma bolha nesse mercado. Qual é o problema e como enfrentá-lo?
Mesmo dentro do mercado de carbono relativamente controlado da Europa, temos visto problemas enormes associados ao excesso de liberalismo na alocação de crédito; ganhos de vários tipos com a comercialização dos créditos; entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) foi, eu diria, negociado até a morte. As mais recentes avaliações da adicionalidade da redução das emissões de carbono produzidas pelo Mdloferecem um quadro lamentável. Parece-me improvável que qualquer novo regime aceite expandir o MDL em sua forma atual.
Isso significa duas coisas. Uma, que, se vamos usar os mercados – estou assumindo que vamos -, as metodologias de alocação de crédito e os processos de monitoramento, prestação de contas e verificação (MRV, ou monitoring, reporting and verification, em inglês) terão de ser muito mais robustos. Senão, o mercado perderá a reputação e se tornará contraproducente.
Em segundo lugar, particularmente por causa da crise financeira, talvez sejamos menos otimistas em relação a soluções de mercado e mais ênfase seja dada à regulação e aos impostos. Lembre-se de que os mercados de carbono são apenas um conjunto de ferramentas financeiras e o que vemos é a capacidade da comunidade de investimentos de distorcer o que eram instrumentos financeiros úteis, tornando-os não produtivos ou contraproducentes. Acho que isso nos deixa menos afeitos a usar instrumentos financeiros como principal veículo para a mudança.
O problema do MDL é que muitos projetos não entregaram a redução de emissões que prometiam?
Se colocarmos de maneira simples: se alguém paga 1 dólar para comprar um crédito que se destina a compensar o que se calculou que seja equivalente a um dólar em emissões de carbono, mas descobre que isso não foi feito, essa pessoa não vaicomprar outro dólar em crédito de carbono no futuro. Da mesma forma, se se pede que um contribuinte dê 1 dólar para uma comunidade em uma parte pobre do mundo para que ela mitigue as emissões de carbono – uma transferência direta -, mas as emissões no fim não são mitigadas, o contribuinte estará menos inclinado a comparecer com seu dinheiro de novo. Então, solucionar o chamado MRV, com a capacidade de realmente entregar uma análise robusta de impacto, é parte essencial para qualquer sistema que desenharmos.
O mercado de carbono está enfrentando esse problema?
Há muito trabalho sendo feito para desenhar um sistema de verificação mais efetivo. É uma área em que a AccountAbility tenta ter um papel. Embora as negociações climáticas sejam entre governos, muitos dos casos de monitoramento e verificação efetivos ocorrem no espaço dos padrões voluntários ou privados, o Forest Stewardship Council, os Princípios do Equador, a Iniciativa para Transparência da Indústria Extrativa. São todos sistemas de monitoramento e verificação não estatutários, padrões certificados. Muito pode ser feito para trazer essas experiências de maneira mais efetiva para a equação da mudança climática, e um pouco tem sido feito, fico feliz em dizer.
Os críticos dizem que os padrões voluntários são mais convenientes para as empresas do que a regulação. A pressão por regulação no sistema financeiro vai afetar também os padrões sociais e ambientais?
Há uma longa discussão sobre se tais padrões devem ser voluntários ou estatutários. O problema é que, freqüentemente, degenera para uma discussão ideológica em vez de basear-se em evidências. O que é preciso realmente é uma combinação um tanto complicada dos dois. É perfeitamente possível ter uma base estatutária sobre a qualos processos certificatórios são feitos por meios privados. E ter padrões voluntários em que existem compensações estatutárias, por exemplo, restituição de impostos. Acho que vamos caminhar para uma combinação mais interessante de processos voluntários e estatutários, em que um afeta positivamente o outro, em vez de serem alternativos.
Muitos analistas dizem que a crise financeira marca o fim de uma era. Qual sua visão do futuro da economia de mercado?
Não acho que esse seja o fim do mercado, mas acho que a suposta ideologia da superioridade das soluções de mercado foi derrotada. As visões ideológicas de que o mercado sempre entrega melhores soluções que o Estado – ou outros – não serão mais aceitas em debates sérios para formulação de políticas. Será preciso demonstrar que as opções de mercado possibilitam resultados em um mesmo nível que outras opções, e isso é bom. Haverá muitas instâncias em que as soluções de mercado serão a resposta correta, e muitas em que não serão.
