Conversar, sonhar, fazer o destino. A Investigação Apreciativa, metodologia aplicável a empresas, organizações, governos e até encontros – como os do Global Forum -, coloca cada indivíduo como parte intrínseca da mudança na sociedade
Por Amália Safatle
Lembram-se de um dos princípios da Teoria do Caos, segundo o qualo bater de asas de uma borboleta poderia provocar um tufão do outro lado do mundo? O tal Efeito Borboleta, que ajuda a explicar sistemas complexos e dinâmicos, mostra como a ação e a interação aleatórias de elementos determinam certos resultados. E, de alguma forma, inspira o que se conta aqui.
Em 20 de novembro, em São Paulo, os participantes da conferência latino-americana do Global Forum – Chamada para a Ação sentam-se a mesas-redondas em um amplo salão; a idéia é formar vários grupos de seis. Em algumas sobra gente, em outras falta, mas, depois que os grupos são enfim rearranjados, é hora de celebrar. Uma moça de voz suave percorre as mesas e canta I have a gift to the circle (Eu tenho um presente para o círculo)/ You’re the gift (Você é o presente)/ You’re the circle (Você é o círculo)/ You’re the gift to the circle (Você é o presente para o círculo), alternando, randomicamente, sujeitos e predicados.
No centro de cada mesa, há um pote cheio de doces coloridos – “confetes”, para as gerações mais velhas, “m&ms”, para as mais novas. Sim, pois adolescentes sentam-se ao lado de adultos de 20 a 70 anos, em uma miscelânea formada por estudantes do ensino médio e superior, executivos, educadores, pessoas do poder público e de ONGs, professores e muitos blogueiros. É o começo de um workshop de dois dias, e etapa de uma série de encontros criados pelo Business as an Agent of World Benefit (Negócios para um Mundo Melhor), um movimento que tomou formas mais oficiais na Case Western Reserve University, de Cleveland, nos EUA.
Sons do silêncio
Vamos conversar é a senha estampada em cartazes, cadernos, crachás. Mas as conversas só seriam possíveis com senhas também para o silêncio. Abaixo a hierarquia das reuniões convencionais de trabalho! Cada pessoa precisa ser ouvida, em duração de tempo igual para todos, enquanto os demais se calam. Basta um sinal: alguém ergue o braço e com a outra mão tapa a boca.
O colega do lado faz o mesmo, depois o seu vizinho, e a onda de silêncio se propaga por todo o salão, para que se ouça a voz da vez. “A forma como conversamos com o outro é o começo da conversa”, diz Ronald Fry, da Case University, que conduz os trabalhos.
No início, essas conversas acontecem aos pares. A menina loira de presilha amarela da mesa de número 22 narra a sua mais marcante experiência como “líder de uma mudança positiva”, entendendo líder como “qualquer pessoa que queira fazer a diferença, neste momento”.
Ela se chama Adriana Saler, tem 14 anos, cursa o ensino médio na Escola Pueri Domus e mora em Aldeia da Serra, a 30 e poucos quilômetros de São Paulo. Conta quando teve de fazer um trabalho de Matemática com um colega, nas suas palavras, de menor escolaridade. Ele havia entrado há pouco tempo na turma, vindo de Ribeirão Preto (SP), e nem sabia falar inglês, assinala Adriana, espantada.
Seu medo, além de tirar uma nota baixa, era conviver com o diferente. Mas ela reconhece que a experiência modificou seu jeito de ser. Passou a considerar e respeitar o outro, conheceu realidades diversas de um mundo cor-de-rosa, percebeu como era elitista e teve de administrar um choque cultural.
“Aprendi a ser menos mimada”, conta. A experiência de Adriana, assim como a de todos, é então relatada para a mesa. Os seis integrantes consolidam os pontos em comum a todas as narrativas e os sintetizam. Respeito à diversidade, vontade de se integrar, esforço pessoal para disseminar idéias de sustentabilidade, autoconfiança, entre tantos outros.
Estamos na fase da Descoberta, a primeira etapa de uma metodologia chamada Investigação Apreciativa – desenvolvida por Fry juntamente com outro professor da Case University, David Cooperrider -, que se propõe a apreciar, valorizar, os pontos fortes de cada indivíduo, de cada iniciativa, de cada organização. E que é aplicada nesse evento.
