Quando o walk the talk – fazer aquilo que se prega – se perde no meio do trajeto
S ão Paulo estava parada. Os poucos pingos que caíam eram resquícios de mais um temporal. Deixei o Transamérica Expo Center, na Zona Sul da capital, e andei 15 minutos perdido, desviando de poças, carros e calçadas estreitas.
Os automóveis corriam sobre as áreas alagadas e respingavam água em cima dos pedestres. A bainha da calça estava molhada, o casaco, úmido. Alcancei a Marginal Pinheiros. Algumas perguntas pegaram lugar no guarda-chuva deste jornalista, recém-chegado à maior metrópole da América Latina.
Onde tomar o trem? Ou o ônibus? Ou o quê? Deparei-me com uma parte completamente cheia. Passar ali significava afundar calcanhar, quiçá joelhos. Não houve alternativa, senão retornar ao ponto de ônibus mais próximo, escuro, coberto de árvores. A luz dos faróis dos veículos refletia nos olhos, mal permitindo enxergar o nome das linhas que passavam. A qual fazer sinal?
Vi a silhueta de um homem baixo e de poucos fios de cabelo. Ele ajudava uma jovem. Na cadeira de rodas, a mulher. O crachá dela indicava que vinham do Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoas (Conarh), no mesmo local em que eu estava. Tatiana Rolim e seu marido aguardavam a melhor condução que os levaria ao trem rumo a Osasco, onde moram.
O casal não encontrou qualquer opção de transporte oferecida ou indicada pelo Conarh, embora as áreas de recursos humanos das organizações sejam algumas das principais responsáveis pelas políticas de bem-estar direcionadas aos colaboradores. Faria sentido haver algo que ajudasse nosso translado. De acordo com a assessoria de imprensa do congresso, apenas os participantes do evento hospedados em dois hotéis da região tiveram serviço de transporte incluído no pacote.
O Conarh é o maior congresso de gestão de pessoas da América Latina e o terceiro maior do mundo. Na edição de 2009, foram 12 mil visitantes e congressistas. Com todo esse porte, gera impacto no trânsito local e poderia encorajar de maneira mais efetiva o uso de transporte coletivo (oferecido grátis pela organização, ou pago pelos passageiros) entre determinados pontos da cidade e o próprio lugar do evento. A prática da carona é outra forma de desafogar congestionamentos nas vias e prestar um pouco mais de conforto aos participantes.
Língua de sinais
Outro evento, a Conferência Internacional, do Instituto Ethos, chama atenção por sua proposta de inclusão, com intérpretes da língua de sinais brasileira. Também presta ajuda adicional a participantes que tenham deficiência visual ou de mobilidade. No entanto, realizada em 2009 no Hotel Transamérica, acabou pecando quando o assunto foi facilidade de transporte. Seja para portadores de deficiência, seja para os não portadores.
Paralelamente à conferência, ocorreu a Mostra de Tecnologias Sustentáveis. Um dos projetos em exposição entre as dezenas de estandes foi o MelhorAr, de Mobilidade Sustentável. A iniciativa, desenvolvida pela empresa Believe Sustainable Mobility, consiste em um programa que mapeia o deslocamento de funcionários das empresas, baixando custo com mobilidade e combustível. Não houve qualquer parceria para beneficiar os participantes.
Há medidas que, se tomadas, demonstram que pode haver uma luz no fim do túnel. Espera-se, todavia, que não seja uma luz artificial. Certa vez, a pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV/Eaesp), Roberta Simonetti, esteve na Câmara de Vereadores de São Paulo para discutir o Plano Municipal de Mudanças Climáticas. O local era uma sala com pé-direito gigantesco e janelas cobertas por cortinas black-out. Ela destaca os lustres de cristal, com “milhares de lâmpadas acesas”, enquanto o sol raiava lá fora.
Quando se deu conta do descompasso entre a infraestrutura da sala e alguns dos argumentos abordados no debate, a pesquisadora, física de formação, fez certos cálculos com seus botões. Estimou o número de lâmpadas e a potência de energia elétrica despendida, levando em consideração o tempo em que ela e as outras pessoas estariam reunidas. Roberta concluiu que o gasto seria maior do que o de duas semanas em sua própria residência.
Ao comentar sobre a constatação com outro participante, foi encorajada a abordar o tópico publicamente. Depois dos merecidos aplausos, boa parte da audiência se levantou para abrir as cortinas.
Os exemplos de questões como estas são mais comuns do que a gente imagina, até mesmo em eventos que tratam de sustentabilidade. Os organizadores de feiras, debates, exposições e congressos de São Paulo poderiam pensar com mais afinco sobre elas. Não apenas para reduzir problemas que afetam o planeta, mas para manter a coerência com relação às ideias que debatem e ajudam a disseminar.
