Experiências ricas e pontuais preparam as crianças para lidar com a realidade de um mundo mais complexo. Mas é preciso cuidado para não alargar o fosso entre essa educação privilegiada e o ensino de baixa qualidade no Brasil
(Assista ao vídeo sobre o Programa Sementes da Primavera ao lado)
É uma manhã de aula como muitas outras e a estudante Ana Luiza, de 16 anos, do 8º ano do Ensino Fundamental, entra no site da BM&FBovespa para acompanhar o mercado. Analisa o gráfico com as oscilações do período, anota os resultados na tabela do Excel e faz novas aplicações. A condição para a escolha das empresas é: sustentabilidade e alto grau de comprometimento com os princípios da responsabilidade social. A premissa foi estabelecida pelo professor de Matemática da Escola Carandá, em São Paulo, que passou para a classe um exercício simulando aplicações na Bolsa de Valores. Além de deixar a aula mais interessante, a atividade convida os alunos a refletir sobre os problemas de um mundo mais complexo.
Diferente daquela educação tradicional das gerações anteriores, que precisavam fazer cópia da cartilha e repetir a tabuada até decorar, hoje em dia formas criativas e lúdicas de aprendizagem, que aproximam a criança da realidade, são cada vez mais comuns.
Em troca do espaço conquistado, o aluno precisa mostrar suas habilidades. “O mundo de hoje pede que os jovens tenham senso crítico, capacidade de solucionar problemas do cotidiano, da comunidade e mais tarde, do planeta”, afirma a educadora Marta Campos, coordenadora de Comunicação da Escola Viva há cerca de 30 anos. “Ter a informação não é mais suficiente. É preciso saber como aplicá-la.”
E também como desenvolvê-la. “A neurociência mostra que estímulos de qualidade durante os seis primeiros anos de vida são muito importantes para formar a sinapse da criança. Ela precisa brincar para receber estímulos positivos, pois aprende pelos sentidos”, afirma a educadora Adriana Friedman, da Aliança pela Infância, movimento mundial que surgiu no fim da década de 90, na Inglaterra, para discutir problemas de diversas ordens que atingem a infância, tais como a exposição excessiva à mídia, estímulo ao consumo, alimentação artificial. Segundo Adriana, com a Revolução Industrial, a vida moderna, a entrada das mulheres no mercado de trabalho e o aumento da violência nas cidades, as crianças perderam a rua como espaço para brincar. Essa função foi transferida para as escolas.
Trocar o modelo
Envolver o aluno na separação do lixo, reciclar material, economizar água, usar copos não descartáveis são práticas encontradas na maioria das escolas. Mesmo as mais tradicionais, que prezam a disciplina e o ensino sistematizado com foco no vestibular, seguiram essa tendência. Mas trocar lâmpadas e separar o lixo não basta. E educação para a sustentabilidade requer uma mudança de modelo mental. “O mundo hoje é outro. As famílias são menores e convivem menos com as crianças. A escola ganha o papel de ensinar coisas que antes não eram necessárias”, diz Silvana Leporace, coordenadora do departamento de orientação educacional do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. Respeitar as diferenças entre as pessoas, trabalhar em equipe e até saber lidar com a glamorização do consumo virou um desafio para professores de escolas que ainda seguem à risca um modelo pedagógico convencional, consolidado há anos.
Pés no chão
Chão de terra batida que vira barro em dia de chuva, horta, plantas, casinha de adobe e bichos, a Escola Viva, com 1.400 alunos, é um exemplo de como a educação pode se relacionar diretamente com a realidade. Tudo começou há mais de 30 anos, com um pequeno ateliê de artes feito por professores influenciados pelas ideias do educador francês Célestin Freinet, que estimulava atividades fora da sala de aula, cooperação entre alunos e bichos na educação. Em 1991, o quintal da escola, que já era considerado um lugar de aprendizagem, transformou-se em um projeto de educação ambiental. A proposta veio com a bióloga e educadora Sônia Muringher, que mostrava grande preocupação com a educação ambiental nas escolas. “Naquela época falava-se em preservação do planeta, em conservação das florestas e dos rios, mas ninguém falava em ecologia urbana. Não havia a preocupação de pensar as escolas como espaço desse aprendizado”, lembra.
