Retocai o céu de anil
Bandeirolas no cordão
Grande festa em toda a nação
Despertai com orações
O avanço industrial
Vem trazer nossa redenção
Parque Industrial – Tom zé
“Zao Shang Hao!”
Olá! Não me apressei muito em mandar notícias por três razões, a primeira, é claro, foi a presteza e o detalhismo dos reports do Mario – box sobre o Wu Shu e Daijí (tai-chí), fotos, movimentos do velinho, velocidade da ferrari, letras do Renato Russo…enfim, é dificíl competir com tudo isso! A segunda razão foi por perceber que o épico misticismo chinês compreende uma lógica singular e dinâmica para determinar quais pontos do espaço cósmico estão cobertos pela internet wi-fi. Um dia é o segundo andar do hotel, outro dia é o terceiro – mas só do meio dia até as 13:37! – outro dia não é lugar nenhum…só resolvi a pendenga quando apelei pro bom e velho cabo que sai da parede e entra no computador – Lao-Tsé que me desculpe, eu preciso ver quanto foi o jogo do coringão. A terceira foi que ao colocar na balança “conhecer mais um canto de Xangai” e “ficar no computador”, a primeira opção foi a campeã na maioria das vezes. Compreensível.
“Uau! Isso ai é turismo..!”
Ontem no café da manhã, um senhor chinês me perguntou: where are you all from? Inusitado…no geral, os chineses não excedem as espiadas de rabo de olho às loiras do grupo…Ele trabalha em Barcelona e ficou curioso pela profusão de logos do Santander. Disse a ele que somos brasileiros, que estamos aqui fazendo um curso sobre “meio ambiente e mudanças climáticas” que já estivemos em Suzhou, Wuzhen, Xian e que amanhã iríamos a Pequim…quando ele disse: “Uau! Isso aí é turismo…vocês não são estudantes!”. Então…
Difícil negar a esquizofrenia desta viagem. Com certeza a parte acadêmica não é [mais] o destaque, porém, tampouco estamos aqui para fazer turismo. No geral as aulas simplesmente não fluem. Em muitos casos a pouca familiaridade da maioria dos professores e alunos (chineses e brasileiros) com o inglês torna a comunicação sofrível, especialmente quando a discussão é sobre o papel do NADPH+ na síntese de ATP pelas mitocôndrias. Em outros, os assuntos são demasiadamente específicos e fazem sentido para não mais que 5% dos alunos. Os brasileiros, se valendo da ausência de qualquer tipo de controle de presença, já decretaram que as aulas são facultativas e, como não temos dias livres em Xangai, usam o período para fazer compras, conhecer as lojas, pechinchar, fazer compras, encher as sacolas e eventualmente conhecer Xangai. Dá um embaraço ver a aula lotada de chineses (ainda que a maioria esteja dormindo nas carteiras) e com não mais que 8 brasileiros (dos 45 que vieram).
Apesar do cenário, alguns destaques. Um professor da UNB deu uma aula muito interessante sobre os recursos hídricos em Brasília e nas cidades satélites, uma professora chinesa – apesar do inglês – deu uma boa palestra sobre a água em Xangai e a aula da Mário conseguiu provocar o pessoal…foi o único momento em que brasileiros e chineses tiveram uma pausa para refletir e debater. Antes da aula do Mário, fiz uma apresentação em inglês do nosso projeto dos indicadores de Juruti…com direito a apresentação do grande arrasa-bilheterias, o Juruvídeo. Não se espantem se em uma viagem China vocês forem reconhecidos.
Se me perguntassem qual seria o formato mais apropriado para este encontro, seguramente privilegiaria o debate. Temos no grupo oceanógrafos, profissionais de comércio exterior, engenheiros civis, biólogos, gestores ambientais, advogados, meteorologistas entre muuuuuuuuuitos outros. Dada a impossibilidade de nos aprofundarmos em minúcias de cada escola, mais valeria aproveitar a pluralidade do grupo pra discutir questões, problemas, alternativas e desafios sob as diversas óticas. Os brasileiros têm muito poucas oportunidades de interagir com os chineses. Eles estão alojados em um campus que dista (pelo menos) 30 km do nosso, não fazem a maioria dos passeios conosco, não viajam com a gente (disseram que pra Pequim eles vão…veremos…). Tudo o que para nós é gratuito, eles têm que pagar – e não é barato. Só temos um tempo para conversar nos corridos minutos do almoço e tudo isso agravado pelo abismo cultural que existe entre os latinos e os asiáticos. Enquanto os brasileiros querem sair quase todas as noites, aprender xingamentos em chinês e fazer piada de tudo, os chineses acham que essas coisas são na maioria das vezes desrespeitosas e atitudes de “quem não quer nada com a vida”. Apesar das diferenças são todos MUITO simpáticos, solícitos e companheiros, mas acho que poucos brasileiros têm interesse e paciência em estabelecer laços verdadeiros com algum companheiro de sala. Dá trabalho, mas vale a pena.
Pra brasileiro ver..?
O Mário relatou nossa visita ao Campus Ming Qa da faculdade de Xangai. É um espanto. Por tudo. O tamanho, a arquitetura, o pé direito, a magnitude, as ruas largas, a estrutura esportiva…é tanto…mais tanto…que desconfio…precisa?