Mas a premissa ideológica se quebrou. Estou contente com isso, porque não acho que devemos ser movidos a visões ideológicas sobre o mercado ou o Estado, mas a evidências e análises, para descobrir os caminhos que levam aos melhores resultados.
Mas os grupos sociais sempre tentam manipular as coisas em seu benefício. É possível olhar o mundo de forma imparcial na busca do melhor caminho?
Há ideologias dominantes em qualquer ponto no tempo, e muitos de nós vivemos em países onde argumentar contra soluções de mercado tem sido visto como uma extravagância quixotesca. As vozes que desafiam essas soluções e oferecem abordagens alternativas serão mais fortes no futuro. Claro, a manipulação continuará a existir, mas tudo é uma questão de equilíbrio. Ninguém vai ver os EUA com credibilidade novamente se eles disserem “o mercado livre é melhor, e menos regulação é melhor”, ninguém pode dizer isso com a cara limpa. Estive no Brasil e na China nas últimas semanas e havia quase que um alívio tangível de que a ideologia se quebrou, e também com a possibilidade de desafiá-la de maneira efetiva. Não se trata de o mercado ser bom ou ruim, mas de como se decide o que fazer[:en]
No cerne da crise do sistema financeiro global está a mesma visão de curto prazo que impede as empresas de adotar estratégias e práticas da sustentabilidade, aponta Simon Zadek, chief executive da AccountAbility, organização que promove a prestacão de contas como caminho para o desenvolvimento sustentável. Para aproveitar a oportunidade única de mudar o mainstream, o movimento da sustentabilidade precisa influenciar, rapidamente, o pequeno grupo de pessoas que vai redesenhar o sistema financeiro. Já existem no mercado, lembra Zadek, experiências em que as decisões de investimento levam em conta a performance de longo prazo e os temas da sustentabilidade. É necessário alavancá-las.
Por Flavia Pardini
Quais os efeitos da crise financeira para a agenda da sustentabilidade?
A crise deixa boa parte da agenda da sustentabilidade sob estresse, em algumas instâncias, sob muito estresse. De outro lado, é um sintoma do mesmo conjunto de problemas que nos limita nas abordagens da sustentabilidade. Deveríamos vê-la como oportunidade de ir à raiz do problema.
Qual é a raiz do problema, na sua visão?
Se focarmos no setor empresarial e na maneira com que a economia cria resultados ligados à sustentabilidade, é crucialo papel da comunidade de investimentos em decidir o que as empresas podem ou não fazer. Sabemos que o comportamento dos traders – gestores de fundos -, que buscam resultados de curto prazo ao competir uns com os outros em vez de investir na criação de valor de longo prazo, é uma grande razão pela qual as empresas não podem abordar a sustentabilidade nas estratégias e práticas de negócio. O “curto-prazismo”, que limita a comunidade empresarial nas abordagens da sustentabilidade, é exatamente o mesmo que o desconto do risco que levou a comunidade de investimentos a essa bagunça em que se encontra. São uma mesma coisa. Da mesma forma que os gestores de fundos são incentivados a buscar resultados de curto prazo – parte das razões por que estavam dispostos a comprar hipotecas subprime, securitizá-las e passá-las para a frente -, eles demandam performance de curto prazo de empresas que em outras circunstâncias se concentrariam em investimentos de longo prazo em produtos e serviços para, por exemplo, um mundo onde há limite para as emissões de carbono.
De que maneira a crise pode nos levar à visão de longo prazo nos investimentos e a uma nova economia?
Esta é a primeira vez na minha vida que a comunidade de investimentos está tão enfraquecida que temos a oportunidade de forçá-la a mudar. A oportunidade é que, ao tomar o dinheiro de contribuintes e exigir o apoio dos cidadãos que elegem os governos, ela seja forçada a adotar mudanças nas práticas que, ao longo das últimas duas décadas ou mais, relutou em adotar. Este é o coração da oportunidade.
Isso requer que estejamos – contribuintes e eleitores – em sintonia com a agenda da sustentabilidade.
O senhor acha que esse é o caso?