Por isso, no pátio dos pequenos tem pato, marreco, jabuti e galinha. As crianças são estimuladas a pensar sobre o seu espaço e o dos animais. “O que o jabuti precisa para viver feliz?”, pergunta a professora. “Precisa de plantas”, responde um aluno. “Então vamos descobrir de quais tipos de plantas ele mais gosta.” Assim, pensando na relação com outros habitantes da escola, as crianças ajudam a criar um espaço de convivência harmoniosa com os seres que moram ali.
No Ensino Fundamental, a abordagem muda. A partir dos 7 anos, os alunos deixam o pátio de terra e os bichos, mas ganham um prédio feito de materiais que não agridem o meio ambiente, pensado para captar água da chuva, janelas com boa iluminação e ventilação que ajudam a economizar energia. Os temas ficam mais abrangentes e as informações aumentam à medida que o aluno cresce. As aulas ganham um eixo temático ligado a questões ecológicas e culturais, que é trabalhado de forma transversal em todas as disciplinas. No 8º ano, por exemplo, seja na aula de Geografia, de História, seja de Português, o tema de discussão é: como o desenvolvimento pode ser compatível com preservação ambiental? Mesas-redondas são criadas para discutir energias renováveis ao lado de representantes de ONGs, professores e pais. “Quando aprendemos dessa maneira, não esquecemos mais. É como andar de bicicleta,”afirma Nícolas Vana Santos, de 11 anos, aluno da Escola Viva.
Mundos distantes
Casos como os das escolas Viva e Carandá são exemplares. Mas ao lado de outras experiências pontuais estão anos-luz à frente das questões mais básicas que comprometem a qualidade da educação infantil e fundamental no Brasil.
“De um lado, temos uma elite que recebe uma educação priviprivilegiada. Do outro, grupos que ficam completamente excluídos. Esse desequilíbrio acaba contribuindo ainda mais com as desigualdades sociais”, afirma Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, do movimento Todos pela Educação. “O tema da sustentabilidade já deveria ter sido incorporado aos conteúdos e às práticas escolares. Mas ainda não fizemos nem a lição de casa mais básica”, continua.
De acordo com o artigo 29 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), “a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. No entanto, segundo dados do movimento Todos pela Educação, que definiu metas específicas para o ensino, que devem ser alcançadas até 2022, o déficit de matrícula na educação infantil ainda é muito grande.
O Plano Nacional de Educação estabelece que 50% das crianças entre zero e 3 anos estejam matriculadas em creches. Mas hoje o número é de apenas 17%, representando um déficit de 33 pontos percentuais. Isso significa que aproximadamente 10 milhões de crianças estão fora das creches.
Na pré-escola também há déficit de matrículas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada no início de novembro de 2009 determina que toda criança a partir de 4 anos, faixa etária da pré-escola, esteja matriculada na rede de ensino. Mas, hoje, 20% delas ainda não vão à escola. No fundamental, os números parecem melhorar. Aproximadamente 98% das crianças estão matriculadas em alguma instituição educacional. No entanto, a qualidade do ensino é comprometida por um conjunto de fatores, como professores mal pagos e com muitos alunos por sala de aula, violência nas escolas e falta de estrutura física.
“Outro problema grave é que muitos alunos que deveriam estar no ensino médio ainda estão matriculados nas séries do fundamental. Isso significa que não estão aprendendo o conteúdo que deveriam”, afirma a pedagoga Amabili Mansutti, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), organização comprometida com a qualidade do ensino público no Brasil.
A coordenadora-geral do Departamento de Educação Ambiental, Rachel Trajber, ligada à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, do Ministério da Educação, concorda que a situação nas escolas ainda é precária. “Ao mesmo tempo não podemos esperar a situação ideal para começar as mudanças necessárias. Educação ambiental pressupõe uma mudança de valor. Esse é o maior desafio da secretaria”, afirma Rachel.
Com base no Plano Nacional de Mudança do Clima, elaborado no fim de 2007 pelo Comitê Interministerial sobre Mudanças do Clima, o governo vai atuar nos sistemas formais de ensino em três eixos: edificações, gestão e currículo. Além de prédios mais eficientes em termos de energia, água, e materiais reciclados, há a preocupação em envolver a gestão. “Queremos fazer os alunos refletirem sobre os processos de produção de cada material. Não é apenas dizer que a escola vai fazer coleta seletiva de lixo”, continua.