Tive um professor de história no ensino médio que, ao falar da opulência das igrejas na idade média, sempre comentava que “a arquitetura é a oratória do poder”. Ele dizia que o objetivo era fazer com que o fiel, ao entrar na igreja, lembrasse da sua insignificância perante a magnificência de deus, da igreja, da autoridade…ou do Estado, do partidão…Nunca fez tanto sentido como aqui. Depois de ler uns 20 livros sobre a história da China e de seu afã em impressionar os estrangeiros, passei a desconfiar se aqueles alunos pingados que cruzamos na faculdade estavam mesmo “pesquisando” em plenas férias ou se estavam representando (como a maioria dos que estavam na cerimônia de abertura do curso). A última vez que tinha rememorado a famigerada frase do meu professor de história foi quando fui pela primeira vez, de barco, para Juruti Velho … a mata amontoada às margens do riozão, aquele barquinho arranhando a água, a gente insetos deslizando no Amazonas … aí sim …
“Isso aqui é uma caixa preta cara…!”
Segundo a nossa guia dos passeios de fim de semana, depois que Buda morreu seu corpo foi cremado. Contudo, alguns ossos não chegaram a virar cinzas e, encarados como o próprio corpo do Buda, foram distribuídos entre alguns templos budistas do mundo e viraram símbolos de adoração e respeito. Neste último passeio a Xi´an fomos para o Templo Famen (impossível não lembrar da Cecília!) onde é possível ver um dos “Buddha Bones”. O governo chinês encasquetou que este será o maior templo budista da China (não imagino como é o maior do mundo!). Ele é composto atualmente – apenas um terço está pronto – por um “templo velho”, onde é possível ver o osso, e um por um templo monumental, em formato de duas mãos arqueadas realizando um cumprimento, saudação … impressionante. Este local foi o cenário de uma recente revolta (moderada, claro) dos monges. Incomodados pelo fato de o governo ter construído muros ao redor do templo para poder cobrar caros ingressos dos turistas, os monges passaram a derrubar os muros de tijolos com as próprias mãos … para eles, o templo deveria permanecer aberto aos interessados e curiosos. Claro que não durou muito, os muros estão lá e tudo está no seu lugar … os monges rezam, os turistas pagam e é bom que esteja todo mundo feliz assim.
Eu perguntei para a guia o que ela achava de o governo utilizar dinheiro público (a noção de público na China não tem NADA a ver com a nossa) para construir um templo religioso … imaginei o Lula construindo a maior igreja da América Latina em Santo André … e fiquei incomodado ao lembrar da cidade de Aparecida, no interior de São Paulo … sem descer do salto ela recitou um texto decorado na ponta da língua que era mais ou menos assim “a China tem quatro religiões principais: budismo, cristianismo, islamismo e o taoísmo. Todas elas são gerenciadas por um ministério preparado que visa garantir a liberdade religiosa e ao mesmo tempo equalizar o exercício destas atividades aos interesses do país.” Não colou, mas não saía muito disso … No ônibus de volta, bombardeada por perguntas a respeito do Dalai Lama, da posição do governo chinês e da “questão do Tibet” ela contou uma história que beeeeeeeeeeeeeeeeeeem resumidamente dizia:
O budismo chinês veio da Índia através de um monge e, após a sua morte, seus dois principais discípulos discordavam em alguns pontos (vegetarianismo, por exemplo) e a prática se dividiu em duas escolas, a Hanayana e Mahayana (ou algum nome parecido). Elas se espalharam por partes diferentes da China. Até que um dia, um indiano disse que teve um sonho onde Buda apareceu a ele e disse que a iluminação total (o nirvana) poderia ser atingida em apenas um dia … esse era o “secret buddhism” (ela falou desse indiano com um tom visivelmente pejorativo). Esse secret buddhism ficou conhecido como Lama Budismo e se estabeleceu na região do Tibet, que ainda tinha sua economia baseada na escravidão. O Lama Budismo acredita que o espírito do Buda reencarna sempre em alguém e que este é o Buda na terra. Com o passar dos tempos o principal monge budista do Tibet – ou melhor, o Buda tibetano – morreu e seus dois discípulos, discordando em vários pontos, criaram novas vertentes. Estes discípulos eram Dalai e Banshee (?). Banshee era querido pelos escravos e pobres, por isso nunca ouvimos falar dele, já Dalai era o living Buddha dos ricos proprietários tibetanos. Mao Tse-tung, ao “libertar” o país em 49 fez um acordo com o Dalai, ele poderia continuar sendo o líder religioso e a liderança local do Tibet desde que concordasse em acabar com a escravidão. Dalai sem alternativas concordou, para desagrado de seus seguidores. Desde então, ele tenta recuperar seu poder na região forçando uma independência ou alguma autonomia que possibilite o restabelecimento da escravidão e de seu poder regional.
Nesta linda história o vilão é Dalai, aliado dos burgueses tibetanos, e o governo chinês é o herói, preocupado em garantir a liberdade dos pobres ex-escravos – por mais paradoxal que soe falar de liberdade e “ex-escravos” em um país sem legislação trabalhista e onde praticamente nenhuma decisão, além do consumo, é de foro individual.
No fim da história o Mário fala pra mim “rapaz…esse país é uma caixa preta”, “com certeza, tanto pra nós como para a guia...”.