Além de reconhecer que há sérios limites naturais à expansão das atividades econômicas, o verdadeiro acordo romperia com a lógica social do consumismo
Por José Eli da Veiga
Por mais simpática que seja, é pouco realista a suposição de que desta crise possa surgir um Green New Deal (GND). Por uma razão muito simples: os think tanks das elites políticas dos países centrais e emergentes estão muito longe de qualquer rompimento mental com uma macroeconomia inteiramente centrada no ininterrupto aumento do consumo. O máximo que conseguem avançar é para o resgate de um keynesianismo levemente esverdeado por propostas de ecoeficiência. Algo que jamais poderá deter o aumento da pressão sobre os recursos naturais.
Para que um New Deal pudesse ser realmente verde, seria necessária uma macroeconomia para sustentabilidade, que, além de reconhecer que existem sérios limites naturais à expansão das atividades econômicas, rompesse com a lógica social do consumismo.
Infelizmente, é forçoso constatar que nada de parecido surgiu até agora. Nada que possa ser visto como um pensamento econômico cujo impacto tenha algum paralelo com a ascensão da macroeconomia keynesiana em resposta à miséria intelectual dos anos 1920.
Os economistas ecológicos tiveram êxito na crítica ao pensamento econômico convencional, no qual coexistem várias teorias que compartilham a mesmíssima visão de um sistema econômico fechado, que não depende da biosfera. Pior: têm a mesmíssima ética voltada para a maximização do bem-estar da população atual, sem quaisquer considerações a limites ecológicos e bem-estar de gerações futuras. Esse é o denominador comum a todas as escolas, das mais ortodoxas às mais heterodoxas.
Todavia, a crítica da economia ecológica ao cerne do pensamento convencional só foi até agora assimilada por uma espécie de exército de Brancaleone. E uma das razões está na incipiência da formulação de uma alternativa que supere o que há de mais comum nas várias teorias macroeconômicas em voga. Isso fica bem patente no ótimo relatório Prosperity Without Growth? The Transition to a Sustainable Economy, lançado às vésperas da cúpula londrina do G-20, pela Sustainable Development Commission.
Esse hercúleo trabalho, elaborado pelo professor Tim Jackson, da Universidade de Surrey, sistematiza em dez capítulos inúmeros argumentos em favor de uma nova macroeconomia. Mas nada traz de convincente no capítulo e apêndice dedicados a esboçá-la. Não chega a superar a contribuição empírica do professor Peter A. Victor, da universidade canadense de York, no livro Managing Without Growth – Slower by design, not disaster (Edward Elgar, 2008).
Alguém poderá discordar dessa maneira de ver a questão, alegando que o New Deal lançado em 1933 por Franklin Delano Roosevelt pouco ou nada tinha a ver com as ideias contidas na Teoria Geral, do economista John Maynard Keynes. Aliás, publicada três anos depois e assimilada no pós-guerra. Este seria um astuto argumento em favor do lançamento de um GND, mesmo na inexistência de uma macroeconomia para a sustentabilidade.
Todavia, é muito difícil imaginar que, nas condições atuais, líderes políticos sejam levados a romper com os fundamentos econômicos do século passado. E não poderia haver melhor evidência do que o comunicado final da citada cúpula do G-20. Nele, algumas formulações bem positivas sobre a necessidade de uma transição a atividades econômicas sustentáveis aparecem como cerejas de um bolo feito com o que há de mais convencional no credo econômico deste princípio de século.
Então, se por GND entender-se um compromisso governamental em favor de tecnologias e infraestruturas que sejam limpas, inovadoras, eficientes no uso dos recursos naturais, e de baixo carbono, pode-se até dizer que ele foi lançado pelo próprio comunicado do G-20. Mas será o avesso se por GND for entendida uma mudança historicamente comparável à que foi experimentada nos EUA entre 1933 e 1939, quando emergiu arranjo institucional da global estabilização macroeconômica do pós-guerra que engendrou a Era de Ouro (1948-1973).
Um verdadeiro GND induziria a uma mudança que levasse os países centrais a deixarem de ser tão dependentes do ininterrupto aumento de consumo de suas populações, favorecendo simultaneamente a decolagem de mais de uma centena de economias periféricas. Em outras palavras, que gerasse forte redistribuição geopolítica da oferta e da demanda globais, conforme os países mais avançados buscassem os caminhos de uma planejada prosperidade sem crescimento, única possibilidade de que suas economias venham a ser ambientalmente sustentáveis.
