Em meio a um cenário de crise financeira e climática, um dos maiores estudiosos da sustentabilidade, o economista Ignacy Sachs, acredita que é a hora do Estado assumir a dianteira de um contexto econômico desenvolvimentista, mas em que prevaleça o planejamento e o respeito por limitações ambientais.
Em palestra na Universidade de São Paulo, Sachs reforçou a ideia do ecodesenvolvimento e disse acreditar que o mundo globalizado enfrenta dois desafios simultâneos: o das mudanças climáticas e um outro em que prevalece o déficit de oportunidades de trabalho decentes.
“A crise é uma oportunidade para mudar de rumo. Mas vivemos várias crises conjugadas, uma delas começou em Wall Street e se transformou em uma outra socioeconômica de âmbito mundial. Foi quando todos nós nos tornamos keynesianos [adpetos da escola econômica que defende um Estado intervencionista na economia]. Mas que tipo de modelo de intervencionismo precisamos? É a crise do modelo da globalização como conhecemos”, disse.
E justamente para seguir nesse novo rumo é que ele sugere um crescimento planejado, que devem considerar três linhas distintas de atuação. A primeira delas é a expansão da rede de serviços sociais , como educação, saúde, saneamento e serviços ambientais. Depois, é preciso ampliar o perímetro da economia social – ou solidária – ante a economia de mercado, por meio da presença de cooperativas, associações, ou quaisquer instituições que não se baseiam na apropriação individual do lucro. Por fim, deve-se prezar pela transição para uma economia de baixas emissões de gases poluentes, o que leva ao problema da mudança das matrizes energéticas dos países.
A situação tupiniquim: um vasto laboratório
” O Brasil está inventando um novo modelo de economia mista, com alguns pontos fortes e outros débeis – mas muito interessante. O país é um vasto laboratório”, disse. Ignacy ressaltou que, na questão da matriz energética, o País já está um passo a frente dos outros, dado que a maior parte de nossa eletricidade é oriunda de usinas hidrelétricas.
Mas ele sugere que falta conjugar bem métodos antigos de produção – principalmente na agropecuária – com as novas formas de obtenção energética atuais, como a biomassa. A aplicação dessa idéia é o investimento em sistemas integrados de produção, como por exemplo, a utilização de um mesmo território para o cultivo de alimento e também de cana-de-açúcar para produção de etanol em períodos diferentes e planejados, o que evita o problema do conflito entre produçãode alimento e de energia. (Leia o artigo escrito para a Página 22 em que ele expande o conceito de revolução duplamente verde)
Como pontos que precisam de maior atenção, Sachs sugere a criação de modelos de zoneamento econômico-ecológicos no Brasil, ou locais onde se planeja um desenvolvimento sem desrespeito ao meio ambiente. Um outro ponto carente de expansão é o relativo a formas de certificação de produtos. “Essa é uma boa maneira de identificar os impactos e condicionar a circulação posterior de produtos”. (Leia a edição em que a Página 22 abordou o tema da certificação)
O papel das universidades
Sachs ressalta que o papel das universidades é fundamental para o exercício de um modelo desenvolvimentista diferente. Segundo o estudioso, o espaço universitário é o lugar ideal para o estabelecimento de correlações e para a articulação entre os temas. Além disso, a universidade deve se manter como uma produtora alternativa de informações para o desenvolvimento.
Uma ideia pouco comum no Brasil, mas antiga no continente europeu, conta ele, é a de incentivar estudantes universitários a fazer programas voluntários no interior do País, em projetos das mais diversas espécies – os chamados “voluntários do progresso”. O intercâmbio de informações e vivências tende a ser rico tanto para quem chega para conhecer uma nova realidade quanto para aqueles que recebem o visitante.
Sachs, que foi estudante universitário no Brasil da década de 50 após vir da Polônia como refugiado da II Guerra, é professor emérito da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), na França, e fundador do Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo da mesma instituição.
E o futuro próximo?
Quanto às expectativas para a Conferência Global do Clima, que acontece em Copenhague no próximo mês, Sachs mantém um forte grau de ceticismo: “O que veremos por lá será uma série de declarações ambíguas e, em alguns meses, deve acontecer uma outra reunião em outro lugar do mundo.”
Tamanha descrença não vem de alguém que apenas replica o pessimismo generalizado que ronda Copenhague: Sachs participou como conselheiro das Nações Unidas na Conferência de 1972, que marcou o início da discussão sobre a temática ambiental no mundo, e também cumpriu a mesma função durante a Rio 92, que antecedeu todas as COPs.
Leia artigos de Sachs escritos para a Página22:
O laboratório das biocivilizações do futuro