A França lança ambicioso programa ambiental, mas há quem questione a sua consistência
Governo conservador é o mesmo que governo conservacionista? O presidente francês, Nicolas Sarkozy, parece querer provar que sim. No ano passado, cumprindo promessas de campanha, ele lançou um programa ambicioso, o Grenelle de l’Environnement, espécie de pacto entre o governo francês, empresas, sindicatos e ambientalistas para a promoção da sustentabilidade.
“Daqui em diante, todas as decisões públicas serão julgadas segundo impactos sobre o clima e a forma como afetam a biodiversidade”, declarou o presidente no lançamento do programa. “O ônus não será das decisões ecológicas de provar o seu mérito, mas dos projetos não ecológicos, que terão de demonstrar que não podem ser feitos de outra forma.”
Isto é surpreendente. Primeiro, porque a França não costuma ser lembrada como vanguarda ambiental. É um dos países que mais dependem de energia nuclear- cerca de 80% da sua eletricidade. As florestas nacionais, embora bem cuidadas, lembram projetos de silvicultura, com árvores perfeitamente alinhadas. Sarkozy, por sua vez, é um sujeito conhecido pela hiperatividade, pela agressividade e por Carla Bruni, a esposa top model – não pelo idealismo.
Mas, tão logo assumiu o governo, anunciou que o combate à mudança climática seria uma prioridade. Na sequência, uniu-se à chanceler alemã Angela Merkel e ao então primeiro-ministro britânico Tony Blair em blitz para tentar chamar à razão o na época presidente americano George W. Bush, às vésperas das negociações climáticas de Bali. “Pretendo ir o mais longe possível com os impostos sobre o carbono. Quanto maior a taxação da poluição, menor o peso dos impostos sobre o trabalho”, declarou Sarkozy ao Congresso, em meados de junho.
Agora, aposta todas as fichas no Grenelle de l’Environnement, um plano de ação para os próximos 10 a 15 anos. Pelos cálculos de Jean- Louis Borloo, ministro do Meio Ambiente, criará investimentos na faixa de 400 bilhões de euros e mais de 550 mil empregos no país até 2020. A metade das mais de 200 recomendações consolidadas no Grenelle – e submetidas a uma série de consultas públicas – está ligada à mudança climática. A expectativa de Borloo é que a França dobre a geração de energias renováveis e reduza as emissões anuais em 50 milhões de toneladas de carbono.
No que diz respeito aos transportes, o Grenelle propõe construir mais de 2 mil quilômetros de linhas férreas de alta velocidade e ampliar a oferta de transporte público urbano. O governo também decidiu repassar 400 milhões de euros às indústrias automobilísticas francesas para pesquisa e desenvolvimento em sustentabilidade Uma proposta já colocada em prática foi a elevação dos impostos sobre carros excessivamente poluentes. “O mercado automotivo francês está mudando de cara. Em média, as emissões dos veículos novos comercializados no país caíram em 9 gramas de dióxido de carbono por quilômetro em um único ano”, diz Borloo em artigo na revista Our Planet, do Pnuma.
A meta para edifícios, responsáveis por mais de um quarto das emissões da França, é a adoção de um padrão de consumo máximo de 50 kWh por metro quadrado ao ano para imóveis novos até 2012. Até 2020, o objetivo é mais ambicioso: ter imóveis que não só gerem a própria eletricidade, mas possam fornecer energia para terceiros.
Por fim, esse plano tão exaustivo prevê triplicar a produção agrícola orgânica até 2010, reduzir o uso de agrotóxicos à metade e criar corredores de biodiversidade. E ainda reduzir em 15% o volume de lixo enviado à incineração, até 2012.
A esquerda e os grupos ambientalistas inicialmente aplaudiram e participaram ativamente do Grenelle, animados com seu perfil inovador. Mas agora muitos reclamam que parte das propostas mais arrojadas tem sido engavetada ou adiada. Entre elas, o estabelecimento de taxa sobre as emissões de carbono e a ideia de interromper a construção de novas estradas.
No início de julho, o Senado francês aprovou o esboço do projeto de lei que consolida a linha mestra do Grenelle. Vários senadores dos partidos de esquerda e do Partido Verde preferiram abster-se do que classificaram de “palhaçada”. O texto aprovado ainda terá de passar por uma comissão que lhe dará a redação final, antes de voltar à votação.
Os críticos também questionam as intenções do governo, lembrando que Sarkozy retomou a construção de usinas nucleares. Entre esses opositores está Daniel Cohn-Bendit, líder da revolta estudantil de Maio de 1968 e hoje militante verde. Para ele, “com o passar do tempo, a maior parte das medidas anunciadas no Grenelle foi esvaziada”. Como diria minha avó, qui vivra verra (quem viver verá).