Além de reconhecer que há sérios limites naturais à expansão das atividades econômicas, o verdadeiro acordo romperia com a lógica social do consumismo
Por mais simpática que seja, é pouco realista a suposição de que desta crise possa surgir um Green New Deal (GND). Por uma razão muito simples: os think tanks das elites políticas dos países centrais e emergentes estão muito longe de qualquer rompimento mental com uma macroeconomia inteiramente centrada no ininterrupto aumento do consumo. O máximo que conseguem avançar é para o resgate de um keynesianismo levemente esverdeado por propostas de ecoeficiência. Algo que jamais poderá deter o aumento da pressão sobre os recursos naturais.
Para que um New Deal pudesse ser realmente verde, seria necessária uma macroeconomia para sustentabilidade, que, além de reconhecer que existem sérios limites naturais à expansão das atividades econômicas, rompesse com a lógica social do consumismo.
Infelizmente, é forçoso constatar que nada de parecido surgiu até agora. Nada que possa ser visto como um pensamento econômico cujo impacto tenha algum paralelo com a ascensão da macroeconomia keynesiana em resposta à miséria intelectual dos anos 1920.
Os economistas ecológicos tiveram êxito na crítica ao pensamento econômico convencional, no qual coexistem várias teorias que compartilham a mesmíssima visão de um sistema econômico fechado, que não depende da biosfera. Pior: têm a mesmíssima ética voltada para a maximização do bem-estar da população atual, sem quaisquer considerações a limites ecológicos e bem-estar de gerações futuras. Esse é o denominador comum a todas as escolas, das mais ortodoxas às mais heterodoxas.
Todavia, a crítica da economia ecológica ao cerne do pensamento convencional só foi até agora assimilada por uma espécie de exército de Brancaleone. E uma das razões está na incipiência da formulação de uma alternativa que supere o que há de mais comum nas várias teorias macroeconômicas em voga. Isso fica bem patente no ótimo relatório Prosperity Without Growth? The Transition to a Sustainable Economy, lançado às vésperas da cúpula londrina do G-20, pela Sustainable Development Commission.
Esse hercúleo trabalho, elaborado pelo professor Tim Jackson, da Universidade de Surrey, sistematiza em dez capítulos inúmeros argumentos em favor de uma nova macroeconomia. Mas nada traz de convincente no capítulo e apêndice dedicados a esboçá-la. Não chega a superar a contribuição empírica do professor Peter A. Victor, da universidade canadense de York, no livro Managing Without Growth – Slower by design, not disaster (Edward Elgar, 2008).
Alguém poderá discordar dessa maneira de ver a questão, alegando que o New Deal lançado em 1933 por Franklin Delano Roosevelt pouco ou nada tinha a ver com as ideias contidas na Teoria Geral, do economista John Maynard Keynes. Aliás, publicada três anos depois e assimilada no pós-guerra. Este seria um astuto argumento em favor do lançamento de um GND, mesmo na inexistência de uma macroeconomia para a sustentabilidade.
Todavia, é muito difícil imaginar que, nas condições atuais, líderes políticos sejam levados a romper com os fundamentos econômicos do século passado. E não poderia haver melhor evidência do que o comunicado final da citada cúpula do G-20. Nele, algumas formulações bem positivas sobre a necessidade de uma transição a atividades econômicas sustentáveis aparecem como cerejas de um bolo feito com o que há de mais convencional no credo econômico deste princípio de século.
Então, se por GND entender-se um compromisso governamental em favor de tecnologias e infraestruturas que sejam limpas, inovadoras, eficientes no uso dos recursos naturais, e de baixo carbono, pode-se até dizer que ele foi lançado pelo próprio comunicado do G-20. Mas será o avesso se por GND for entendida uma mudança historicamente comparável à que foi experimentada nos EUA entre 1933 e 1939, quando emergiu arranjo institucional da global estabilização macroeconômica do pós-guerra que engendrou a Era de Ouro (1948-1973).
Um verdadeiro GND induziria a uma mudança que levasse os países centrais a deixarem de ser tão dependentes do ininterrupto aumento de consumo de suas populações, favorecendo simultaneamente a decolagem de mais de uma centena de economias periféricas. Em outras palavras, que gerasse forte redistribuição geopolítica da oferta e da demanda globais, conforme os países mais avançados buscassem os caminhos de uma planejada prosperidade sem crescimento, única possibilidade de que suas economias venham a ser ambientalmente sustentáveis.
José Eli da Veiga é professor titular do Departamento de Economia da USP e autor de vários livros sobre desenvolvimento sustentável – www.zeeli.pro.br
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