A intersecção entre ambientalismo e religião sempre me foi intrigante, tanto que nos idos de 2007 fiz uma tentativa de reportagem sobre o assunto – o resultado foi publicado na edição 15 de Página 22. O tema é complexo e cheio de história, nuances, controvérsia. E controvérsia foi o que gerou a decisão de uma corte britânica há 10 dias sobre a demissão de Tim Nicholson, ex-diretor de sustentabilidade da Grainger, uma das maiores empresas do setor imobiliário da Inglaterra. Ele diz ter sido demitido injustamente devido a sua “crença filosófica” na mudança climática.
Trata-se da segunda decisão favorável a Nicholson. Em março, ele invocou a lei trabalhista de 2003 contra a discriminação religiosa para defender sua convicção de que a humanidade caminha para a mudança climática catastrófica e que todos têm o dever de fazer o possível para mitigá-la. O juiz considerou tal convicção uma “crença filosófica”.
A Grainger usou a ciência para apelar da decisão. Segundo seu advogado, a filosofia lida com temas que não podem ser provados cientificamente, mas a convicção de Nicholson – de que sem o corte de emissões de carbono o mundo caminhará para a catástrofe – não tem nada de filosófico. É, na visão da Grainger, baseada em informações científicas. Em 3 de novembro, a Justiça rejeitou o apelo da empresa e permitiu que o mérito do caso seja levado a tribunal com base no interpretação de que a convicção de Nicholson pode ser considerada crença sob a lei de 2003.
Detalhes legais à parte, a batalha vem sendo travada na mídia e na blogosfera. Para alguns, as decisões judiciais até o momento colocam ambientalismo e religião no mesmo saco, o que só dá munição para os “céticos” em sua artilharia contra a noção de que as atividades humanas contribuem para as mudanças climáticas. Para cientistas em geral, nada mais aberrante do que ciência vista como religião. Para os ambientalistas, por mais que busquem ativar nosso senso moral ao demandar ações para reduzir as emissões de carbono, uma vitória de Nicholson nos tribunais só complicaria a posição do movimento, ancorada no consenso científico.
“Espero que na prática [o julgamento] venha a encorajar as pessoas que compartilham da minha crença a expressar suas opiniões sobre a mudança climática em seus locais de trabalho e buscar medidas práticas para cortar emissões”, escreveu Nicholson no The Guardian após o último veredicto. Ele conta como ignorava a situação ambiental precária do mundo há alguns anos e como uma viagem de Oxford na Inglaterra a Oxford na Nova Zelândia o fez mudar. Abriu mão de viagens de avião, prefere a bicicleta ao carro, come pouca carne e compra produtos locais.
As ações pessoais de Nicholson não vão muito além do que os ambientalistas prescrevem para um estilo de vida de baixo carbono. Resta saber se suas ações profissionalmente iam além do que se espera de um diretor de sustentabilidade. Seria ingenuidade da Grainger achar que tal profissional tentaria fazer seu trabalho, ou seja, melhorar a operação da empresa do ponto de vista social e ambiental além do econômico-financeiro?
Com base na defesa da empresa, deduz-se que a Grainger aceita o consenso científico sobre a mudança climática. Possui políticas ambientais e de responsabilidade social – que o próprio Nicholson, segundo relatos da mídia, considera boas. O ponto, segundo ele, é que elas não correspondem à gestão da companhia. Como exemplo, ele citou que outros executivos lhe teriam negado acesso a dados para avaliar a pegada e implementar a estratégia de gestão de carbono que consta dos relatórios da Grainger. A empresa diz que a demissão de Nicholson não decorreu de suas tentativas de transformar a gestão, mas sim de “redundância” em um momento de crise econômica global.
Em um tribunal dedicado ao greenwashing, a Grainger talvez corresse o risco de acabar culpada por não fazer o que prega e esperar complacência por parte de seu diretor. Qual a sua opinião?