Mario Monzoni
Shovhe em Shanghai. Na verdade, não muda muito: é como se saíssemos da sauna seca para a sauna úmida. Mas acho que é por isso que não encontrei o velhinho hoje. A chuva também deve ter afugentado os alunos da aula de tai-chi. Somente 15 apareceram, contando com os professores. Eu representei os barrigudos. Já não somos mais um exército de brancaleones, liderados por um general chinês. Somos um bando de brancaleones, liderados por um general chinês. E foi muito melhor: a aula foi sensacional. Conseguimos evoluir nos movimentos. Os braços me confundem, e ainda tenho que me preocupar com a palma da mão, para baixo ou para cima, para dentro ou para fora, sem contar com os movimentos das pernas. Muita coisa para um menino! Acho que amanhã vou jogar o chiclete fora, antes de entrar na aula.
Tomei café, banho e saí correndo. Tô atrasado….ops…o café! Ainda não contei nada sobre o café da manhã chinês. Na verdade, confesso que é difícil, pois eu não sei o nome das coisas que comemos. E não é em chinês, não, é em português mesmo. Hoje tinha folha de lotus. Sardinha frita, arroz biro-biro, pepino e tomate com sal grosso, sempre sopa, diversas verduras cozidas, dumplings (ou guiozas) fritos ou cozidos, uma bola branca que parece um marshmallow sem muito gosto, ovo de pata que fica 20 dias na salmora, pão de forma, e leite. De soja! Ahhh, tinha café. Tem amendoim também, algo diferente para ser comido com dois pauzinhos. Comer amendoim com dois pauzinhos é coisa de louco manso…haja tai-chi. Eu já estive no interior da china e posso dizer que a coisa é muito mais estranha. Em Shanghai, num ambiente de universidade internacional, o café já estava bem ocidentalizado.
Na parte da manhã tivemos duas aulas de professores brasileiros. A primeira aula foi dada pela Profa. Leila da Costa Ferreira, da Unicamp, socióloga,que estuda a sociologia do meio ambiente. A segunda aula foi ministrada pelo Porf. Detlef Hans Gert Walde, geólogo da UNB, que tratou do tema de recursos hídricos, sob cenário de mudanças climáticas, em particular, sobre o fornecimento de água no Distrito Federal. A aula do Prof. Detlef foi muito aplaudida.
O melhor mesmo ficou por conta de visita ao centro da cidade. Saímos depois do almoço para visita ao Centro de Exposições de Planejamento Urbano de Shanghai e ao centro financeiro, onde tivemos a oportunidade de conhecer o Shanghai World Financial Center, o prédio mais alto da China, com 475 metros de altura, que fica em Pudong, o distrito mais moderno de Shanghai. E nós subimos até o topo! Digo melhor não pelo passeio em si (esse si saiu com “s”), mas pelo aprendizado e reflexão que se tira, e que nos remete à discussão que tivemos sobre a exuberância do campus da universidade de Jiao Tong dois dias atrás, e aos ensinamentos do Allan sobre o poder utilitário da arquitetura: como a preocupação pelo superlativo arquitetônico é dominante na China! Aqui tudo é grande e eles parecem adorar isso. O país é grande, a população é gigantesca, o crescimento tem que ser o maior, o campus não pode ficar para trás, por quê então as cidades e os edifícios deveriam ser pequenos? É a imposição do poder pela violência do tamanho.