Criança cidadã
Educação ambiental para a sustentabilidade já é uma política pública, ao menos no papel. A Lei Federal nº 9.795, de 1999, que institui a política de educação ambiental e questões sobre mudanças climáticas, colocou o tema dentro das salas de aula. Mas, para que funcione de fato, precisa ser priorizada pelos governos.
Osasco é o quinto município mais populoso do estado. Cerca de 715 mil pessoas vivem numa área de 65 quilômetros quadrados. Tem pouco verde, ar e rio poluídos. “Aqui, a educação ambiental se tornou uma questão de sobrevivência”, diz Maria José Favarrão, secretária municipal de Educação. Para solucionar problemas no futuro, desde 2006, a secretaria aposta no Escola Cidadã, programa criado pelo Instituto Paulo Freire que envolve nos processos de decisão os públicos que se relacionam com a escola.
O pilar que cuida do Ensino Infantil e do Fundamental é chamado Sementes da Primavera. Nele, crianças e adolescentes de 56 escolas do Ensino Fundamental decidem o que é melhor para o grupo e para o ambiente onde vivem. O programa segue a visão de Paulo Freire: conhecimento e realidade devem sempre dialogar.
O Sementes da Primavera define a escola como um ecossistema. Para gerir esse espaço comum de convivência, os alunos identificam o que gostariam que fosse diferente e fazem sugestões. As propostas são levadas por um casal de representantes da classe escolhido pelos próprios alunos. As ideias são discutidas semanalmente com educadores do Instituto Paulo Freire, pais e representantes de outras ONGs, que também introduzem conceitos da Carta da Terra, princípios de cooperação etc. No caso do Ensino Infantil, quem participa são os professores. Nessas reuniões são discutidas as soluções para os problemas apontados. Os jovens desenvolvem juntos um projeto ecopolítico pedagógico para a escola, o bairro e o município.
Pais desempregados, falta de brinquedos na escola e dificuldade em levar o lixo reciclado para o lugar apropriado eram pontos que incomodavam os alunos de uma das escolas que fazem parte do programa. A partir dessa constatação, surgiu a ideia de criar uma cooperativa de pais desempregados para fazer brinquedos de material reciclado para as escolas.
“Quando expressamos uma opinião, ajudamos o adulto a entender melhor o nosso mundo”, diz Vitória Hilário, de 10 anos, da 4ª série da escola pública Max Zendron, de Osasco.
“A intenção é falar de sustentabilidade a partir de exemplos que fazem parte do cotidiano da criança. Depois de aprender a cuidar do que está a sua volta, poderá cuidar de questões maiores. Caso contrário, estaríamos falando de coisas distantes de seu universo,” explica Julia Tomchinsky, educadora e geóloga do Instituto Paulo Freire, coordenadora do Sementes da Primavera. “Quando a criança descobre que o seu conhecimento é capaz de transformar a realidade, os resultados são mais efetivos.”
Paulo Freire já dizia: “Não adianta ler as palavras se não souber ler o mundo”.
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Lições do Cerrado
Programa transforma pátio de escola s públicas em laboratórios vivos
Quando a pedagoga australiana Lucy Legan chegou ao Brasil, impressionouse com a atitude das crianças em relação aos bichinhos. “Via meninos esmagando sapinhos e outros bichos que pareciam feio para eles. Isso mostra falta de ligação e amor pela natureza”, afirma. Fundadora do Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (Ipec), em Pirenópolis (GO), centro de referência em educação prática para a sustentabilidade, Lucy criou
O programa Habitat para as escolas públicas. Usando materiais como pneu velho e caixas-d’água, a equipe do Ipec transforma os pátios dos colégios em jardins de borboletas, hortas, laguinhos com tartarugas, sapos, peixinhos, casas de adobe, muros de bambu, painéis solares e captação de água. Tudo para que as crianças entendam a relação dos animais com o ambiente onde vivem e como essa convivência pode ser harmônica. Transformar o pátio do colégio em laboratório vivo ajuda os estudantes a entender a temática básica do currículo em suas lições de Ciências, Matemática, Português ou Estudos Sociais. O Ipec já criou Habitats em escolas de todo o Brasil. As técnicas para criar esses pequenos ecossistemas serão publicadas no livro Criando Habitats, a ser lançado em janeiro de 2010 pela Imprensa Oficial de São Paulo. “Sem espaços verdes, as escolas não vão preparar as crianças para ser bem-sucedidas no futuro”, acredita Lucy.[:en]Experiências ricas e pontuais preparam as crianças para lidar com a realidade de um mundo mais complexo. Mas é preciso cuidado para não alargar o fosso entre essa educação privilegiada e o ensino de baixa qualidade no Brasil
(Assista ao vídeo sobre o Programa Sementes da Primavera ao lado)
É uma manhã de aula como muitas outras e a estudante Ana Luiza, de 16 anos, do 8º ano do Ensino Fundamental, entra no site da BM&FBovespa para acompanhar o mercado. Analisa o gráfico com as oscilações do período, anota os resultados na tabela do Excel e faz novas aplicações. A condição para a escolha das empresas é: sustentabilidade e alto grau de comprometimento com os princípios da responsabilidade social. A premissa foi estabelecida pelo professor de Matemática da Escola Carandá, em São Paulo, que passou para a classe um exercício simulando aplicações na Bolsa de Valores. Além de deixar a aula mais interessante, a atividade convida os alunos a refletir sobre os problemas de um mundo mais complexo.