*jornalista especializada em meio ambiente[:en]A França lança ambicioso programa ambiental, mas há quem questione a sua consistência
Governo conservador é o mesmo que governo conservacionista? O presidente francês, Nicolas Sarkozy, parece querer provar que sim. No ano passado, cumprindo promessas de campanha, ele lançou um programa ambicioso, o Grenelle de l’Environnement, espécie de pacto entre o governo francês, empresas, sindicatos e ambientalistas para a promoção da sustentabilidade.
“Daqui em diante, todas as decisões públicas serão julgadas segundo impactos sobre o clima e a forma como afetam a biodiversidade”, declarou o presidente no lançamento do programa. “O ônus não será das decisões ecológicas de provar o seu mérito, mas dos projetos não ecológicos, que terão de demonstrar que não podem ser feitos de outra forma.”
Isto é surpreendente. Primeiro, porque a França não costuma ser lembrada como vanguarda ambiental. É um dos países que mais dependem de energia nuclear- cerca de 80% da sua eletricidade. As florestas nacionais, embora bem cuidadas, lembram projetos de silvicultura, com árvores perfeitamente alinhadas. Sarkozy, por sua vez, é um sujeito conhecido pela hiperatividade, pela agressividade e por Carla Bruni, a esposa top model – não pelo idealismo.
Mas, tão logo assumiu o governo, anunciou que o combate à mudança climática seria uma prioridade. Na sequência, uniu-se à chanceler alemã Angela Merkel e ao então primeiro-ministro britânico Tony Blair em blitz para tentar chamar à razão o na época presidente americano George W. Bush, às vésperas das negociações climáticas de Bali. “Pretendo ir o mais longe possível com os impostos sobre o carbono. Quanto maior a taxação da poluição, menor o peso dos impostos sobre o trabalho”, declarou Sarkozy ao Congresso, em meados de junho.
Agora, aposta todas as fichas no Grenelle de l’Environnement, um plano de ação para os próximos 10 a 15 anos. Pelos cálculos de Jean- Louis Borloo, ministro do Meio Ambiente, criará investimentos na faixa de 400 bilhões de euros e mais de 550 mil empregos no país até 2020. A metade das mais de 200 recomendações consolidadas no Grenelle – e submetidas a uma série de consultas públicas – está ligada à mudança climática. A expectativa de Borloo é que a França dobre a geração de energias renováveis e reduza as emissões anuais em 50 milhões de toneladas de carbono.
No que diz respeito aos transportes, o Grenelle propõe construir mais de 2 mil quilômetros de linhas férreas de alta velocidade e ampliar a oferta de transporte público urbano. O governo também decidiu repassar 400 milhões de euros às indústrias automobilísticas francesas para pesquisa e desenvolvimento em sustentabilidade Uma proposta já colocada em prática foi a elevação dos impostos sobre carros excessivamente poluentes. “O mercado automotivo francês está mudando de cara. Em média, as emissões dos veículos novos comercializados no país caíram em 9 gramas de dióxido de carbono por quilômetro em um único ano”, diz Borloo em artigo na revista Our Planet, do Pnuma.
A meta para edifícios, responsáveis por mais de um quarto das emissões da França, é a adoção de um padrão de consumo máximo de 50 kWh por metro quadrado ao ano para imóveis novos até 2012. Até 2020, o objetivo é mais ambicioso: ter imóveis que não só gerem a própria eletricidade, mas possam fornecer energia para terceiros.
Por fim, esse plano tão exaustivo prevê triplicar a produção agrícola orgânica até 2010, reduzir o uso de agrotóxicos à metade e criar corredores de biodiversidade. E ainda reduzir em 15% o volume de lixo enviado à incineração, até 2012.
A esquerda e os grupos ambientalistas inicialmente aplaudiram e participaram ativamente do Grenelle, animados com seu perfil inovador. Mas agora muitos reclamam que parte das propostas mais arrojadas tem sido engavetada ou adiada. Entre elas, o estabelecimento de taxa sobre as emissões de carbono e a ideia de interromper a construção de novas estradas.
No início de julho, o Senado francês aprovou o esboço do projeto de lei que consolida a linha mestra do Grenelle. Vários senadores dos partidos de esquerda e do Partido Verde preferiram abster-se do que classificaram de “palhaçada”. O texto aprovado ainda terá de passar por uma comissão que lhe dará a redação final, antes de voltar à votação.
Os críticos também questionam as intenções do governo, lembrando que Sarkozy retomou a construção de usinas nucleares. Entre esses opositores está Daniel Cohn-Bendit, líder da revolta estudantil de Maio de 1968 e hoje militante verde. Para ele, “com o passar do tempo, a maior parte das medidas anunciadas no Grenelle foi esvaziada”. Como diria minha avó, qui vivra verra (quem viver verá).
*jornalista especializada em meio ambiente