Não acho, absolutamente não. O paradoxo é que temos uma oportunidade quase única, que ocorre uma vez na vida, e não estamos preparados para ela.
Isso é trágico!
Está certo, é trágico em vez de paradoxal. Os investimentos socialmente responsáveis, por exemplo, vêm sendo trabalhados há décadas, mas essa comunidade não tem as competências, a voz ou o processo coletivo necessários para influenciar temas como os bônus estruturados para os gestores de fundos, os problemas que permeiam a governança dos fundos de pensão ou os desafios postos pelo fato de que as agências de rating de crédito não são independentes ou suficientemente competentes.
Estamos em um momento em que, de um lado, gritamos sobre a necessidade de sustentabilidade – particularmente nas negociações sobre a mudança climática – e, de outro, um pequeno grupo de pessoas vai examinar a re-regulação da comunidade financeira sem qualquer consideração por temas da sustentabilidade. Zero. Se acrescentarmos o desafio do tempo, há a oportunidade de fazer mudanças durante o período em que essa comunidade está enfraquecida, mas, se as coisas forem bem, em dois ou três meses essa posição vai passar e será muito tarde.
Como influenciar esse pequeno grupo se ele nem pensa em sustentabilidade?
Conhecemos, coletivamente, as pessoas que dirigem a Securities and Exchange Commission, nos EUA, a Financial Services Authority, no Reino Unido, os líderes políticos, de Gordon Brown a Barack Obama, e outros que serão chave tanto no desenho técnico quanto na coragem política para fazer mudanças. A boa notícia é que, dez ou vinte anos atrás, as pessoas No movimento da sustentabilidade não conheciam as pessoas certas, mas agora conhecemos. Precisamos também enfatizar o paradoxo. Se examinar as edições do Financial Times do último mês, vai ver que não há um artigo sequer que faça a conexão. Não é só porque eles não sabem da conexão.
Tentamos oferecer material a esses veículos de mídia, mas eles não aceitam. A discussão sobre a regulação financeira já está na mídia, controlada por um pequeno número de pessoas, “os especialistas”. Já existe um monopólio do conhecimento por parte das mesmas pessoas que há dois anos decidiam as virtudes do sistema financeiro. Então, primeiro precisamos enfatizar a conexão para uma audiência ampla, não só por meio de pequenas revistas de responsabilidade corporativa.
Em segundo lugar, precisamos alertar rapidamente aqueles que trabalham no lado das políticas de que é o momento de agir. Em terceiro lugar, há pessoas – espero ser uma delas – tentando unir rapidamente as duas agendas. Em quarto lugar, precisamos pensar no que queremos que a nova estrutura regulatória adote. Não é suficiente dizer: “Queremos que ela aborde a sustentabilidade”. Comentários abstratos são coisa de dez anos atrás, temos que saber precisamente as mudanças que queremos.
Então, no meio dessa oportunidade extraordinária, também somos desafiados sobre se temos as respostas certas. Acho que temos várias das respostas, mas certamente há trabalho a ser feito rapidamente. Não há muito tempo, acordaremos em janeiro e a oportunidade de mudar a comunidade de investimentos provavelmente terá desaparecido.
Se isso acontecer, quais as conseqüências de as agendas do mundo financeiro e da sustentabilidade continuarem separadas?
Vamos examinar o exemplo da mudança climática. Estamos no meio de uma negociação complexa sobre algo que vai além do Protocolo de Kyoto. Possivelmente, a mais complicada negociação que a comunidade global já tentou. Parte do desafio é como gerar trilhões de dólares para produzir reduções das emissões de carbono. Nem milhões nem bilhões, trilhões. As pessoas que trabalham com mudança climática estão ocupadas, pensando: “Podemos criar mercados de carbono, usar impostos, taxar o combustível de aviação…” Todos estão centrados em como criar as finanças do carbono.
A ironia é que o que realmente precisamos é direcionar o principal veículo de financiamento do planeta – o mercado de capitais – para uma abordagem de investimento que precifique o carbono de maneira diferente. Em primeira instância, significa concentrar-se na criação de valor de longo prazo, ao fazer com que mais e mais empresas incluam o preço do carbono em seus cálculos. Se não conectarmos esses dois mundos, acordaremos em janeiro sem que trilhões de dólares no mercado de capitais respondam à mudança climática, e estaremos ainda tentando levantar outros trilhões com os contribuintes mais sensíveis à mudança climática.