Diferente daquela educação tradicional das gerações anteriores, que precisavam fazer cópia da cartilha e repetir a tabuada até decorar, hoje em dia formas criativas e lúdicas de aprendizagem, que aproximam a criança da realidade, são cada vez mais comuns.
Em troca do espaço conquistado, o aluno precisa mostrar suas habilidades. “O mundo de hoje pede que os jovens tenham senso crítico, capacidade de solucionar problemas do cotidiano, da comunidade e mais tarde, do planeta”, afirma a educadora Marta Campos, coordenadora de Comunicação da Escola Viva há cerca de 30 anos. “Ter a informação não é mais suficiente. É preciso saber como aplicá-la.”
E também como desenvolvê-la. “A neurociência mostra que estímulos de qualidade durante os seis primeiros anos de vida são muito importantes para formar a sinapse da criança. Ela precisa brincar para receber estímulos positivos, pois aprende pelos sentidos”, afirma a educadora Adriana Friedman, da Aliança pela Infância, movimento mundial que surgiu no fim da década de 90, na Inglaterra, para discutir problemas de diversas ordens que atingem a infância, tais como a exposição excessiva à mídia, estímulo ao consumo, alimentação artificial. Segundo Adriana, com a Revolução Industrial, a vida moderna, a entrada das mulheres no mercado de trabalho e o aumento da violência nas cidades, as crianças perderam a rua como espaço para brincar. Essa função foi transferida para as escolas.
Trocar o modelo
Envolver o aluno na separação do lixo, reciclar material, economizar água, usar copos não descartáveis são práticas encontradas na maioria das escolas. Mesmo as mais tradicionais, que prezam a disciplina e o ensino sistematizado com foco no vestibular, seguiram essa tendência. Mas trocar lâmpadas e separar o lixo não basta. E educação para a sustentabilidade requer uma mudança de modelo mental. “O mundo hoje é outro. As famílias são menores e convivem menos com as crianças. A escola ganha o papel de ensinar coisas que antes não eram necessárias”, diz Silvana Leporace, coordenadora do departamento de orientação educacional do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. Respeitar as diferenças entre as pessoas, trabalhar em equipe e até saber lidar com a glamorização do consumo virou um desafio para professores de escolas que ainda seguem à risca um modelo pedagógico convencional, consolidado há anos.
Pés no chão
Chão de terra batida que vira barro em dia de chuva, horta, plantas, casinha de adobe e bichos, a Escola Viva, com 1.400 alunos, é um exemplo de como a educação pode se relacionar diretamente com a realidade. Tudo começou há mais de 30 anos, com um pequeno ateliê de artes feito por professores influenciados pelas ideias do educador francês Célestin Freinet, que estimulava atividades fora da sala de aula, cooperação entre alunos e bichos na educação. Em 1991, o quintal da escola, que já era considerado um lugar de aprendizagem, transformou-se em um projeto de educação ambiental. A proposta veio com a bióloga e educadora Sônia Muringher, que mostrava grande preocupação com a educação ambiental nas escolas. “Naquela época falava-se em preservação do planeta, em conservação das florestas e dos rios, mas ninguém falava em ecologia urbana. Não havia a preocupação de pensar as escolas como espaço desse aprendizado”, lembra.