Desses pontos positivos, daquilo que as pessoas têm de melhor a oferecer, é que devem surgir as aspirações, o que se imagina para um futuro melhor – a etapa do Sonho. A partir do sonho se construirá um plano de ação para atingi-lo – é a vez do Desenho -, e então vai-se chegar aos resultados, com iniciativas e implantação de projetos pilotos – é a fase final do Destino. São os chamados 4Ds: discovery, dream, design e destiny.
A consistência dos sonhos
As mesas são agrupadas, e dali sai uma consolidação ainda maior sobre as descobertas. É hora de sonhar – e colorido. Tintas, massinhas, papéis de diferentes texturas, fitas e barbantes dão forma às aspirações por meio de cartazes, esculturas, performances, nos quais se visualiza o mundo ideal daqui a dez anos, sem prejulgamentos, sem cerceamento de idéias. A partir daí, já dá para traçar as ações. Reformar a grade curricular das escolas para inserir sustentabilidade no ensino. Estimular a criação de empregos “verdes”. Fazer campanhas de boicote ao consumismo. Pipocam propostas e todas são escritas no mural, para serem votadas. Cada participante tem cinco adesivos para colar ao lado das que mais agradam.
Escolhidas, começa a etapa do Destino. As pessoas são rearranjadas em novos grupos e novamente se valem de todo material gráfico para dar forma aos projetos pilotos. Os projetos são enfim consolidados e sintetizam o resultado do Global Forum América Latina. A próxima fase é realizar encontros na Amazônia e no Nordeste, em João Pessoa. E, em seguida, unir a voz latino-americana com as das demais regiões durante o Global Forum mundial, marcado para junho que vem, em Cleveland.
O que começou na voz das Adrianas toma corpo e proporções globais. As asas da borboleta, que cada um dos participantes fez bater, influi de alguma forma em um movimento maior em outra parte do mundo, de maneira espontânea e aleatória. No caminho reverso, tudo o que foi discutido para compor uma pauta global volta ao local. Cada indivíduo usa a experiência trocada com a coletividade – o par, a mesa, a plenária, a região – para aplicar na sua vida pessoal, na organização, na escola, na empresa, no governo.
Segundo Ronald Fry, a prática da Investigação Apreciativa, que a seu ver ainda está na infância, promete ampliar os círculos de diálogos para grupos de cem, mil e mais de mil, com relacionamentos no espaço cibernético chegando aos milhões. “Em vez de negativismo, críticas e cinismo, haverá descoberta, sonho, desenho e destino, e então estaremos realmente preparados para viver sem limites para a cooperação.” Rodrigo Loures, que preside a Federação das Indústrias do Estado do Paraná, dirige a empresa Nutrimental e foi responsável por trazer o Global Forum ao Brasil, em 2008, afirma que o diálogo que surge da Investigação Apreciativa é capaz de aproximar líderes de credos diferentes. “Trata-se de eficaz ferramenta para a solução de conflitos.” Seria interessante, portanto, ser aplicada entre países, em busca de uma agenda cooperativa para enfrentar questões globais como a da mudança climática, por exemplo? “Infelizmente, na cena política impera um jogo de forças baseado no espírito de competição, e não de cooperação”, afirma.
Sem zona de conforto
Já no mundo empresarial, a consultoria Atitude – Gerando Resultado Sustentável tem aplicado com freqüência a metodologia com seus clientes, conta a sócia Angela Andreopoulos. Mas ela reconhece que essa aplicação requer enorme habilidade humana.
A fase mais difícil, diz ela, é a do Sonho. “A maior parte dos clientes congela nessa etapa. Diria que 80% dessas pessoas simplesmente não têm sonhos para daqui a dez anos.” Não que as demais fases sejam fáceis: na Descoberta, os clientes conseguem muito mais reconhecer seus defeitos do que qualidades e competências, por incrível que pareça, conta ela.
A grande provocação que Angela vê na metodologia é tirar a pessoa de sua “zona de conforto”. É fazê-la reconhecer que os desafios pessoais influenciam o desenvolvimento das qualidades – muitas se emocionam com isso – e mostrar que não estão aí para discutir soluções de sustentabilidade: elas são parte da solução.
Isso traz toda uma nova perspectiva, que pega fundo no âmago de cada um. É como cantava a moça: você é o círculo,/ você é o presente para o círculo/.