Tatiana e seu marido chegaram bem, algumas horas depois de terem tomado o ônibus e o trem.[:en]Quando o walk the talk – fazer aquilo que se prega – se perde no meio do trajeto
S ão Paulo estava parada. Os poucos pingos que caíam eram resquícios de mais um temporal. Deixei o Transamérica Expo Center, na Zona Sul da capital, e andei 15 minutos perdido, desviando de poças, carros e calçadas estreitas.
Os automóveis corriam sobre as áreas alagadas e respingavam água em cima dos pedestres. A bainha da calça estava molhada, o casaco, úmido. Alcancei a Marginal Pinheiros. Algumas perguntas pegaram lugar no guarda-chuva deste jornalista, recém-chegado à maior metrópole da América Latina.
Onde tomar o trem? Ou o ônibus? Ou o quê? Deparei-me com uma parte completamente cheia. Passar ali significava afundar calcanhar, quiçá joelhos. Não houve alternativa, senão retornar ao ponto de ônibus mais próximo, escuro, coberto de árvores. A luz dos faróis dos veículos refletia nos olhos, mal permitindo enxergar o nome das linhas que passavam. A qual fazer sinal?
Vi a silhueta de um homem baixo e de poucos fios de cabelo. Ele ajudava uma jovem. Na cadeira de rodas, a mulher. O crachá dela indicava que vinham do Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoas (Conarh), no mesmo local em que eu estava. Tatiana Rolim e seu marido aguardavam a melhor condução que os levaria ao trem rumo a Osasco, onde moram.
O casal não encontrou qualquer opção de transporte oferecida ou indicada pelo Conarh, embora as áreas de recursos humanos das organizações sejam algumas das principais responsáveis pelas políticas de bem-estar direcionadas aos colaboradores. Faria sentido haver algo que ajudasse nosso translado. De acordo com a assessoria de imprensa do congresso, apenas os participantes do evento hospedados em dois hotéis da região tiveram serviço de transporte incluído no pacote.
O Conarh é o maior congresso de gestão de pessoas da América Latina e o terceiro maior do mundo. Na edição de 2009, foram 12 mil visitantes e congressistas. Com todo esse porte, gera impacto no trânsito local e poderia encorajar de maneira mais efetiva o uso de transporte coletivo (oferecido grátis pela organização, ou pago pelos passageiros) entre determinados pontos da cidade e o próprio lugar do evento. A prática da carona é outra forma de desafogar congestionamentos nas vias e prestar um pouco mais de conforto aos participantes.
Língua de sinais
Outro evento, a Conferência Internacional, do Instituto Ethos, chama atenção por sua proposta de inclusão, com intérpretes da língua de sinais brasileira. Também presta ajuda adicional a participantes que tenham deficiência visual ou de mobilidade. No entanto, realizada em 2009 no Hotel Transamérica, acabou pecando quando o assunto foi facilidade de transporte. Seja para portadores de deficiência, seja para os não portadores.
Paralelamente à conferência, ocorreu a Mostra de Tecnologias Sustentáveis. Um dos projetos em exposição entre as dezenas de estandes foi o MelhorAr, de Mobilidade Sustentável. A iniciativa, desenvolvida pela empresa Believe Sustainable Mobility, consiste em um programa que mapeia o deslocamento de funcionários das empresas, baixando custo com mobilidade e combustível. Não houve qualquer parceria para beneficiar os participantes.
Há medidas que, se tomadas, demonstram que pode haver uma luz no fim do túnel. Espera-se, todavia, que não seja uma luz artificial. Certa vez, a pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV/Eaesp), Roberta Simonetti, esteve na Câmara de Vereadores de São Paulo para discutir o Plano Municipal de Mudanças Climáticas. O local era uma sala com pé-direito gigantesco e janelas cobertas por cortinas black-out. Ela destaca os lustres de cristal, com “milhares de lâmpadas acesas”, enquanto o sol raiava lá fora.
Quando se deu conta do descompasso entre a infraestrutura da sala e alguns dos argumentos abordados no debate, a pesquisadora, física de formação, fez certos cálculos com seus botões. Estimou o número de lâmpadas e a potência de energia elétrica despendida, levando em consideração o tempo em que ela e as outras pessoas estariam reunidas. Roberta concluiu que o gasto seria maior do que o de duas semanas em sua própria residência.
Ao comentar sobre a constatação com outro participante, foi encorajada a abordar o tópico publicamente. Depois dos merecidos aplausos, boa parte da audiência se levantou para abrir as cortinas.
Os exemplos de questões como estas são mais comuns do que a gente imagina, até mesmo em eventos que tratam de sustentabilidade. Os organizadores de feiras, debates, exposições e congressos de São Paulo poderiam pensar com mais afinco sobre elas. Não apenas para reduzir problemas que afetam o planeta, mas para manter a coerência com relação às ideias que debatem e ajudam a disseminar.
Tatiana e seu marido chegaram bem, algumas horas depois de terem tomado o ônibus e o trem.