Por isso, no pátio dos pequenos tem pato, marreco, jabuti e galinha. As crianças são estimuladas a pensar sobre o seu espaço e o dos animais. “O que o jabuti precisa para viver feliz?”, pergunta a professora. “Precisa de plantas”, responde um aluno. “Então vamos descobrir de quais tipos de plantas ele mais gosta.” Assim, pensando na relação com outros habitantes da escola, as crianças ajudam a criar um espaço de convivência harmoniosa com os seres que moram ali.
No Ensino Fundamental, a abordagem muda. A partir dos 7 anos, os alunos deixam o pátio de terra e os bichos, mas ganham um prédio feito de materiais que não agridem o meio ambiente, pensado para captar água da chuva, janelas com boa iluminação e ventilação que ajudam a economizar energia. Os temas ficam mais abrangentes e as informações aumentam à medida que o aluno cresce. As aulas ganham um eixo temático ligado a questões ecológicas e culturais, que é trabalhado de forma transversal em todas as disciplinas. No 8º ano, por exemplo, seja na aula de Geografia, de História, seja de Português, o tema de discussão é: como o desenvolvimento pode ser compatível com preservação ambiental? Mesas-redondas são criadas para discutir energias renováveis ao lado de representantes de ONGs, professores e pais. “Quando aprendemos dessa maneira, não esquecemos mais. É como andar de bicicleta,”afirma Nícolas Vana Santos, de 11 anos, aluno da Escola Viva.
Mundos distantes
Casos como os das escolas Viva e Carandá são exemplares. Mas ao lado de outras experiências pontuais estão anos-luz à frente das questões mais básicas que comprometem a qualidade da educação infantil e fundamental no Brasil.
“De um lado, temos uma elite que recebe uma educação priviprivilegiada. Do outro, grupos que ficam completamente excluídos. Esse desequilíbrio acaba contribuindo ainda mais com as desigualdades sociais”, afirma Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, do movimento Todos pela Educação. “O tema da sustentabilidade já deveria ter sido incorporado aos conteúdos e às práticas escolares. Mas ainda não fizemos nem a lição de casa mais básica”, continua.
De acordo com o artigo 29 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), “a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. No entanto, segundo dados do movimento Todos pela Educação, que definiu metas específicas para o ensino, que devem ser alcançadas até 2022, o déficit de matrícula na educação infantil ainda é muito grande.
O Plano Nacional de Educação estabelece que 50% das crianças entre zero e 3 anos estejam matriculadas em creches. Mas hoje o número é de apenas 17%, representando um déficit de 33 pontos percentuais. Isso significa que aproximadamente 10 milhões de crianças estão fora das creches.
Na pré-escola também há déficit de matrículas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada no início de novembro de 2009 determina que toda criança a partir de 4 anos, faixa etária da pré-escola, esteja matriculada na rede de ensino. Mas, hoje, 20% delas ainda não vão à escola. No fundamental, os números parecem melhorar. Aproximadamente 98% das crianças estão matriculadas em alguma instituição educacional. No entanto, a qualidade do ensino é comprometida por um conjunto de fatores, como professores mal pagos e com muitos alunos por sala de aula, violência nas escolas e falta de estrutura física.
“Outro problema grave é que muitos alunos que deveriam estar no ensino médio ainda estão matriculados nas séries do fundamental. Isso significa que não estão aprendendo o conteúdo que deveriam”, afirma a pedagoga Amabili Mansutti, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), organização comprometida com a qualidade do ensino público no Brasil.
A coordenadora-geral do Departamento de Educação Ambiental, Rachel Trajber, ligada à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, do Ministério da Educação, concorda que a situação nas escolas ainda é precária. “Ao mesmo tempo não podemos esperar a situação ideal para começar as mudanças necessárias. Educação ambiental pressupõe uma mudança de valor. Esse é o maior desafio da secretaria”, afirma Rachel.
Com base no Plano Nacional de Mudança do Clima, elaborado no fim de 2007 pelo Comitê Interministerial sobre Mudanças do Clima, o governo vai atuar nos sistemas formais de ensino em três eixos: edificações, gestão e currículo. Além de prédios mais eficientes em termos de energia, água, e materiais reciclados, há a preocupação em envolver a gestão. “Queremos fazer os alunos refletirem sobre os processos de produção de cada material. Não é apenas dizer que a escola vai fazer coleta seletiva de lixo”, continua.