Conversar, sonhar, fazer o destino. A Investigação Apreciativa, metodologia aplicável a empresas, organizações, governos e até encontros – como os do Global Forum -, coloca cada indivíduo como parte intrínseca da mudança na sociedade
Lembram-se de um dos princípios da Teoria do Caos, segundo o qualo bater de asas de uma borboleta poderia provocar um tufão do outro lado do mundo? O tal Efeito Borboleta, que ajuda a explicar sistemas complexos e dinâmicos, mostra como a ação e a interação aleatórias de elementos determinam certos resultados. E, de alguma forma, inspira o que se conta aqui.
Em 20 de novembro, em São Paulo, os participantes da conferência latino-americana do Global Forum – Chamada para a Ação sentam-se a mesas-redondas em um amplo salão; a idéia é formar vários grupos de seis. Em algumas sobra gente, em outras falta, mas, depois que os grupos são enfim rearranjados, é hora de celebrar. Uma moça de voz suave percorre as mesas e canta I have a gift to the circle (Eu tenho um presente para o círculo)/ You’re the gift (Você é o presente)/ You’re the circle (Você é o círculo)/ You’re the gift to the circle (Você é o presente para o círculo), alternando, randomicamente, sujeitos e predicados.
No centro de cada mesa, há um pote cheio de doces coloridos – “confetes”, para as gerações mais velhas, “m&ms”, para as mais novas. Sim, pois adolescentes sentam-se ao lado de adultos de 20 a 70 anos, em uma miscelânea formada por estudantes do ensino médio e superior, executivos, educadores, pessoas do poder público e de ONGs, professores e muitos blogueiros. É o começo de um workshop de dois dias, e etapa de uma série de encontros criados pelo Business as an Agent of World Benefit (Negócios para um Mundo Melhor), um movimento que tomou formas mais oficiais na Case Western Reserve University, de Cleveland, nos EUA.
Sons do silêncio
Vamos conversar é a senha estampada em cartazes, cadernos, crachás. Mas as conversas só seriam possíveis com senhas também para o silêncio. Abaixo a hierarquia das reuniões convencionais de trabalho! Cada pessoa precisa ser ouvida, em duração de tempo igual para todos, enquanto os demais se calam. Basta um sinal: alguém ergue o braço e com a outra mão tapa a boca.
O colega do lado faz o mesmo, depois o seu vizinho, e a onda de silêncio se propaga por todo o salão, para que se ouça a voz da vez. “A forma como conversamos com o outro é o começo da conversa”, diz Ronald Fry, da Case University, que conduz os trabalhos.
No início, essas conversas acontecem aos pares. A menina loira de presilha amarela da mesa de número 22 narra a sua mais marcante experiência como “líder de uma mudança positiva”, entendendo líder como “qualquer pessoa que queira fazer a diferença, neste momento”.
Ela se chama Adriana Saler, tem 14 anos, cursa o ensino médio na Escola Pueri Domus e mora em Aldeia da Serra, a 30 e poucos quilômetros de São Paulo. Conta quando teve de fazer um trabalho de Matemática com um colega, nas suas palavras, de menor escolaridade. Ele havia entrado há pouco tempo na turma, vindo de Ribeirão Preto (SP), e nem sabia falar inglês, assinala Adriana, espantada.
Seu medo, além de tirar uma nota baixa, era conviver com o diferente. Mas ela reconhece que a experiência modificou seu jeito de ser. Passou a considerar e respeitar o outro, conheceu realidades diversas de um mundo cor-de-rosa, percebeu como era elitista e teve de administrar um choque cultural.
“Aprendi a ser menos mimada”, conta. A experiência de Adriana, assim como a de todos, é então relatada para a mesa. Os seis integrantes consolidam os pontos em comum a todas as narrativas e os sintetizam. Respeito à diversidade, vontade de se integrar, esforço pessoal para disseminar idéias de sustentabilidade, autoconfiança, entre tantos outros.
Estamos na fase da Descoberta, a primeira etapa de uma metodologia chamada Investigação Apreciativa – desenvolvida por Fry juntamente com outro professor da Case University, David Cooperrider -, que se propõe a apreciar, valorizar, os pontos fortes de cada indivíduo, de cada iniciativa, de cada organização. E que é aplicada nesse evento.