Do outro lado, temos a oportunidade de acordar em janeiro, fevereiro ou março, com um alinhamento muito maior entre onde realmente está o dinheiro – que é o mercado de capitais – e a real necessidade – neste caso, a redução das emissões de carbono.
Qual o papel nesse cenário dos negociadores do sucessor do Protocolo de Kyoto?
Na semana passada estive em Paris com negociadores de países desenvolvidos e de países emergentes avançados. Tivemos justamente esta conversa, e a preocupação deles, com razão, era de que a crise financeira distrairia a atenção do processo político sobre a necessidade de alcançar um acordo climático e tornaria mais difícil destravar recursos para pagar pelo acordo.
Oferecemos em troca a perspectiva que acabei de expor. Eles disseram: “Esse é um assunto do qual não sabemos nada, para o qual não temos mandato e que não podemos trazer para as negociações, pois elas não podem dar conta dele”. Um dos negociadores estava sentado no mesmo corredor em que a equipe financeira de seu país se reunia, e ele destacou a ironia de ele e seus colegas estarem completamente separados ao lidar com temas profundamente conectados.
Nosso desafio é conectar, encorajar os negociadores a ver a oportunidade, não de trazer o tema para as negociações, pois isso é muito pouco provável a esta altura, mas de criar consciência na esfera dos governos, especialmente os governos do Norte que terão que pagar a conta da mudança climática, sobre a oportunidade de a re-regulação financeira ajudá-los a pagar essa conta.
Qual é o papel dos países em desenvolvimento, particularmente o Brasil?
Quando os líderes políticos da China, Índia, Brasil, África do Sul e outros dizem aos cidadãos do Norte que “vocês criaram o problema, vocês paguem para se livrar dele”, acho que há uma dose de verdade. Mas, se nos prendermos a esse ponto, como diria Al Gore, ninguém terá muito desenvolvimento.
Não posso imaginar um país como o Brasil dizendo: “Estamos dispostos a reduzir nossa taxa de crescimento econômico em nome do controle climático”. Simplesmente porque não acredito que o mundo funcione dessa maneira, e talvez isso esteja correto. O desafio é inverter a pergunta: “Sob quais circunstâncias uma sociedade como o Brasil pode buscar o caminho da prosperidade de baixo carbono?”
Temos que começar de um ponto diferente, o movimento da sustentabilidade começa com “isso é o que precisa ser reduzido”, é o que pessoas, comunidades e países precisam fazer, e alguém tem de pagar para compensar a dor. Acho que essa lógica não vai nos levar a muitos resultados. Temos que reverter a lógica e perguntar que tipos de investimentos serão necessários para gerar esse resultado e como isso pode ser co-financiado entre o Brasil e os outros. Não é um jogo de palavras, é uma mudança real na lente da análise.
A crise financeira trouxe à luz uma crise do movimento da sustentabilidade, já que é preciso mudar a abordagem?
A comunidade de investidores socialmente responsáveis, há uma década, estava centrada principalmente nos filtros negativos (exclusão de setores como os de armas, cigarros e bebidas dos investimentos). O mesmo movimento há cinco ou dois anos havia amadurecido incrivelmente e centrava-se no papel dos temas da sustentabilidade na gestão de risco, o que o traz para perto do processo de investimento do mainstream.
Acho que, se enfrentássemos a situação atual daqui a cinco anos, talvez o movimento da responsabilidade corporativa ou da sustentabilidade estivesse em melhores condições de lidar com ela. É que aconteceu bem antes que tivéssemos as competências e o foco para lidar com esses temas tão diretamente. Não acho que trilhamos o caminho errado, apenas não crescemos rápido o suficiente. Como a oportunidade nos aparece agora, estamos pouco preparados.
O senhor falou do link entre investimentos e as empresas. Há também um problema de governança corporativa?
Muito tempo e esforço têm sido gastos para melhorar a governança corporativa, mas vemos que a estrutura dos incentivos aos gestores seniores em grande parte da comunidade empresarial continua concentrada sobre os resultados de curto prazo. Embora haja melhoras na governança, conselhos melhores, mais independentes, relatórios melhores, não vemos as mudanças nas estruturas de incentivos em direção a um alinhamento com a performance de longo prazo e os resultados da sustentabilidade.
Esta é a primeira parte. A segunda é que, se os investidores dizem “vamos julgar você pelos seus resultados trimestrais, e pouco além disso”, não surpreende que os conselhos e os gestores estejam ocupados em produzir resultados nessa escala de tempo. Então, a questão é por que a comunidade de investimentos está centrada no curto prazo. Parte do problema está na comunidade dos gestores de fundos e não tem a ver só com bônus mais altos, mas uma estrutura totalmente perversa de bônus que beneficia os gestores individuais por meio da negociação, e não dos investimentos de longo prazo.
Esse comportamento e essa estrutura são fomentados pelos mandatos que os fundos de pensão dão aos gestores, que exigem que eles demonstrem resultados de curto prazo em relação ao mercado. Se imaginarmos uma cadeia de valor dos investimentos, essa mentalidade vai desde a empresa que recebe o dinheiro até o fundo de pensão ou a seguradora de onde o dinheiro sai.
Defendo que as grandes reformas em governança devem ser feitas no topo da cadeia, ou seja, na governança dos fundos de pensão, para permitir que os verdadeiros “fazedores” de capital, você e eu, pessoas que possuem apólices de seguro ou recebem aposentadoria, influenciem de uma maneira mais profunda o que é feito com nosso dinheiro. Essas são as mudanças que vão levar os trustees de nosso dinheiro a dar mandatos aos gestores de fundos para forçá-los a buscar a performance de longo prazo, o que vai mudar a estratégia de investimento, impelir as empresas a centrar-se em temas de longo prazo e alterar a estrutura de incentivos dos gestores seniores. Em outras palavras, não há sentido em apenas tentar consertar o que uma empresa faz, o problema está mais em cima.
Soa simples, mas é uma tarefa imensa, não?
Há exemplos interessantes, como o Generation Investment Management, fundo que Al Gore e David Blood – que era do Goldman Sachs – lançaram há cinco anos. Chegaram ao mercado sem recursos, construíram um fundo de US$ 5 bilhões, convenceram seus clientes, que são fundos de pensão e pessoas ricas, a colocar dinheiro no Generation sem garantias de performance de curto prazo, com uma visão de longo prazo.
E o resultado é que o Generation pode não apenas centrar-se em temas da sustentabilidade como resultado, mas entendê-los como chave para a performance de longo prazo. A performance do Generation supera a do mercado consistentemente a cada ano, desde que foi estabelecido. Para fazer isso, tiveram que convencer os trustees dos fundos de pensão e pessoas ricas a não fazer o que normalmente fazem, que é se balizar pela performance de curto prazo. Há exemplos no mercado que demonstram claramente como a alocação de capital – em outras palavras, as decisões de investimento – pode funcionar de maneira diferente. Não temos que imaginar, ou inventar, já existe no mercado. O que temos de fazer é alavancar isso de forma que influencie o que a parte principal da comunidade de investimentos faz.
O senhor está otimista de que se pode fazer isso na janela de tempo que se apresenta?
Sempre me pergunto se o otimismo é uma característica do caráter de alguém ou uma escolha estratégica. Sou otimista por escolha, acredito que a mudança é possível, porque vemos que ela ocorreu ao longo da história. Estou muito preocupado que o nível de mudança que é preciso agora, e a velocidade com que deve ocorrer, exerça tanta pressão sobre as instituições existentes para que sejam flexíveis que será muito difícil alcançá-lo.
Não porque a cobiça é parte da natureza humana ou coisa do gênero, acho tudo isso uma bobagem sem sentido, mas simplesmente porque nossas instituições foram construídas para enfrentar um mundo diferente, o Goldman Sachs, as Nações Unidas ou a Oxfam. O desafio é ou transformar os objetivos dessas instituições, suas capacidades e seu ritmo de mudança ou criar novas instituições. Vemos isso com a Organização Mundial do Comércio (OMC) – é difícil imaginar que ela volte a fazer qualquer acordo progressista.