Criança cidadã
Educação ambiental para a sustentabilidade já é uma política pública, ao menos no papel. A Lei Federal nº 9.795, de 1999, que institui a política de educação ambiental e questões sobre mudanças climáticas, colocou o tema dentro das salas de aula. Mas, para que funcione de fato, precisa ser priorizada pelos governos.
Osasco é o quinto município mais populoso do estado. Cerca de 715 mil pessoas vivem numa área de 65 quilômetros quadrados. Tem pouco verde, ar e rio poluídos. “Aqui, a educação ambiental se tornou uma questão de sobrevivência”, diz Maria José Favarrão, secretária municipal de Educação. Para solucionar problemas no futuro, desde 2006, a secretaria aposta no Escola Cidadã, programa criado pelo Instituto Paulo Freire que envolve nos processos de decisão os públicos que se relacionam com a escola.
O pilar que cuida do Ensino Infantil e do Fundamental é chamado Sementes da Primavera. Nele, crianças e adolescentes de 56 escolas do Ensino Fundamental decidem o que é melhor para o grupo e para o ambiente onde vivem. O programa segue a visão de Paulo Freire: conhecimento e realidade devem sempre dialogar.
O Sementes da Primavera define a escola como um ecossistema. Para gerir esse espaço comum de convivência, os alunos identificam o que gostariam que fosse diferente e fazem sugestões. As propostas são levadas por um casal de representantes da classe escolhido pelos próprios alunos. As ideias são discutidas semanalmente com educadores do Instituto Paulo Freire, pais e representantes de outras ONGs, que também introduzem conceitos da Carta da Terra, princípios de cooperação etc. No caso do Ensino Infantil, quem participa são os professores. Nessas reuniões são discutidas as soluções para os problemas apontados. Os jovens desenvolvem juntos um projeto ecopolítico pedagógico para a escola, o bairro e o município.
Pais desempregados, falta de brinquedos na escola e dificuldade em levar o lixo reciclado para o lugar apropriado eram pontos que incomodavam os alunos de uma das escolas que fazem parte do programa. A partir dessa constatação, surgiu a ideia de criar uma cooperativa de pais desempregados para fazer brinquedos de material reciclado para as escolas.
“Quando expressamos uma opinião, ajudamos o adulto a entender melhor o nosso mundo”, diz Vitória Hilário, de 10 anos, da 4ª série da escola pública Max Zendron, de Osasco.
“A intenção é falar de sustentabilidade a partir de exemplos que fazem parte do cotidiano da criança. Depois de aprender a cuidar do que está a sua volta, poderá cuidar de questões maiores. Caso contrário, estaríamos falando de coisas distantes de seu universo,” explica Julia Tomchinsky, educadora e geóloga do Instituto Paulo Freire, coordenadora do Sementes da Primavera. “Quando a criança descobre que o seu conhecimento é capaz de transformar a realidade, os resultados são mais efetivos.”
Paulo Freire já dizia: “Não adianta ler as palavras se não souber ler o mundo”.
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Lições do Cerrado
Programa transforma pátio de escola s públicas em laboratórios vivos
Quando a pedagoga australiana Lucy Legan chegou ao Brasil, impressionouse com a atitude das crianças em relação aos bichinhos. “Via meninos esmagando sapinhos e outros bichos que pareciam feio para eles. Isso mostra falta de ligação e amor pela natureza”, afirma. Fundadora do Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (Ipec), em Pirenópolis (GO), centro de referência em educação prática para a sustentabilidade, Lucy criou
O programa Habitat para as escolas públicas. Usando materiais como pneu velho e caixas-d’água, a equipe do Ipec transforma os pátios dos colégios em jardins de borboletas, hortas, laguinhos com tartarugas, sapos, peixinhos, casas de adobe, muros de bambu, painéis solares e captação de água. Tudo para que as crianças entendam a relação dos animais com o ambiente onde vivem e como essa convivência pode ser harmônica. Transformar o pátio do colégio em laboratório vivo ajuda os estudantes a entender a temática básica do currículo em suas lições de Ciências, Matemática, Português ou Estudos Sociais. O Ipec já criou Habitats em escolas de todo o Brasil. As técnicas para criar esses pequenos ecossistemas serão publicadas no livro Criando Habitats, a ser lançado em janeiro de 2010 pela Imprensa Oficial de São Paulo. “Sem espaços verdes, as escolas não vão preparar as crianças para ser bem-sucedidas no futuro”, acredita Lucy.