A chuva refrescou bem o tempo por aqui. E o velhinho apareceu de novo. Camisa Hering branca, calça caqui com cinto apertado acima do umbigo. Cabelo branquinho. Braços erguidos, palmas das mãos apontadas para o rosto. No mesmo ritmo: 20 cm em 20 minutos. Para se ter uma noção do que isso significa, é uma velocidade de 60 cm/hora. Uma tartaruga é uma Ferrari perto disso. Está mais para bicho-preguiça, mas acho que bicho-preguiça ainda é meio desajeitado perto do velhinho. Se eu tivesse só 60 cm de movimento em 1 hora eu estenderia meu braço lentamente até meu bolso, esticaria meus dedos e pegaria meu blackberry, antes que a urticária me atacasse por completo. Imagina, até parece que eu sou assim! Quando crescer quero ser que nem ele. “O que você vai ser, quando você crescer”.
O boca-a-boca sobre a aula de ontem deve ter trazido mais gente pro thai chi, pois o quorum foi maior hoje. Impressionante como já sentimos a evolução em poucas aulas. O núcleo duro de nosso exército de brancaleone conseguiu convencer o professor a dar aula amanhã e sexta, pois o previsto era só de segunda à quarta.
E corre-corre de novo: 30 minutos para café, banho, arrumar mochila e caminhada para uma aula sobre “metabolismo e fisologismo de “higher” fungos e sua relação com a sociedade e com o dia a dia”, com o Prof. Jian-Jiang Zhong, PhD em Tecnologia e Biotecnologia da Fermentação. Ele tem um H-index de 21, o que significa que ele é um dos caras mais citados e de maior número de publicações na China. Para se ter uma idéia, ele tem mais de 150 artigos aprovados em journals internacionais. Enfim, apesar de jovem, o cara é uma fera e muito simpático. O problema é que ninguém conseguiu acompanhá-lo … e ele perdeu a audiência. Luz laranja no controle. Aproveitei a dispersão da classe para ligar o lap top e me conectar na web. Quem entra no MSN é minha filha Luiza, me perguntando que horas eram por aqui. Ao dizer que eram 10h da manhã, fui surpreendido por um: —– Papai, como é o futuro? Se vira nos 30, negão. —– Filha, veja bem…(quando alguém começa com “veja bem” é porque ele não sabe a resposta), na verdade (quando ele complementa com “na verdade”, ele só está ganhando tempo para inventar uma resposta), nós estamos vivendo o mesmo presente, só que aí está noite e aqui está dia. Perguntei se ela tinha entendido, e ela respondeu com um sonoro —– Claro, que não! “É preciso amar as pessoas, Como se não houvesse amanhã, Por que se você parar pra pensar, Na verdade não há”. Confesso que fui para o alojamento pensando na pergunta.
À tarde tivemos mais uma aula da trilha da ciência da vida. Dessa vez, o Prof. Linquan Bai ministrou aula de “Metabolismo Microbial Secundário: aplicações, bio-síntese e engenharia” de várias classes de antibióticos, incluindo soluções para aumento de produtividade. Com essa aula, fechamos o ciclo chinês da ciência da vida.
Entre os comentários que recebo de vocês, só um foi positivo em relação à parte da ciência da vida. E é claro que tinha que ser de alguém com a incrível capacidade e sabedoria de ver o lado bom das coisas: a Érica. Sem a autorização dela, eu colo um trecho do email que recebi para uma reflexão coletiva, por que achei bem legal: “Olha, eu adorei esta história de ciências da vida e da forma como abriram. Quer visão de longo prazo melhor que esta? É uma desconstrução, mas talvez se começarmos a ver a vida pela velhice, tem coisas que ficariam muito pequenas e outras muito valiosas. O dia-a-dia pode ganhar a dimensão de oportunidade. Nenhum problema é uma grande surpresa ou uma grande tristeza. Faz simplesmente parte da vida. Lembra do filme do Benjamin Button? Ele era uma calmaria só”. Eu não vi o filme, mas o texto fez sentido para mim. E agora passo pelo velhinho de 100 anos pensando nisso. A má notícia é que duvido que quem programou as aulas tenha tido essa visão, mas vamo que vamo.
Para finalizar o dia de hoje, confesso que não pude deixar de lembrar do meu pai, Dennis, e do meu filho, João, nessa série da ciência da vida. “Meu filho vai ter Nome de santo, Quero o nome mais bonito”.
A primeira aula me fez lembrar muito meu filho, que teve uma esquemia, seguido de derrame, quando ele tinha 8 meses de vida. Em geral, derrames acontecem na fase adulta e é raro em bebês. A segunda e a terceira aula me fizeram lembrar do meu pai. “Você me diz que seus pais não lhe entendem, Mas você não entende seus pais, Você culpa seus pais por tudo, Isso é absurdo, São crianças como você”. Meu paí é químico e começou a vida profissional em um laboratório fazendo fermentação de antibióticos, em particular de penicilina. Os antroposóficos não vão gostar do que vou dizer – e eu sou meio suspeito para dizer – mas considero a descoberta da penicilina uma das maiores invenções do século XX. Eu lembro muito do cheiro da fermentação de penicilina, pois passei a infância indo com meu pai no final de semana na fábrica da Squibb, laboratório americano, na Avenida João Dias, em Santo Amaro. Enquanto ele resolvia os problemas não resolvidos na semana, a gente passeava pelo laboratório vendo os fungos crescerem in vitro.
Enfim, sincronicidade. E para quem gostou, segue a música inteira abaixo.
PAIS E FILHOS – LEGIÃO URBANA
Estátuas e cofres
E paredes pintadas
Ninguém sabe o que aconteceu
Ela se jogou da janela do quinto andar
Nada fácil de entender
Dorme agora
É só o vento lá fora
Quero colo
Vou fugir de casa
Posso dormir aqui
Com vocês?
Estou com medo tive um pesadelo
Só vou voltar depois das três
Meu filho vai ter
Nome de santo
Quero o nome mais bonito
É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar pra pensar
Na verdade não há
Me diz por que o céu é azul
Explica a grande fúria do mundo
São meus filhos que tomam conta de mim
Eu moro com a minha mãe
Mas meu pai vem me visitar
Eu moro na rua não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar
Já morei em tanta casa que nem me lembro mais
Eu moro com os meus pais
É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar pra pensar
Na verdade não há
Sou uma gota d’água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais não lhe entendem
Mas você não entende seus pais
Você culpa seus pais por tudo
Isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer?