por Mario Monzoni
Os dias têm começado cedo para mim. Em parte, porque ainda não me acostumei com o fuso, em parte porque acho que sou meio louquinho mesmo. 3h e estou de pé. Trabalho um pouco até às 5h30 quando saio para caminhar. Andar pelo campus, observando as pessoas e escutando meu ipod: Frank Zappa na China. Muito bom! O velhinho não deu cano: tava lá pontualmente, no mesmo bat lugar, na mesma bat posição, no mesmo bat espírito. Batizei-o de mestre Yoda, o mais sábio, velho e poderoso mestre Jedi. Eles são idênticos, a não ser pelo tamanho, pois Yoda tinha 66 cm. E pelo cabelo, Yoda tinha mais cabelo. Quem sabe quando o velhinho bater os 900 anos de Yoda – e eu não duvido que chegue – ele também tenha os mesmos 66 cm. Espiritualmente, têm a mesma aura. Fico imaginando sua história de vida. Eu morro de inveja das pessoas que nasceram no começo do século XX e ainda são vivas. Essas pessoas, simplesmente, viram quase tudo. Que filme eles assistiram!
A chuva que caiu durante as noites não deixou que a aula de thai chi fosse realizada no gramado, ao ar livre. No lugar, fomos ao ginásio do campus, um pouco mais abafado. De fato, o ginásio estava mais para cenário de high school music do que para aula de thai chi. O quorum caiu significativamente: éramos 6 nos dois dias, a maioria professores. Depois de alguns dias de adaptação, acho que os alunos já caíram na folia até altas horas e acordar às 6h30, na chuva, para fazer thai chi exige um pouco de esforço, boa vontade, ou mesmo maturidade. Posso afirmar, no entanto, que para esse núcleo duro de brancaleones a coreografia começa a aparecer.
Na quinta e sexta os alunos brasileiros tiveram aula de mandarim e os alunos chineses aula de português. Uma professora brasileira, da Universidade de Beijing, veio dar aulas para eles. Os brasileiros foram divididos em duas classes e eu acabei como único professor em uma delas. A professora saiu distribuindo o livro de língua chinesa para todos, e me pulou. Incrível, já não bastava o professor de thai chi discriminar os idosos, agora a professora de chinês também me reservava tratamento desigual. Ela começou explicando que a escrita pode ser com aqueles desenhinhos e/ou com nossas letras. A maioria das pessoas só sabe a dos desenhinhos. As palavras – com nossas letras – são divididas em três: tem uma raiz, que é a primeira letra, um final e uma entonação. O chinês tem quatro acentos que determinam a entonação da palavra. O primeiro acento exige que a palavra seja pronunciada por igual, flat, assim como é a grafia do acento. O segundo acento nos avisa que a entonação da palavra deve começar baixa e subir no final, e é representado como nosso acento grave. O terceiro joga a entonação para baixo e resgata o tom alto no final da palavra, e é representando por um “check”, tipo marca de correção quando o aluno acerta a conta. E o quarto é o acento agudo, sharp, cuja palavra começa com tom lá em cima e cai violentamente para baixo.
Na noite da quinta, fui jantar com um amigo que é o representante regional de um grande banco de atacado, aqui em Shanghai. Ele está aqui há um ano e meio com a esposa e conhece um pouco da economia chinesa, mesmo porque seu trabalho é ajudar os clientes brasileiros com negócios na China. Foi muito bom revê-lo depois de quase 10 anos, quando o conheci no tempo em que eu trabalhava como gerente do eco-finanças no Amigos da Terra, e ele trabalhava na área de projetos do banco, envolvido na construção e implementação do Sistema de Administração Ambiental.
Fomos até o M on the Bund, um restaurante bem chique, na orla do rio, em frente à Pudong. Embora tenha chovido, a noite estava clara e, da varanda do restaurante, pudemos ver a imponência do centro financeiro at night, uma imagem muito parecida com aquela foto que eu mandei para vocês. O Kassab não passou por aqui e a poluição visual é absurda, tanto de dia quanto de noite. Incrível como ela ficou maior para nós depois que nos acostumamos a uma cidade sem outdoors! Não comi comida chinesa e no restaurante vi poucos chineses nas mesas. Quase todo mundo – e o restaurante estava cheio – era gringo. A conversa não poderia ser outra: economia chinesa!
Para ele, o foco é ordem e progresso. As palavras são minhas – e saíram agora – mas a mensagem que ele passou foi essa. Crescimento e nada de bagunça ou aglomeração. Disso sobrevive o Partido Comunista e é assim que os incentivos vão jogar. Ele disse que as províncias têm metas de crescimento e qualquer desvio para baixo de desempenho é fatal para a carreira de qualquer político na carreira do Partido. Meio ambiente? O que vocês acham? É custo, problema, obstáculo ao cumprimento de metas. Para piorar, a regulação é descentralizada, ou seja, o responsável pela área ambiental nas províncias é nomeado pelo mesmo cara que tem que cumprir metas com o poder central. Governance? You kidding! De qualquer maneira, segundo ele, se o crescimento não for o que deveria ser, ele será fabricado: a China crescerá 8% em 2009!
Na verdade, o problema é macroeconômico: o consumo chinês é muito baixo, cerca de 35% do PIB, ou seja, o motor da economia é a exportação. Só que exportações foram machucadas pela queda da demanda internacional, em especial dos Estados Unidos. Assim, para crescer os 8% sem torturar dados, a China vai depender de muito investimento e gasto público, os outros dois elementos da demanda agregada que compõe o PIB. E não é a toa que vimos muito investimento em construção civil e obras viárias e a discussão é de como desenvolver o setor de serviços, muito mais trabalho intensivo.
A previdência, segundo ele, contempla só a população urbana. Mesmo assim, precariamente. Disse que outro dia um amigo brasileiro quebrou a perna jogando futebol e foi despedido. Nas ruas, a gente vê um varejo igual a um país capitalista. O atacado está nas mãos do Estado. É como se vivêssemos em um país cheio de Petrobrases, Bancos do Brasil, Eletrobrases…. com incentivos perversos que aqui se encontram numa grande corporação chamada China. Com direito a todas as piores práticas de governança. Só que os caras estão sentados em US$ 2,3 trilhões de reservas e podem emitir moeda quando quiserem.
No campo da ordem, o trauma é com os 3T’s: Tibet, Taiwan, Tianamen. Para ele, o chinês odeia ser exposto, e qualquer ação gera reação de maior intensidade. Qualquer ameaça de aglomeração já é desencorajada. Não há acesso ao site do youtube e, segundo ele, é impossível ter informações sobre Taiwan. Poucos viram pela TV o que ocorreu na praça Tianamen. Vi pouco a TV, mas o que vi foi um monte de programas de auditório e filmes chineses, quase todos de kung-fu. A CNN é liberada para os estrangeiros – deve ser um serviço à parte – mas tem um delay de 7 segundos. Ele não acreditou quando a CNN “caiu” dois segundos depois que o Dalai Lama apareceu no ar.
Para resumir, e nas palavras dele: “A China é só hardware. Falta muito software!”. E tem tudo a ver com o que o Allan fala da arquitetura. Confesso que começo a sentir isso também: isso aqui não é sustentável e vai explodir um dia.
Na sexta à tarde tivemos duas aulas com dois professores da ESALQ. O Prof. Luiz Coutinho, da Escola de Agricultura, especialista em “genomics, proteomics, and transcirptomics”, falou sobre a necessidade de se investir em ciência e tecnologia – nas tecnologias “omics” – para aumentar a produtividade agrícola, evitando pressão sobre áreas novas. O Prof. José Martines, do Departamento de Economia, da Escola de Agricultura, falou sobre agricultura sustentável no Brasil, por meio de dois estudos de caso: a soja no Mato Grosso e a cana de açúcar em São Paulo. Encerrou sua apresentação com um vídeo institucional da Cosan, convidando os chineses para, na visita ao Brasil, conhecer um modelo de usina de álcool.
E por quinta e sexta é só! Embora no futuro, tenho tido dificuldades de escrever todos os dias. Amanhã vou ver se mando o relato da viagem que fizemos no final de semana.