Ainda sob o efeito do fuso horário, acordei às 4h30 da manhã da segunda-feira, fui trabalhar um pouquinho (até parece que eu não faço isso em São Paulo!), vesti minha roupa e fui caminhar. Dessa vez, resolvi dar a volta por fora do campus, pelas ruas de Shanghai. Bad idea! O desvio permanente para obras em andamento tornou a caminhada não prazerosa e decidi voltar ao campus. Sabe quem estava lá? O bom velhinho de 100 anos praticando o seu tai-chi. Observei também um bom número de pessoas – também idosos – batendo as costas e dando tapas em árvores, em movimento repetitivo. A pista de atletismo estava bem cheia – duvidei que o movimento de domingo se repetisse na segunda, e me enganei – com várias pessoas – quase todos idosos – caminhando, correndo, jogando badminton e brincando com uma espécie de pião aéreo, movido por uma corda segura pelas mãos por dois pauzinhos, que faz um barulho de uma cigarra, e que pousa lentamente no chão rodando em torno de si mesmo. E haja velhinho fazendo tai-chi. Fui chegando da caminhada ao encontro da turma, que já se aglomerava para nossa primeira aula de Shaolinquan, termo usado na programação entregue aos participantes. Na verdade a aula era de tai-chi, que ao lado do kung-fu fazem parte de um grande guarda chuva chamado wushu. Vejam box para entender um pouco essas diferenças.
Antes que a Erica pergunte, descobri o que significa Jiao Tong. Significa: “o ser que está em mim cumprimenta o ser que está dentro de você”……..brincadeira! Jiao Tong significa “transporte e comunicação”. Isso mesmo, Universidade de Transporte e Comunicação de Shanghai! Basicamente, é uma universidade de engenharia que tem formado, em especial, as maiores cabeças na área de transporte, na China. Começo a entender os cebolões na cidade! A SJTU também foi responsável pelo primeiro míssil balístico da China, assim como o primeiro submarino nuclear e o primeiro satélite.
Entendo que aqui vale uma reflexão: será que haveria espaço na China para uma educação mais tai-chi do que jiao-tong? Quem sabe um novo modelo para o mundo, no lugar de uma cópia do modelo de educação americana. É verdade que posso estar enviesado pelo que vi aqui na Jiao Tong, mas não acredito que o DNA da política educacional da China seja diferente para outras instituições, mesmo porque, Jiao Tong é uma das top 3 universidades chinesas. Ou seja, aceitando essa premissa, estamos diante de um transatlântico a todo vapor com o objetivo último de replicar um modelo de desenvolvimento calcado no crescimento econômico, movido pela ciência e tecnologia, com a alma totalmente voltada para a competitividade, monitorada por indicadores de desempenho pouco inovadores. Para quem leu “Juruti Sustentável, a missão” sabe que eu não acredito em transatlântico dando cavalo de pau, mas nesse caso, o caso, o que nos resta, seria tentar salvar o iceberg à frente.
Nesse momento de reflexão, chegava, pedalando uma bicicleta, o nosso professor de kung-fu. Agora, preparem-se para uma sessão de Nelson Rodrigues.
NELSON RODRIGUES
Imaginem 50 brasileiros em um gramado de campus universitário na frente de um chinês que não fala nenhuma palavra além do mandarim, com uma platéia de cerca de 20 velhinhos chineses de boca aberta olhando a cena. E como dava ordem o desavisado chinês! Para quem olhava do lado de cá, era só tentar copiar os movimentos que o chinês fazia, porque pelo som que ele emitia não dava para saber o que a gente deveria fazer não! Deu 5 minutos e o chinês chamou a gente para o centro para “conversar”. Meu Deus! Salvos por uma aluna filha de chineses da UNB, ficamos sabendo que ele estava desistindo de dar uma aula mais puxada, por causa de alguns elementos de idade mais elevada no grupo … quem seriam eles? … e que daria uma aula mais leve de tai-chi. Ele até ameaçou uns movimentos de kung-fu nessa hora, mas quase derrubou uns três ou quatro na roda. E repetiu duas vezes: “não menosprezem o tai-chi. O tai-chi é tudo na China. O tai-chi é muito poderoso”. E voltamos lá para as 5 filas de 10 pessoas olhando para a cara do chinês que insistia em falar com a gente, desta vez sem a tradução da aluna chinesa. E vamo que vamo. Foi bem legal, mas é impressionante como as pessoas confundem o braço direito com o braço esquerdo … e lá vai o chinês de um em um corrigindo os braços. Duas velhinhas que assistiam morriam de dar risadas. Na verdade, o movimento não é tão simples: temos que imaginar que estamos segurando uma bola – quem sabe um vaso de porcelana chinesa, você decide – e invertê-los num movimento de rotação das pernas até uma posição de defesa. E foram mais 30 minutos fazendo o mesmo movimento. Quem sabe até dia 15 de agosto conseguimos completar essa coreografia.
Amanhã cedo tem mais.
Corre para o café e tomar banho, pois em 45 minutos começa a primeira aula. E dá-lhe Nelson Rodrigues. Dessa vez, o ator protagonista foi o professor Weihai Ying, PhD em medicina e com formação na Califórnia.
NELSON RODRIGUES II
Entre as áreas temáticas que vão ser abordadas no curso está a da ciência da vida, e foi por onde começamos. O Professor Ying deu uma aula sobre “Mecanismos das principais doenças neurológicas”, incluindo derrames e Alzheimer. Sovaco de cobra II. Confesso que enquanto ficou no genérico eu acompanhei e entendi, como, por exemplo, o papel do stress oxidativo em doenças neurológicas. No entanto, quando ele entrou no papel dos NAD+ / NADH e NADP/NADPH em derrames, eu confesso que me perdi. Para ser honesto, e com todo respeito ao Prof. Ying e aos organizadores do programa, acho que essa aula estaria mais para um programa do Discovery Chanel do que para uma aula cheia de alunos vindos de formação tão heterogênea, ainda mais sendo a primeira. Enfim, fica o aprendizado.
Na parte da tarde, tivemos mais uma aula ministrada pelo Prof. Ying, literalmente mudando de pato (que não é o do Pequim) para ganso, sobre “How to write a paper” e “Dicas para escrever pedidos de Grants”. E dá-lhe influência americana. De qualquer maneira, muitos sabem que eu tenho defendido no GVces que se invista em formação em metodologia de pesquisa. Acredito que, tanto pessoalmente quanto profissionalmente, seja absolutamente importante desenvolver a capacidade de construir métodos de resolução de problemas, o que, grosseiramente, é o objetivo de qualquer pesquisa. No entanto, mais uma vez, entendo que a aula foi mal posicionada.
Vamos ver o que acontece amanhã.