Desses pontos positivos, daquilo que as pessoas têm de melhor a oferecer, é que devem surgir as aspirações, o que se imagina para um futuro melhor – a etapa do Sonho. A partir do sonho se construirá um plano de ação para atingi-lo – é a vez do Desenho -, e então vai-se chegar aos resultados, com iniciativas e implantação de projetos pilotos – é a fase final do Destino. São os chamados 4Ds: discovery, dream, design e destiny.
A consistência dos sonhos
As mesas são agrupadas, e dali sai uma consolidação ainda maior sobre as descobertas. É hora de sonhar – e colorido. Tintas, massinhas, papéis de diferentes texturas, fitas e barbantes dão forma às aspirações por meio de cartazes, esculturas, performances, nos quais se visualiza o mundo ideal daqui a dez anos, sem prejulgamentos, sem cerceamento de idéias. A partir daí, já dá para traçar as ações. Reformar a grade curricular das escolas para inserir sustentabilidade no ensino. Estimular a criação de empregos “verdes”. Fazer campanhas de boicote ao consumismo. Pipocam propostas e todas são escritas no mural, para serem votadas. Cada participante tem cinco adesivos para colar ao lado das que mais agradam.
Escolhidas, começa a etapa do Destino. As pessoas são rearranjadas em novos grupos e novamente se valem de todo material gráfico para dar forma aos projetos pilotos. Os projetos são enfim consolidados e sintetizam o resultado do Global Forum América Latina. A próxima fase é realizar encontros na Amazônia e no Nordeste, em João Pessoa. E, em seguida, unir a voz latino-americana com as das demais regiões durante o Global Forum mundial, marcado para junho que vem, em Cleveland.
O que começou na voz das Adrianas toma corpo e proporções globais. As asas da borboleta, que cada um dos participantes fez bater, influi de alguma forma em um movimento maior em outra parte do mundo, de maneira espontânea e aleatória. No caminho reverso, tudo o que foi discutido para compor uma pauta global volta ao local. Cada indivíduo usa a experiência trocada com a coletividade – o par, a mesa, a plenária, a região – para aplicar na sua vida pessoal, na organização, na escola, na empresa, no governo.
Segundo Ronald Fry, a prática da Investigação Apreciativa, que a seu ver ainda está na infância, promete ampliar os círculos de diálogos para grupos de cem, mil e mais de mil, com relacionamentos no espaço cibernético chegando aos milhões. “Em vez de negativismo, críticas e cinismo, haverá descoberta, sonho, desenho e destino, e então estaremos realmente preparados para viver sem limites para a cooperação.” Rodrigo Loures, que preside a Federação das Indústrias do Estado do Paraná, dirige a empresa Nutrimental e foi responsável por trazer o Global Forum ao Brasil, em 2008, afirma que o diálogo que surge da Investigação Apreciativa é capaz de aproximar líderes de credos diferentes. “Trata-se de eficaz ferramenta para a solução de conflitos.” Seria interessante, portanto, ser aplicada entre países, em busca de uma agenda cooperativa para enfrentar questões globais como a da mudança climática, por exemplo? “Infelizmente, na cena política impera um jogo de forças baseado no espírito de competição, e não de cooperação”, afirma.
Sem zona de conforto
Já no mundo empresarial, a consultoria Atitude – Gerando Resultado Sustentável tem aplicado com freqüência a metodologia com seus clientes, conta a sócia Angela Andreopoulos. Mas ela reconhece que essa aplicação requer enorme habilidade humana.
A fase mais difícil, diz ela, é a do Sonho. “A maior parte dos clientes congela nessa etapa. Diria que 80% dessas pessoas simplesmente não têm sonhos para daqui a dez anos.” Não que as demais fases sejam fáceis: na Descoberta, os clientes conseguem muito mais reconhecer seus defeitos do que qualidades e competências, por incrível que pareça, conta ela.
A grande provocação que Angela vê na metodologia é tirar a pessoa de sua “zona de conforto”. É fazê-la reconhecer que os desafios pessoais influenciam o desenvolvimento das qualidades – muitas se emocionam com isso – e mostrar que não estão aí para discutir soluções de sustentabilidade: elas são parte da solução.
Isso traz toda uma nova perspectiva, que pega fundo no âmago de cada um. É como cantava a moça: você é o círculo,/ você é o presente para o círculo/.
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