Shanghai está promovendo a Expo, 2010, no ano que vem, entre 1 de maio e 31 de outubro, a maior feira de negócios ever realizada no mundo. Ver http://en.expo2010.cn/. Por onde passamos, encontramos outdoors e propaganda da Expo 2010. Grande parte das obras, em especial as no centro da cidade, é para receber centenas de milhares de pessoas que virão à Shanghai fazer negócios. O lema da feira é “A Better City, a Better Life”, de modo que maciço volume de investimento está sendo feito na cidade para esse evento, que se transformará num grande palco de propaganda para a cidade e para o país. E nada melhor para um primeiro passeio do que levar 52 visitantes brasileiros para o Centro de Exposições de Planejamento Urbano de Shanghai, um verdadeiro showroom da cidade. No local, fomos recebidos por uma guia do Centro que nos conduziu, por uma hora, pelos três andares de exposição sobre a história da cidade até chegar no quarto andar, onde está construída uma maquete de cerca de 400 metros quadrados de Shanghai! Cada prediozinho (ou seria prédinho?) de Shanghai está na maquete. Pudemos ver o campus onde estamos instalado, lá no cantinho da cidade, Pudong, os principais hotéis e restaurantes, o Bond, que é a histórica orla do rio totalmente restaurada, entre outros atrativos da cidade. A gente percebe como a própria guia que nos conduziu foi treinada para enfatizar o grande, o extenso, o alto, o glamoroso…. No final, ainda passamos por um globo que passava um filme 3D de uma viagem aérea pelos elevados, vias e ruas de Shanghai. Uma espécie de jogo do Mario Bross, no Wii. Deixamos o “Centro” de Exposições e fomos ao “Centro” financeiro visitar o Shanghai World Financial Center, em Pudong. Vejam a vista noturna de Pudong abaixo. O SWFC é o prédio mais alto com formato de abridor de garrafa.
O prédio tem 100 andares e foi recém-construído. O elevador sobe – e desce também – a uma velocidade de 8 metros por segundo. No visor do elevador não aparece que andar você está, mas quantos metros de altura você percorreu. Em um minuto você está no topo! Faça o teste na sua casa. O pior é que estava nublado, quase chovendo e não deu para ver nada, pois tinha uma nuvem bem no topo do prédio, tipo a casa da família Adams. Paradoxalmente, se o prédio tivesse 80 andares teríamos visto Shanghai inteira. Confesso que, pela primeira vez na vida, eu fiquei mareado. Ao entrar em um corredor – na verdade, a parte de cima do abridor de lata – que cruza o prédio de lado a lado, com parte do chão de vidro, eu fiquei totalmente tonto. A coisa ficou ainda pior para mim quando o chinês, que toma conta dos elevadores, me disse que a saída era do outro lado. Ou seja, eu teria que atravessar um túnel de 50 metros, com uma p… vertigem, fingindo que está tudo bem. Respirei muito fundo e fui. Aproveitei duas faixas de lajotas que não eram vazadas e que não dava para ver o chão, a 475 metros de distância. O que eu não contei é que na minha frente tinha umas 100 pessoas, entre estudantes e professores brasileiros e chineses, além de alguns turistas estrangeiros, absolutamente concentrados na vista, desinformados sobre a presença de um professor brasileiro com ataque de vertigem, desesperado para chegar ao outro lado do corredor. Estimo em 20 segundos de desespero total, onde apenas senti o tranco de umas três ou quatro trombadas que dei durante o caminho, com pessoas que insistiam em ficar na minha frente e bem na trilha de lajotas sem vidro que eu tinha desenhado até o outro lado. Não consegui ajudá-las a levantar do chão, pois estava concentrado no meu objetivo de chegar ao outro lado. Ufa! Cheguei! O elevador estava ali, a minha disposição, olhando para mim. Ninguém, entre eu e ele. O chão de pedra. Seguro. Moço, o térreo, por favor!
Por último, saibam que na frente desse prédio está sendo construído um outro, maior ainda, de 600 metros. Não contem comigo para uma visita. Acho que os anúncios de prédio aqui na China deveriam ser assim: SWFC, o prédio mais alto do mundo virgula no momento. E para finalizar: vocês sabem qual vai ser o nome do prédio novo? Suuuuuuuper sugestivo…nome chinês….que lembra a dinastia Ming….e todo o passado milenar da China: Shanghai Towers!
Por hoje, enough is enough. Volta para o campus. Vou dormir cedo.
Boa noite, Shanghai!