Pode alcançar um acordo, mas seria em nível tão baixo que acabaria desinteressante. A razão pela qual a AccountAbility tem esse nome é porque acreditamos que, para mudar o foco das organizações, é preciso recriar as formas de exigir a prestação de contas. Seja da OMC, seja da General Electric.
É mudar a forma de ver o mundo?
Há um ditado em inglês que diz que “se tudo o que você vê é um prego, então tudo o que procura é um martelo”. É preciso “re-entender” o problema, não a solução. Se entendemos o problema de forma diferente, então não pegamos o martelo, pegamos alguma outra coisa. e acharmos que o problema da mudança climática é a necessidade de criar as finanças do carbono, tentaremos desenhar instituições que façam isso.
Mas, se pensarmos que o problema, pelo menos em parte, é que a comunidade de investimentos foi construída de maneira errada, vamos nos concentrar nisso também. É extremamente importante repensar o problema.
Por enquanto isso não acontece. O Accountability Rating de 2007, por exemplo, mostra que, embora as empresas prestem contas, isso não Está ligado a uma melhor performance financeira.
Absolutamente. Vemos empresas que lidam com os direitos humanos de maneira mais efetiva, são mais transparentes do que nunca, engajam-se com stakeholders diversos, mas os mercados não as recompensam por isso. Temos que enfrentar esse fato, não podemos, como uma comunidade ou um movimento, continuar gritando “faça o bem e você será lucrativo!”, porque está claro que essa é uma interpretação equivocada ou da história ou da nossa situação atual.
O senhor mencionou Barack Obama. Quão crucial é a eleição americana para a mudança que precisa ocorrer?
Não sou americano, não estou nos EUA e não faço parte do processo político – eu colocaria estes três alertas, para começar. Aparentemente tanto Obama quanto (John) McCain têm visão mais progressista da mudança climática do que a atual administração, mas parece mais provável que Obama tenha o potencial para uma abordagem para mudar o jogo. E que McCain, embora mais progressista que Bush, manteria a mesma base para as negociações. Os desafios para quem quer que seja eleito são o que é possível fazer no atual clima econômico e o quão rapidamente terá de tomar uma posição. O eleito em 4 de novembro fará o discurso de posse em 20 de janeiro e, nesse tempo, terá de decidir para onde quer ir nos grandes temas, as prioridades.
Tornar a mudança climática prioridade, mesmo na agenda de Obama, será desafiador, embora possível. Levar a comunidade que apóia Obama a ver que a reregulação financeira deve levar em conta a lente mais ampla da sustentabilidade é possível, mas desafiador. Há uma oportunidade, mas, se a Índia, por exemplo, não estiver disposta a jogar – e no momento não está muito engajada -, fica difícil um acordo. O mesmo com a China, é preciso haver um acordo simultâneo entre as duas grandes economias, porque a China não se mexe sem os EUA e os EUA são cautelosos em se mexer em qualquer direção sem a China a bordo.
Embora o mercado de carbono esteja separado do centro da crise, há rumores de uma bolha nesse mercado. Qual é o problema e como enfrentá-lo?
Mesmo dentro do mercado de carbono relativamente controlado da Europa, temos visto problemas enormes associados ao excesso de liberalismo na alocação de crédito; ganhos de vários tipos com a comercialização dos créditos; entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, o chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) foi, eu diria, negociado até a morte. As mais recentes avaliações da adicionalidade da redução das emissões de carbono produzidas pelo Mdloferecem um quadro lamentável. Parece-me improvável que qualquer novo regime aceite expandir o MDL em sua forma atual.
Isso significa duas coisas. Uma, que, se vamos usar os mercados – estou assumindo que vamos -, as metodologias de alocação de crédito e os processos de monitoramento, prestação de contas e verificação (MRV, ou monitoring, reporting and verification, em inglês) terão de ser muito mais robustos. Senão, o mercado perderá a reputação e se tornará contraproducente.
Em segundo lugar, particularmente por causa da crise financeira, talvez sejamos menos otimistas em relação a soluções de mercado e mais ênfase seja dada à regulação e aos impostos. Lembre-se de que os mercados de carbono são apenas um conjunto de ferramentas financeiras e o que vemos é a capacidade da comunidade de investimentos de distorcer o que eram instrumentos financeiros úteis, tornando-os não produtivos ou contraproducentes. Acho que isso nos deixa menos afeitos a usar instrumentos financeiros como principal veículo para a mudança.
