Por Camila Haddad
Assim como a todo morador de São Paulo, trânsito é um problema que me afeta todos os dias e, por isso, traz à tona várias reflexões. Quando tenho a sorte de estar em casa na hora do rush, da minha janela consigo enxergar a 23 de maio toda iluminada: branco na pista que vem, vermelho na pista que vai. Até que seria bonito se eu não soubesse qual é a sensação quando se está lá em baixo.
O engraçado é que foi esse “zoom out” que me fez entender que eu sou parte do problema. Me fez compreender que quando eu saio de casa de carro eu não enfrento o trânsito, eu SOU o trânsito. E, pensando assim, cheguei à conclusão de que também sou parte da solução.
Foi então que, há cerca de um ano, resolvi, sempre que possível, substituir o carro pelo uso de transporte público. Como consequência consegui reduzir meu tempo de locomoção (graças aos corredores de ônibus), passei a caminhar mais, gastar menos, e, principalmente, me estressar menos. Ao contrário do que se costuma pensar, ao deixar o carro eu me senti mais livre. No ônibus eu ganho as minhas mãos e meu cérebro para o fim que eu bem entender: ler, ouvir música, dormir. Também não sou mais refém dos estacionamentos, vallet services, flanelinhas e afins.
Vários fatores me levaram a esta decisão. Alguns derivados da consciência coletiva, mas muitos outros foram motivadores pessoais. Confesso também que o “auto”sacrifício – com o perdão do duplo sentido – foi mínimo: minhas rotas diárias são bem servidas de metrô e ônibus e eu ainda posso contar com meu carro nos finais de semana.
E é daí que deriva a reflexão que deu origem a este post.
Lendo sobre as obras da Nova Marginal Tietê fiquei com uma pulga atrás da orelha. O meu bom senso já dizia que aumentar o número de vias passa longe de ser uma boa solução, mesmo se considerarmos exclusivamente o problema do trânsito (e ignorar os problemas ambientais e de saúde decorrentes dele). Dias depois recebi o link para um post do Sedentário Hiperativo que reforçou as minhas suspeitas.
O post falava sobre um pressuposto matemático, o paradoxo de Braess, segundo o qual é possível concluir que mais estradas podem significar mais congestionamento. O paradoxo demonstra que “agentes escolhendo individualmente o caminho que lhes é mais rápido, faz com que coletivamente todos acabem levando mais tempo”.
A conclusão do paradoxo não pode ser tomada como regra, até porque problemas com tal grau de complexidade nunca apresentam uma solução única. Mas ler sobre escolhas individuais e efeitos coletivos me levou a pensar em um outro arcabouço teórico (teoria dos jogos, tragédia dos comuns, para citar alguns) que nos leva a único ponto: escolhas que visam maximizar o bem-estar individual, nem sempre (eu diria quase nunca) levam à maximização do bem-estar coletivo.
Nesse esquizofrênico emaranhado de reflexões e teorias tive uma epifania, que depois me pareceu uma conclusão muito óbvia. Enquanto não nos enxergamos como parte de um todo e continuarmos a basear nossas decisões em uma visão míope e auto centrada da vida, acabaremos prejudicando, em última análise, a nós mesmos.
Isso pode parecer um pouco assustador, mas, em certa medida, também é estimulante. Como acontece com o trânsito, acontece com todo o resto: se sou parte do problema, também sou parte da solução. Está aí, claro e simples, o papel do indivíduo na sustentabilidade.
Não preciso esperar o fim da crise, a criação de políticas públicas, o resultado da COP, ou o polpudo investimento estrangeiro no Fundo Amazônia, pois em nada disso eu (cidadão comum) tenho real influência. Mas posso ter a certeza de que, de alguma forma, as minhas atitudes fazem sim a diferença. E o fazem tanto para o bem quanto para o mal.
Termino por aqui, repetindo um trecho do “Allan na China” sobre o Tao e o princípio da unidade que em poucas linhas resumiu tudo o que eu demorei muitas viagens de ônibus e alguns parágrafos para concluir…
“ao perceber que todas as coisas (inclusive nós mesmos) são interdependentes e constantemente redefinidas pela mudança das circunstâncias, passamos a ver todas as coisas como elas são, e a nós mesmos como apenas uma parte do momento presente. Pelo estudo da natureza da vida, você pode influenciar o mundo do modo mais fácil e menos disruptivo (usando a sutileza em vez da força).”