A crise atingiu em cheio as organizações nos EUA, que apelam para cortes e fusões ou fecham as portas. Em compensação, podem atrair maior voluntariado
Por Regina Scharf*
A crise financeira está tirando o chão de muitas não governamentais. Devido à queda nos repasses de origem estatal e nas doações, muitas organizações nos Estados Unidos estão pedindo falência ou fechando as suas portas. As mais ágeis apelam para cortes, fusões e mudança de foco, para não comprometer seus programas essenciais.
O Councilon Foundations registrou queda de US$ 200 bilhões no patrimônio conjunto de suas 2.100 associadas – organizações privadas americanas que financiam projetos sociais ou ambientais. Agora, conta com US$ 307 bilhões. A crise não perdoa nem as megadoadoras, como a Fundação Ford, que teve de fechar seus escritórios na Rússia e no Vietnã, após perder um terço dos seus recursos no último ano.
Em outros países, a situação não é melhor. Dois dos maiores doadores da Inglaterra, o Wellcome Trust e a Esmée Fairbairn Foundation, também sofreram reveses. O primeiro perdeu 9% do seu patrimônio, e a segunda teve de reduzir doações em 8%, devido à queda de 22,5% em seus investimentos.
Menor patrimônio, menores doações. Pesquisa realizada pelo mesmo Councilon Foundations, em março, verificou que 62% das 430 fundações ouvidas pretendiam diminuir seus repasses neste ano. Quase a metade informou que o aperto será superior a 10%. A enquete também indicou que essas organizações resolveram priorizar a promoção de necessidades básicas, com assistência a comunidades pobres e desempregados, combate à fome, oferta de abrigo emergencial e criação de empregos.
Por fim, 60% das fundações relataram que estavam cortando seus custos operacionais. Parte delas congelou salários e contratações e 6% começaram a demitir. O ânimo entre as ONGs que dependem desses doadores é igualmente sombrio.
Um estudo da Universidade de Indiana registra que a expectativa de arrecadação das organizações é a menor dos últimos dez anos. Segundo análise publicada pelo The New York Times em março, a saúde financeira das não governamentais dos EUA deteriorase rapidamente. O jornal cita pesquisa com dirigentes de 900 entidades. Um terço delas dizia que não tinha recursos para cobrir mais que um mês de despesas. Outro tanto afirmou que tinha cobertura por mais três meses apenas.
“Aqueles incapazes de se beneficiar da economia de escala podem ter dificuldades de sobreviver”, declarou, recentemente, Lois Lerner, diretora da área que monitora as filantrópicas no IRS, a Receita Federal americana. “Por essa razão, temos ouvido cada vez mais organizações isentas de impostos considerarem fusões e aquisições com outras similares.” Já há casos de entidades sem fins lucrativos que declararam falência – como a Glass Youth and Family Services, de Los Angeles, que atende jovens gays e lésbicas, ou a Baltimore Opera Company.
Diante desse quadro, alguns doadores estão ajudando a reestruturar organizações em perigo. É o caso da San Francisco Foundation, que destinou US$ 1 milhão para ajudar ONGs a manter serviços básicos e para pagar os serviços de advogados e administradores que ajudem a fundi-las ou fechá-las. Uma das apoiadas por ela, a Project Open Hand distribui 2.600 refeições quentes diárias a idosos e portadores do HIV na cidade de San Francisco. Com o encolhimento do orçamento, associou-se a três outras organizações similares. Passaram então a comprar alimentos coletivamente, para poder negociar melhores preços, e a compartilhar cozinhas.
Como em toda crise, sempre há quem encontre formas de prosperar. Para Daniel Ben- Horin, fundador da Tech-Soup, entidade que faz a ponte entre organizações filantrópicas e indústrias de computadores, esta fase será boa para as não governamentais. “Este é um momento de reinvenção, de busca de oportunidades”, diz. Para ele, muita gente talentosa poderá reavaliar sua carreira e buscar oportunidades no Terceiro Setor – como ocorreu quando a bolha das pontocom explodiu. “Trabalhar em projetos sociais é uma forma de validar o seu papel num mundo que enfrenta turbulências financeiras.”
Pelo menos nos EUA, muitos desempregados recentes estão buscando trabalho voluntário como forma de ocupar suas horas ociosas. Essa é a história de Lisa Traina, que perdeu seu glamouroso emprego como organizadora de festas na Rainbow Room, em Nova York, e passou a abordar mendigos para oferecer os préstimos de um abrigo de Nova York. “Eu trabalhava no topo do mundo”, ela disse recentemente ao New York Times. “Agora, ando pelas ruas dizendo: ‘Posso lhe mostrar onde conseguir um prato de sopa?'” O jornal diz que, graças ao interesse de recém-desempregados como Lisa Traina, a oferta de voluntários cresceu cerca de 30% em várias instituições.
Essa é a cara das ONGs pós-crise: pouco dinheiro, mas muita disposição para trabalhar.
*Jornalista especializada em meio ambiente