O problema do MDL é que muitos projetos não entregaram a redução de emissões que prometiam?
Se colocarmos de maneira simples: se alguém paga 1 dólar para comprar um crédito que se destina a compensar o que se calculou que seja equivalente a um dólar em emissões de carbono, mas descobre que isso não foi feito, essa pessoa não vaicomprar outro dólar em crédito de carbono no futuro. Da mesma forma, se se pede que um contribuinte dê 1 dólar para uma comunidade em uma parte pobre do mundo para que ela mitigue as emissões de carbono – uma transferência direta -, mas as emissões no fim não são mitigadas, o contribuinte estará menos inclinado a comparecer com seu dinheiro de novo. Então, solucionar o chamado MRV, com a capacidade de realmente entregar uma análise robusta de impacto, é parte essencial para qualquer sistema que desenharmos.
O mercado de carbono está enfrentando esse problema?
Há muito trabalho sendo feito para desenhar um sistema de verificação mais efetivo. É uma área em que a AccountAbility tenta ter um papel. Embora as negociações climáticas sejam entre governos, muitos dos casos de monitoramento e verificação efetivos ocorrem no espaço dos padrões voluntários ou privados, o Forest Stewardship Council, os Princípios do Equador, a Iniciativa para Transparência da Indústria Extrativa. São todos sistemas de monitoramento e verificação não estatutários, padrões certificados. Muito pode ser feito para trazer essas experiências de maneira mais efetiva para a equação da mudança climática, e um pouco tem sido feito, fico feliz em dizer.
Os críticos dizem que os padrões voluntários são mais convenientes para as empresas do que a regulação. A pressão por regulação no sistema financeiro vai afetar também os padrões sociais e ambientais?
Há uma longa discussão sobre se tais padrões devem ser voluntários ou estatutários. O problema é que, freqüentemente, degenera para uma discussão ideológica em vez de basear-se em evidências. O que é preciso realmente é uma combinação um tanto complicada dos dois. É perfeitamente possível ter uma base estatutária sobre a qualos processos certificatórios são feitos por meios privados. E ter padrões voluntários em que existem compensações estatutárias, por exemplo, restituição de impostos. Acho que vamos caminhar para uma combinação mais interessante de processos voluntários e estatutários, em que um afeta positivamente o outro, em vez de serem alternativos.
Muitos analistas dizem que a crise financeira marca o fim de uma era. Qual sua visão do futuro da economia de mercado?
Não acho que esse seja o fim do mercado, mas acho que a suposta ideologia da superioridade das soluções de mercado foi derrotada. As visões ideológicas de que o mercado sempre entrega melhores soluções que o Estado – ou outros – não serão mais aceitas em debates sérios para formulação de políticas. Será preciso demonstrar que as opções de mercado possibilitam resultados em um mesmo nível que outras opções, e isso é bom. Haverá muitas instâncias em que as soluções de mercado serão a resposta correta, e muitas em que não serão.
Mas a premissa ideológica se quebrou. Estou contente com isso, porque não acho que devemos ser movidos a visões ideológicas sobre o mercado ou o Estado, mas a evidências e análises, para descobrir os caminhos que levam aos melhores resultados.
Mas os grupos sociais sempre tentam manipular as coisas em seu benefício. É possível olhar o mundo de forma imparcial na busca do melhor caminho?
Há ideologias dominantes em qualquer ponto no tempo, e muitos de nós vivemos em países onde argumentar contra soluções de mercado tem sido visto como uma extravagância quixotesca. As vozes que desafiam essas soluções e oferecem abordagens alternativas serão mais fortes no futuro. Claro, a manipulação continuará a existir, mas tudo é uma questão de equilíbrio. Ninguém vai ver os EUA com credibilidade novamente se eles disserem “o mercado livre é melhor, e menos regulação é melhor”, ninguém pode dizer isso com a cara limpa. Estive no Brasil e na China nas últimas semanas e havia quase que um alívio tangível de que a ideologia se quebrou, e também com a possibilidade de desafiá-la de maneira efetiva. Não se trata de o mercado ser bom ou ruim, mas de como se decide o que fazer